Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Os abacates da quarentena https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/05/05/os-abacates-da-quarentena/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/05/05/os-abacates-da-quarentena/#respond Tue, 05 May 2020 20:53:34 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/abacate-1562276088523_v2_900x506.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=688 Para fazer um suco pra três pessoas são necessários dois maracujás pelo menos, talvez fique aguado e o ideal seja uma fruta por pessoa, não sei, mas, se for para bater abacate, basta escolher um só, dos grandões, e eu acho que isso é por causa da textura cremosa e do leite que a gente adiciona. Rende.

Quando minha avó fazia creme de abacate de sobremesa, tinha que racionar só um potinho por pessoa. No geral eram uns 15 potes. Faço as contas de quantos abacates dos grandões ela tinha que trazer da feira no carrinho pra depois abrir, tirar o caroço, misturar no liquidificador, e servir com gotinhas gostosas de baunilha.

Era um gesto de carinho em forma de comida, como os tantos que ela fez por tantos anos, cozinhando para nove filhos, quase 20 netos, famílias imensas que faziam ao menos uma refeição por dia na sua casa. Ela vivia exausta. E, quando a gente vive exausta, é fácil confundirem nosso cansaço com má vontade.

A quarentena faz a gente viver numa exaustão eterna. Parece, olhando de fora, que todo mundo ganhou mais tempo e que a vida ficou mais fácil, já que ninguém tem que – nem pode – sair para lugar algum. Acontece que a única coisa que mudou foi que a gente trouxe tudo que fazia lá fora para dentro de casa.

Veio o escritório, veio a escola das crianças, veio a academia, a faculdade, e se não vieram os carros trancados no sinal vermelho, foi só porque o destino é muito ágil e a cozinha virou nosso novo trânsito. Ninguém precisa mais se enfiar em engarrafamento ou metrô lotado, mas agora tem três refeições no dia pra preparar pra família toda.

Viramos todos as nossas avós, lá nos anos 1970, 1980, 1990. Todo dia um abacate diferente para bater prum batalhão. E, feito elas, também ficamos exaustos, e, feito o que fazíamos com elas, o que não falta é gente em casa para achar que nosso cansaço é na verdade mau humor.

Pior que às vezes até é. Tem dia em que não dá vontade de nada mesmo, que dá saudade de tudo, que parece que nunca mais nada vai melhorar. E, seja nesses momentos, ou naqueles em que a estafa bate, tudo que se quer é compreensão. Carinho. Duas coisas que, na quarentena, por vezes faltam. A gente ressente não ter, a gente se esquece de dar.

Faço esse texto para não desaprender meus afetos por aqueles com quem a vida houve de me colocar aqui e agora. Quero não ser traída pelo contexto. Quero manter acessíveis os porquês da intersecção que – fundamental lembrar – escolhemos fazer de nós.

Saber, em todos os momentos, até quando a disposição falha, da cor das bochechas do meu filho, e de como, mesmo com o passar dos anos, o tom rosado não desce nem sobe um tom. Evocar os primeiros meses de vida, a textura dos cabelos, não deixar de me espantar diante dos pés que crescem e da voz que muda.

Já do meu amor que escolhi no mundo, quero diariamente reviver a sensação de pousar a mão no peito liso da primeira noite. Evocar as músicas que ganhei. Ter em mente que foi também por causa da ampla variação de timbres que sua voz alcança de manhã que me apaixonei. Isso, e o tamanho das mãos e dos punhos. E os dentes da frente, argumentativos.

Eu amo vocês. Vocês e todos os meus a quem, por ora, não é possível abraçar. São tempos de oferecer carinho de outros modos, e de cuidar de manter o que dá. Aqui em casa, vai ter sempre creme de abacate, a gente pode se revezar no preparo. Nos dias em que todo mundo estiver cansado, é só deitar no sofá e chamar um delivery. E a louça, esquece: deixa que amanhã a gente lava.

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Pegar mulher amadurece https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/10/28/pegar-mulher-amadurece/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/10/28/pegar-mulher-amadurece/#respond Tue, 29 Oct 2019 00:08:41 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/ilustra-ana-matsusaki-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=544 Na palestra do psicólogo, o tema era como as famílias vêm terceirizando a educação dos filhos, impedindo sua autonomia, estimulando competições injustas e o consumismo desenfreado. Um baita trabalho porco, esse nosso, e eu me vi à beira de vestir a carapuça aos prantos quando o terapeuta, um homem na casa dos 40, deu como exemplo uma conversa hipotética entre um pai e um moleque adolescente: “Sou melhor que você, filho, que ainda nem pegou mulher na vida”.

Parece que o jogo virou, doutor. Eu, que estava quase topando rachar com a humanidade esta culpa pelo fracasso absoluto na criação de seres humanos, agora não só continuo me achando uma mãe excelente, como passei a duvidar da sua capacidade como analista, palestrante, humorista e adulto. Ou essa colocação aí não é coisa de moleque?

Na tentativa de fazer graça, diante de um público majoritariamente feminino, o psicólogo aponta relações sexuais como índice de medição do sucesso, e ainda escolhe um vocabulário tão ultrapassado quanto asqueroso. Meu filho de 11 anos não faria melhor.

Uma amiga compartilhou uma imagem que diz que a prova de que sexualidade não é escolha é que ainda gostamos de homens (e isso não tem relação alguma com nos acharmos superiores por qualquer motivo, se você ainda não entendeu o feminismo volte 30 textos no blog e muitas casas na vida).

Acho que essa sensação – genuína – vem do fato de que nós, mulheres, vimos nos esforçando tanto para evoluir, é yoga, é análise, é tantra, é mapa astral, é ciranda para a lua, Freud, Lacan, livros, é coração aberto, e do outro lado vemos tão pouco esforço em prol de entrar em reforma para melhor atender-nos. Desanima.

Assistir figuras escolhidas para compartilhar conhecimento optarem por se comportar de maneira imatura, ainda que em um lapso de segundo, faz pensar que talvez haja uma autorização silenciosa e coletiva para que homens sigam sendo meninos eternamente.

Isso sem falar nas instâncias superiores, ocupadas por indivíduos que parecem recém-egressos do Ensino Fundamental II. A já exaustivamente comentada República da Quinta Série. Óbvio que uma parcela considerável da população constata e se incomoda com a conduta pueril de quem foi escolhido para liderar as decisões máximas da nação, mas em muitos casos os que apontam o dedo se esquecem de seus telhados de vidro.

A prática comum de rotular companheiras como um empecilho à felicidade e à independência, por exemplo, uma receita clássica dos comerciais de menos de uma década atrás. É um costume malandro que não se dá nem ao trabalho de uma retrospectiva histórica. Afinal, se há um sexo que passou séculos sendo podado e diminuído, e que por isso teria direito a todo o ranço do mundo, este sexo definitivamente não é o masculino.

Escolher aquelas que são para casar e as que valem para trepar – e depois reclamar da própria escolha -, classificar-nos com base apenas na subjetiva qualidade dos nossos atributos físicos, alimentar uma rotina de flerte constante com futuras candidatas à vaga já preenchida em uma relação mutuamente acordada como monogâmica: são ou não são práticas idênticas à de, em 2019, falar que o filho ainda não cresceu simplesmente porque ainda não “pegou mulher”?

Ninguém cresceu, parece. E, deste modo, fica realmente difícil imaginar que as próximas gerações se apresentem melhoradas, tendo como exemplo adultos estacionados bem antes do colegial. O problema pode até ser as famílias terceirizando a educação, impedindo autonomia, estimulando competições injustas e o consumismo desenfreado, mas é importante que a gente fale sobre essa imaturidade masculina normatizada e tente de algum modo trabalhá-la.

Em uma sociedade em que um psicólogo propaga em público discursos machistas arcaicos, em que nossos parceiros nos enxergam como bruxas castradoras, e o presidente da República chama a filha de fraquejada para, depois, se fantasiar de imperador-mirim ameaçando levar a bola embora depois que suas regras egocêntricas não são seguidas, é preciso redobrar o foco e a ponderação. O preço da liberdade é mais do que nunca a eterna vigilância.

 

 

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O mito do dedo podre https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/02/o-mito-do-dedo-podre/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/02/o-mito-do-dedo-podre/#respond Mon, 02 Sep 2019 20:23:15 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/morango-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=482 Eu tenho uma amiga, que tem uma cunhada, cuja vizinha era prima de uma conhecida de uma moça que, nossa senhora, só se relacionava com homem merda. Essa mulher, coitada, entrava e saía de namoros que, por mais que parecessem bonitinhos no começo, acabavam com ela arrasada na cama, chorando a decepção e a rejeição do amor errado. E sabe o que essa moça conhecida da prima da vizinha sempre ouvia dos amigos? Ela ouvia que tinha o dedo podre.

Pode até parecer que eu estou falando de mim mesma. E estou, realmente. Afinal, de que serve um espaço público em um jornal de circulação nacional se não for para passar vergonha perante a sociedade?

Gastei a vida inteira escutando essa expressão da boca de mãe, de pai, de amigos, de colegas de trabalho. Como uma jardineira que só cultiva adubo, era incriminada pelos fracassos contínuos na minha vida amorosa. Dedo podre.

Se você digitar essa expressão no Google, aliás, vai se deparar com matérias em sites diversos que responsabilizam única e exclusivamente as mulheres pelas escolhas erradas, e pelos relacionamentos malsucedidos.

Dizem os psicólogos entrevistados nas tais reportagens que, ao escolher um homem estragado como companheiro, nós, mulheres, estamos das duas, uma: ou ansiosas para ter alguém a qualquer custo e evitar ficar sozinhas, ou presas à fantasia de que somos capazes de salvar um cara problemático.

Nenhum desses profissionais leva em consideração, no entanto, o fato de que, muitas vezes, aquele morangão bonito exposto na gôndola do supermercado demora um tempo até mostrar seu lado cheio de mofo. Em outras palavras, sem metáforas cafonas de hortifruti, seria bacana que essas pessoas ouvidas nas matérias se lembrassem de que não é sempre que as pessoas se apresentam do jeito que elas realmente são.

Se um homem usa uma máscara poderosa nos primeiros meses de relacionamento, para só depois – e bem aos poucos – revelar sua verdadeira personalidade, será que a culpa continua sendo da mulher que se apaixonou por ele? Será que ela sofre mesmo da maldição do dedo podre?

Óbvio que há os motivos inconscientes que nos direcionam e conseguem, inclusive, antever as tragédias, convidando a conectar nossos buracos emocionais com os buracos emocionais do outro. Longe de mim desmentir analista, até porque sem o meu eu não sobrevivo. Mas a impressão que fica é a de que parece muito mais fácil culpabilizar a mulher do que avaliar o quadro como um todo.

Nesse panorama geral, há fatores como, por exemplo, a raridade que é encontrar um sujeito 100% afinado com o mundo de hoje, e aberto para as mudanças fruto das conquistas do feminismo, por exemplo. Ou esses psicólogos que dão entrevista nunca ouviram falar em esquerdomacho, o tipo que parece fofo no começo, mas que, com o tempo, revela ser uma grande cilada, Bino?

O fato é que nós mulheres estamos sempre nessa posição passiva. Se “conseguimos” conquistar um homem – e eu colocaria aspas triplas aqui se a revisora não fosse me dar um pito -, ele está sendo generoso em nos aceitar como somos. Se ele vai embora, fizemos algo de errado. E, se ele acaba se mostrando um mau partido, o crime é termos o dedo podre, e não ver o problema com antecedência.

Oras, nos poupem. De nada adianta a gente ler, estudar, se informar, se analisar, fazer yoga, assistir todas as temporadas de “O Conto da Aia”, se não se encerrar o padrão em que toda mulher é invariavelmente culpada por tudo que lhe acontece. Quero, sim, toda a responsabilidade que vem com a evolução e o chamado “empoderamento”, mas também seria genial se, ao mesmo tempo, a gente finalmente jogasse luz sobre o que não é despesa nossa nessa conta.

Até porque, se um dedo é mesmo podre, a última coisa que ele sabe ou deve fazer é passar pano.

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Das seis às nove, mulheres só correm atrás de homem https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/29/das-seis-as-nove-mulheres-so-correm-atras-de-homem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/29/das-seis-as-nove-mulheres-so-correm-atras-de-homem/#respond Mon, 29 Jul 2019 23:44:27 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/grazi-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=447 São 912 opções, mas a TV lá de casa vive sintonizada em apenas dois canais de criança, com programações que meu filho alterna assistir. Centenas de reais pagos no fim do mês para ver “iCarly” e “Jovens Titãs”. Mas a sensação de fracasso econômico se resolve de vez em quando, sempre que minha mãe resolve vir a São Paulo nos visitar. Egressa de uma geração que só desliga a TV ao sair de casa – e às vezes nem isso – ela acompanha a grade da hora que acorda até quando dorme. Mas que fique claro: a grade inteira, sim, só que apenas a da TV Globo.

Quando eu era criança e a gente morava juntas, me lembro de que ainda eram permitidos um ou outro SBT, TV Cultura, e até mesmo aqueles canais de compras com promoções, e a gente deitada no sofá à noite brincava que um dia seria rica e compraria muitos móveis, roupas e eletrodomésticos. Hoje, no entanto, depois de décadas morando sozinha, ela desenvolveu o apego imenso aos horários de uma semana ditada inteirinha por uma única emissora de TV.

E com essa rotina vêm, claro, as novelas. Na semana passada, mamãe aportou por aqui e eu havia me esquecido de quantas novelas a Globo produz por dia. Impressionante, não há como negar. E, pelo que eu achava que sabia de antigamente, o teor das tramas ia pesando de pouquinho conforme o horário – pepinos adolescentes na novelinha, um ou outro perrengue na das seis, boletos maiores na das sete, até culminar com a vida como ela é às nove em ponto.

O que eu vi nesses últimos dias, porém, não tem mais qualquer semelhança com isso. As novelas agora são monotemáticas, da tarde até a noite. Não há mais uma escalada. Hoje em dia, o sol nem bem se pôs lá fora e, na tela, as mulheres já estão correndo atrás de homem.

Não importa o tema central. Invariavelmente, as cenas vão mostrar uma mina ou chorando por um cara, ou agarrando um cara, ou passando a perna na amiga por causa de um cara, ou planejando como será encontrar um cara mais tarde. Na novela das nove atual, por exemplo, a filha trai a mãe com o padrasto, e trama roubar sua fortuna para viver melhor ao lado dele. Jura?

Estamos em 2019, e a Globo ainda nos vê – e nos retrata – como personalidades rasas e clichês. Modifica o cenário, para dar uma arejada, mas nos coloca sistematicamente como mulheres que vivem suas vidas para conseguir e manter homens ao seu lado. Não temos outras grandes ambições. Até podemos ser bem-sucedidas, formar famílias, ter amigos. Mas, por trás disso tudo, sempre haverá um ego focado no sexo oposto.

Daí viramos heroínas, antagonistas, participações especiais e figurantes correndo atrás de macho no Leblon, correndo atrás de macho em Portugal no século passado, correndo atrás de macho nas Índias, na colônia italiana, em São Paulo, na Grécia.

É um engano dizer que essa visão deturpada é um problema exclusivo de novelas. Até pouco tempo atrás ríamos de enredos como “Friends” que retratavam, na TV por assinatura, mulheres concentradas em poucas coisas além dos métodos que usariam para levar um homem pra cama.

Os anos se passaram, os roteiristas perceberam um movimento no eixo da Terra, e começaram a produzir séries contemplando o que sempre fomos: figuras complexas, com desejos, nuances e sonhos que até abrangem relacionamentos, mas que não se atêm apenas a isso. Nasceram, assim, joias como “Big Little Lies”, que retrata o poder construtivo da amizade feminina.

Há quem defenda que as novelas entregam aquilo pelo que o público anseia. Não sou estudiosa do tema, mas fico com a impressão de que esta é uma desculpa fácil de quem busca audiência a todo custo, entregando scripts surreais a quem também se interessaria por histórias mais cuidadas, com personagens mais densos e ajustados à época que vivemos. Isso não é menosprezar a plateia?

Estreou, nesta segunda-feira (29), a nova novela das sete da Globo, “Bom Sucesso”. Minha mãe já foi embora, e a TV de casa, com isso, voltou à programação normal de Cartoon Network e Disney Channel. Não me prestei a assistir ao primeiro capítulo. Em vez disso, busquei no site a sinopse, e me animei quando li que a protagonista é apaixonada por livros e manterá uma amizade com um homem mais velho, com quem deve aprender bastante sobre a vida.

O site dizia, no entanto, que já está prometida para a primeira semana a apresentação de um triângulo amoroso, envolvendo a mesma personagem, que tinha tudo para ganhar minha simpatia. Desisto. Pena. Planejo me esquecer de pagar a conta da TV a cabo quando minha mãe me fizer uma nova visita.

 

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O crime do cafuné https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/06/o-crime-do-cafune/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/06/o-crime-do-cafune/#respond Sat, 06 Jul 2019 16:00:50 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/afeto-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=434 Um Jesus Cristo cabeçudo feito em biscuit divide o scroll com blusas de leopardo e manga bufante. Se descer mais um pouquinho a página, aparecem marmitas de estrogonofe fitness, roupinhas para cachorro, aulas de italiano e uma máquina de limpar carpete. Parece a antessala do inferno, mas é só um grupo fechado no Facebook.

Somos mais de 260 mil membros. A ideia é que, lá, cada um peça indicações de um serviço ou profissional específico, ou ofereça seu trabalho ou produto. Quem se interessar entra em contato. É no tal grupo dos pontinhos, por exemplo, que anuncio meus cursos de redação, e onde já vi minha vizinha fazendo promoção de sabonetes. Estamos todos nos virando.

Postagens populares geram um sem número de perguntas sobre quanto custa, quantos vêm, como funciona. E, como as regras da comunidade compreendem que valores e informações só podem ser passados via mensagem privada, mesmo o serviço mais incrível de todos não vê muita criatividade na interação dos clientes em potencial – é inbox que o match se desenrola.

Só que aí veio o Leo para tumultuar tudo. Novo no grupo, fez o début de apresentação do seu trabalho na sexta-feira e, no sábado, já era a publicação mais lida e comentada. Dos 145 emojis, mais de uma centena gargalhava. Dos 114 comentários, apenas quatro pediam detalhes sobre o atendimento.

Leo oferece cafuné. Atende na cidade de São Paulo e adjacências, e baseia seu método na técnica de Comunicação não Violenta. Em atendimentos de 45 minutos, aplica carinho na cabeça dos clientes, que também podem ficar à vontade para desabafar sobre questões que os estejam afligindo, ou conversar sobre o clima, ou contar os planos para as férias com as crianças em julho.

Assim como acontece com o Jesus Cristo de biscuit, há quem possa considerar o trabalho de Leo supérfluo. Acontece que, no post do medonho filho de Deus colecionável, ninguém questionou o talento do artesão – ficou todo mundo lá, olhando para o boneco inútil, mas sem dizer palavra a respeito da sua falta de serventia ou estética questionável.

Já no post de Leo, a ideia parecia mesmo aniquilá-lo.

Charlatão, louco, aproveitador, psicopata. De alguém disposto a distribuir afeto, Leo rapidamente se transformou em delinquente. Fuçaram seu perfil pessoal. Encontraram fotos de bundas em um de seus álbuns. Vasculharam a biografia pública atrás das credenciais acadêmicas. O retrato de perfil, sem camisa e tocando violão na cachoeira, só podia significar algo muito maligno.

Leo começou respondendo às perguntas com calma. Sua intenção era ajudar pessoas sozinhas e carentes a receber algum tipo de afago. Terminou deletado pela administração do grupo sem qualquer explicação.

Terapeutas locais se apressaram a justificar que não se pode comercializar ajuda psicológica sem formação universitária – mesmo que Leo não estivesse vendendo consulta, e sim cafuné, mas isso não conta, porque importante mesmo é dar lição de moral e botar banca. E, se possível, ridicularizar tudo aquilo que não se reconhece e aceita dentro da uma visão conservadora de mundo.

Escolher homens e mulheres para levar para a cama via aplicativo de celular, como num menu de restaurante, é admissível para os críticos de Leo. Deitar-se numa maca e permitir que alguém vestido de branco cubra seu corpo com pedras quentes para curar doenças, também. Engolir um pedaço de pão de olhos fechados porque alguém lhe disse que aquele é o corpo de Deus, também é sussa.

Ninguém pede as credenciais do padre, da massagista, da mina do Tinder. Ninguém questiona a utilidade ou o bom gosto dos ensaios fotográficos de gestantes seminuas ou recém-nascidos enrugados. Outro dia, uma garota se ofereceu como “Melhor Amiga Profissional” no grupo, e ninguém falou nada, vasculhou nada, apedrejou nada. Talvez a tenham até contratado – quanto custa, quantas de você vêm, como funciona, quanto fica o frete para Perdizes.

Mas o Leo, não. O Leo merece ser expulso. Em uma época em que todo mundo sabe melhor do que os outros a respeito de tudo, quando se pensa que todos têm jurisdição sobre os corpos e sentimentos alheios, um garoto de 20 e poucos anos que quer distribuir cafuné só pode mesmo ser um vigarista.

Volta e meia penso sobre como não ganho cafuné de ninguém nunca. Meus pais são maravilhosos, mas pouco afetuosos fisicamente. Meu filho é uma criança, e meu namorado não é afeito a este tipo de carinho. Ressinto a falta de toque e aconchego tão típicas da infância, quando alguém sem diploma podia botar a gente no colo – se assim a gente escolhesse – e nos aplicar uma sessão de cafuné.

Acontece que estamos presos em bolhas de interação social virtual, das quais, ao que parece, só é permitido escapar se for para visitar um especialista. Se for para pagar caro por algo. Se for para agir de acordo com a aprovação alheia. Foi isso que aprendi hoje, quando, ao ver o post, me animei em pagar pelo carinho do Leo (enquanto quem não quisesse pagar podia apenas pular o anúncio). Mas deletaram o post, deletaram o Leo, e deletaram as boas intenções do mundo.

Caramba. Eu só queria um pouquinho de cafuné.

 

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Poema do amor voraz https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/04/22/poema-do-amor-voraz/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/04/22/poema-do-amor-voraz/#respond Mon, 22 Apr 2019 13:53:06 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/milhases-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=389  

Os males do amor,

muitos e variados,

desde o tipo rejeitado até

o iludido,

encobrem aquele que, de todos,

é o mais doído –

porque à vítima impõe

da miséria a pungente angústia -,

ficando omitido,

até que, abatido

um novo amante, lembra-se,

a humanidade,

da força de tal moléstia.

 

Quando o sentir não basta

(ainda que farto)

porque no peito sobra espaço,

não chegam beijos

nem evidências,

não faz diferença

a constância.

Reluz só

a carência,

brilham os vãos, e grita

a fome:

é o amor voraz, quando o desejo

nunca chega, e faz querer

 

tatuar seu nome

do seu inteiro tirar um pedaço,

arrancar-te e mordiscar um dedo,

para, depois, dependurado,

exibi-lo numa corrente.

 

Esganado o peito em vazio frequente

sonhar em, com a língua,

te esfolar, inteiro,

e fazer da pele toda goma

de mascar.

 

Teu cheiro:

num frasco ao alcance

da mão, no bolso,

chuviscado no pulso, romance

em gotas de suor azedo.

 

O que te há de belo,

o que te sobra, impuro.

Não tem critério o amor voraz,

porque anseia seus excertos

duros

inseridos no meu contexto.

Será que é um filho

que, teu, cresça

me ocupando,

ou só mesmo

sua carne, inchada,

me recheando?

Engolir você: a meta.

 

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Você já teve um amor-Bolsonaro? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/04/01/voce-ja-teve-um-amor-bolsonaro/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/04/01/voce-ja-teve-um-amor-bolsonaro/#respond Mon, 01 Apr 2019 23:12:08 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/bolso-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=381 Chegando aos 40, a vista fica estranha, a gente começa a ter que ou se por vesga ou fechar os olhos e fingir amor quando vai dar beijo na boca, porque a pessoa vem vindo, chegando perto, e os olhos, idosos, não dão conta de acompanhar aquele movimento naquela velocidade. Então, é óbvio que objetos minúsculos lá embaixo no tapete também correm o risco da invisibilidade enquanto passo o aspirador. Confundem-se com glitter do carnaval passado, e acabam sugados pelo Cyclone Stick antes que se tenha qualquer chance de misericórdia.

O braço de um importante super-herói do qual me esqueci o nome acabou, hoje, no saco durante a faxina. Culpa do moleque, que largou as peças de LEGO espalhadas. Foram cinco minutos de hesitação, é até bom ele ter no catálogo um herói deficiente, mas a culpa bateu, e fui caçar o bracinho em meio à sujeira e aos pelos de gato.

Já pensou que bom seria se, na vida, a gente também tivesse a chance de abrir o aspirador divino e caçar, lá dentro, entre as empoeiradas consequências de decisões passadas, o objeto de arrependimento por uma resolução precipitada? Fazer e falar besteira, e poder depois, à pressão de um botão, abrir o compartimento do passado recente e desfazer ou desfalar o que quisesse.

Acontece que, se a ordem das coisas se desenhou desse jeito, e a gente tem que arcar com as consequências do que escolhe, é por algum motivo – de repente Deus se perderia no cronograma de maneira caótica caso nos fosse permitido voltar atrás em tudo, já pensou o transtorno?

Ou, vai ver o motivo é mais simples e menos olímpico, e o regulamento da vida é esse aí porque todo mundo sabe o quanto é desagradável conviver com gente que retira o que disse a toda hora. A medicina, por exemplo, vem estudando um novo fenômeno neste sentido: o amor-Bolsonaro.

Diz-se que aqueles que sofrem desse tipo de patologia vivem a fazer juras e promessas, a traçar acordos, e, pouco tempo depois, se retratam alegando que não era nada daquilo, que o pessoal entendeu errado, e a outra parte que lide agora com o desfeito. Outros casos relatados nos anais dão conta de situações similares, porém opostas, quando o paciente inicia o quadro viral sonegando afeto para, cerca de 24 horas depois, modificar o discurso e garantir que a vida sem aquele parceiro não seria possível, e a dor, insuportável.

(Não confundir com esquizofrenia.

Nem com transtorno de dupla personalidade.)

O amor-Bolsonaro não se baseia em mau-caratismo, garantem os catedráticos. Também não se avizinha da loucura. Tem, isto sim, suas raízes na infantilidade e no despreparo para cargos relevantes (namorados, maridos e afins, esclarecem os médicos). Ainda de acordo com a literatura, a terapia mais indicada envolve técnicas como meditação silenciosa, psicoterapia e amadurecimento de choque.

Métodos menos ortodoxos, como a prática que envolve o Cyclone Stick servindo de instrumento lúdico de expressão dos sentimentos, também vêm sendo tentados. Nas sessões, os doentes são convidados a manipular o aspirador sobre uma superfície repleta de peças de LEGO, glitter do carnaval passado, sentimentos alheios, muito pó, e alguns artigos da Constituição. A ideia é se responsabilizar pela decisão de chupar ou não chupar os objetos. Os resultados preliminares ainda são insatisfatórios.

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Se eu não amasse ninguém https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/se-eu-nao-amasse-ninguem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/se-eu-nao-amasse-ninguem/#respond Wed, 27 Feb 2019 21:30:31 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/Andre-Ducci-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=348 A marchinha de Carnaval, esta, a festa mais libertária do ano, garante que, ainda que todo mundo pense o contrário, legal mesmo durante a folia é estar apaixonado. Quem sabe sabe, conhece bem, e ai que delícia que é gostar de alguém e querer bem e ter um foco só nessa vida, amém.

Pois eu queria era pular em outro bloco. O Unidos do Não Gosto de Pessoa Nenhuma.

Óbvio que da minha mãe eu ainda gosto, do meu pai e do meu filho também, das amigas, dos colegas, e até o meu chefe no jornal eu curto, mas ia ser uma experiência e tanto viver um período curto que fosse sem estar apaixonada por ninguém. Não ter o coração absolutamente entretido e devotado a um grande amor. Com o sinal de livre, porém com zero pressa para aceitar uma nova corrida.

Se eu não gostasse de pessoa nenhuma, eu acordaria cedo como sempre acordo, ao som do despertador de todo dia, e ajustaria o soneca para tocar três vezes e eu então me levantar às sete e meia sem gostar de pessoa nenhuma. Faria o café forte com leite, cortaria o mamão ao meio, assaria três pães de queijo e comeria tudo com calma, porque eu não gostaria de pessoa nenhuma.

Trabalhar talvez fosse até mais fácil se eu não estivesse amando ninguém. Dirigir na Marginal, estacionar na Zona Azul, pedir pra botar trinta de gasolina, deixar aquela forcinha pra nóis, esterçar e vir vir vir vai ver seriam processos mais simples, quem sabe, se fosse o caso de não amar ninguém.

Sem um amor no peito eu iria ao mercado comprar sabão em pedra, banana prata, pedia peixe à milanesa, via peça no teatro, escovava os dentes e ouvia Djavan, tudo sem medo nem dor nem dúvida, porque, de peito vago, ficava tudo mais fácil, ficava leve ter faringite, perder cabelo, ler o Drummond inteiro, o Bandeira todo, a ata do condomínio, o manual da geladeira, o menu do Netflix, a resposta da charada de ponta-cabeça, a coluna do Antonio Prata e o olhar do namorado que não é ninguém e, por isso, não ganha amor, não sente pressão, não muda de ideia, não tem saudade nem sufocamento, simplesmente não o é de modo que não se tem.

Quando eu não gostar de pessoa nenhuma, vou aprender a tocar piano, dançar flamenco, nadar borboleta, virar estrela, usar furadeira, chorar desconto, dizer não quero, aceitar socorro e pedir distância, porque não existe desprezo quando não se tem expectativa e é assim que se move alguém que não gosta de pessoa nenhuma.

Pessoa nenhuma não, redigo, que a mãe e o pai, o filho, as amigas, os colegas e até o chefe no jornal a gente segue adorando. Era só que eu ia manter o coração ocioso, e guardar a calcinha nova, a unha feita e a reverência absoluta a quem mais merece o querer bem, o amor no peito e a escolha superlativa: eu mesma, e só mesmo eu.

* (Texto dedicado à Manu, aluna do meu curso de Redação, que tem boas ideias de temas e de quem é gostoso gostar)

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A responsabilidade de quem apanha https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/18/a-responsabilidade-de-quem-apanha/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/18/a-responsabilidade-de-quem-apanha/#respond Mon, 18 Feb 2019 18:12:53 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/elaine-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=340 Ele tinha poucas fotos no perfil do Facebook, mas, em algumas, dava para ver que olhos eram verdes e o nariz era torto, coisa que, naquela época, costumava bastar para eu querer marcar um encontro com alguém. Agendamos na minha casa, abrimos um vinho, transamos e ficamos casados por nove anos. Ele nunca me espancou até eu quase morrer.

Um outro – também de olhos verdes, eita padrão – entrou em um bar onde eu bebia com um amigo numa noite de semana, cumprimentou meu parceiro de drinques, deu um sorriso muito branco e perguntou se eu fumava. Deus é bom, e havia um Marlboro na minha bolsa. A bituca foi pro chão, a língua dele se enfiou na minha boca, e dali eu não a deixei sair por meses. Ele também nunca me bateu até o coma.

O ator que namorei depois da entrevista também não me agrediu, tampouco me socou o músico pra quem dei capa antes de aceitar a carona e um lugar na sua cama por dois anos de relação. Nenhum dos jornalistas com quem saí ergueu a mão para mim, nem aquele engenheiro ruivo, ou mesmo o publicitário novinho que me deu o trote na faculdade, ou o rapaz de camisa de banda que abordei na sorveteria e levei para minha casa numa tarde de calor no Rio de Janeiro – passei ilesa pelas mãos de todos eles.

Eu achava até hoje que tinha tido sorte por nenhum dos meus parceiros, fixos ou eventuais, se revelarem psicopatas violentos em algum momento ao meu lado. Até porque, o que não faltam por aí, nas manchetes de jornal e nas histórias que amigas contam, são casos de homens que, mesmo depois de anos de relação, passam a agredi-las, queimá-las vivas, amputá-las, enforcá-las, jogá-las de cima do prédio. Se revelaram criminosos os maridos e namorados a quem elas julgavam conhecer tão bem.

Eu era rabuda, imaginava, mas aí foi que li as matérias de hoje sobre a moça hospitalizada depois de apanhar por quatro horas de um rapaz que conheceu nas redes sociais, e, nos comentários ao texto, percebi que, na verdade, eu devo ser muito melhor do que ela, a moça à beira da morte. É que, como disseram lá que a culpa é dela por estar desfigurada numa cama de hospital, sendo que eu nem um peteleco nunca tomei, alguma coisa eu devo ter feito muito certa, enquanto ela fazia muito errado.

Escreveram que a culpa é dela porque transou no primeiro encontro – e eu lembrei que raras vezes esperei um segundo encontro para abaixar as calças. Hum, estou confusa. Teve quem dissesse que o problema era sair com alguém que conheceu em aplicativo – nunca usei o Tinder, verdade, mas metade dos meus amigos no Facebook já me deu ao menos umas bitocas, enquanto um terço deles conhece até mesmo a marca do meu colchão. E agora?

Se eu fiz tudo – e até pior – que a Elaine fez, por que raios eu não acordei toda roxa pedindo socorro? Eu sou realmente melhor que ela em algum aspecto, e por isso não mereci ser punida, bem-feito pra mim, olha só o que te aconteceu? A resposta é: óbvio que não.

A responsabilidade de Elaine, a empresária espancada, sobre a própria desgraça, é igual ou menor que zero. Nessa história, assim como acontece em 100% dos casos em que mulheres são agredidas por homens com quem escolheram se relacionar, Elaine é única e exclusivamente uma vítima.

Não importa quantos comentários na Internet tentem justificar o injustificável, quantos leitores e leitoras apontem o dedo, não há contexto em que caiba alguém ser culpado por apanhar até chegar perto da morte. É mais que hora de parar com esse comportamento sórdido de inventar caminhos que levem monstros à possibilidade da razão.

Eu já fiz igual à Elaine, você já fez igual a ela, e a única diferença que nos separa de onde ela está agora para onde nós estamos é um fator chamado casualidade. Rasguem seus juízos de valor, e aprendam a lidar com isso.

 

 

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Eles não https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/09/18/eles-nao/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/09/18/eles-nao/#respond Tue, 18 Sep 2018 19:07:53 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/não-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=273 A gente já está cansada de saber que ele não, pelos motivos muitos que todo mundo conhece, mas, de tão focadas que estamos nisso, a gente acaba esquecendo que não é só ele que não – tem muitos, muitos outros que também não.

Aquele boy lindo que já nos primeiros encontros se refere à ex como “louca”, e que, quando você entrar para o rol das antigas relações, também vai chamar você de maluca: ele não. Bem como aquele cara maravilhoso que fala mal da mãe, da irmã, da chefe, justificando de algum modo que elas agem de maneira desequilibrada pelo fato de ser mulheres: ele, também, não.

Homem que é incrível com as minas com quem sai, que trata bem, que respeita, mas que tem filho de outro relacionamento e mal visita a criança ou não paga direito a pensão: ele não. Tampouco o moço que é um paizão nas redes sociais, mas, na vida real, não troca fralda nem vai à reunião da escola porque isso é tarefa da mãe: ele não.

Rapazes que fazem questão de receber sexo oral e que, quando é chegada a hora de botar a língua para funcionar, fazem cara de nojo: eles não. Nem os que até topam chupar, mas não fazem ideia de onde fica o clitóris: eles também não.

Aliás, na cama, há uma série de eles que, poxa vida, não mesmo. Mas destaquemos, para resumir, os que desconhecem o que respeito no sexo significa, seja porque só se preocupam com o próprio orgasmo, ou porque forçam situações com as quais a gente não concorda: eles não.

Por falar em respeitar alguém, talvez haja um tipo que a gente já esteja aprendendo que não – o boy abusivo. Se ele só coloca a parceira para baixo, se ele não valoriza o que ela é e faz, se ele tenta provar que ela é tão péssima que ninguém além dele vai querê-la e que ela tem sorte por ele ainda não ter ido embora de vez, lembre: ele não.

Homem que explica as coisas às mulheres como se elas fossem idiotas porque justamente são mulheres, sendo que elas já sabem do que eles estão falando: eles não. Homem que se apropria de ideias que originalmente foram dadas por uma mulher, e finge que foram criadas por ele: tão não, ele, gente.

Motorista sem cortesia que bota a cara para fora da janela do carro e diz que “só podia ser mulher” quando uma moça se enrola no trânsito: ele não. Nem os prestadores de serviço que aumentam o preço das coisas quando a freguesa é do sexo feminino: eles também não.

Lembremo-nos, portanto, de todos aqueles que de jeito nenhum, nunca, jamais, para sempre não, e mantenhamos sempre em mente como foi que isso tudo começou, onde e por que tudo isso surgiu, para que a gente não volte nunca mais a cogitar achar aceitável algo que, nunca é demais lembrar, absolutamente não. Eles todos: não.

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