Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O uniforme que eu posso te dar https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/o-uniforme-que-eu-posso-te-dar/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/o-uniforme-que-eu-posso-te-dar/#respond Mon, 09 Aug 2021 17:51:06 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/1_serie_manhas_de_setembro_liniker-6624753-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=968 Só uma semana de aulas presenciais até agora, e já visitei a loja de uniformes do colégio três vezes. Nada custa menos de R$ 50 lá dentro, o que significa que, além do gasto de tempo para ir até o Pacaembu e voltar, há também o tanto que se tira da carteira a cada passadinha.

Meu filho tem quase 13 anos e cresce cerca de meio metro por hora que fica no sol –à sombra, o ritmo parece mais lento, o que dá algo entre 15 e 20 centímetros no mesmo período de tempo.

É burrice comprar muitas peças de roupa em tempos assim, porque, semana que vem, uma calça servirá apenas como short, camisetas largas virarão babylook, e casacos se tornam boleros roçando o sovaco (agora peludo) em questão de minutos.

Mas, sim, eu visitei a loja três vezes, e nas três vezes consumi itens, toda cega e milionária. É que me dá gosto comprar uniformes para ele.

A vida de mãe solo nunca foi fácil, mas houve momentos ainda mais complicados. Eles coincidiram justamente com a fase em que uma criança pequena suja roupas o dia todo, todos os dias. É porque o suquinho derrama na blusa, é porque foi dia de dar carrinho na quadra na hora do recreio –sempre tem uma explicação boa pra que tudo volte imundo do colégio.

E nem mesmo o luxo que é ter uma máquina de lavar concede privilégios suficientes a quem, às dez da noite, pendura no varal uma roupa que precisa estar enxuta às sete da manhã. Por uma década, sequei muita camiseta na porta do forno, atrás da geladeira, no ferro e com secador de cabelos.

Funciona assim quando não se tem dinheiro para comprar mais de duas camisetinhas e uma calça –nada custa menos de R$ 50, afinal.

Quando nem assim dava pra secar o uniforme, quando não funcionavam nem o forno, a geladeira, o ferro, o secador, Teodoro ia para a escola vestindo um uniforme usado, sem lavar, disfarçado com um spray cheiroso daqueles que ajudam a passar as roupas na tábua.

Era nesses dias que eu tinha certeza de não haver mãe pior que eu no mundo.

Assisti ontem a “Manhãs de Setembro”, série da Amazon Prime que tem Liniker como protagonista. Estreou em junho passado. Chorei de novo, igual chorava escondido naqueles dias passados.

Uma personagem manda o filho escolher: ou vai de uniforme molhado, ou vai de vestido emprestado pra escola, porque não deu tempo de a única camisetinha secar.

Se eu já visitei a loja de uniformes três vezes só na última semana, foi porque, agora que a vida melhorou um pouco à custa de muito trabalho, eu finalmente posso comprar as coisas que sempre quis para o meu filho.

Sinto prazer em trazer a sacola pra casa, dar as peças na mão dele e ver que tudo serve, que está tudo limpo, que há itens suficientes para revezar e higienizar e depois guardar na gaveta.

Já houve um tempo em que torci pra que ele crescesse sem nunca saber que, às vezes, foi pra escola de calça remendada às pressas, de camiseta molhada ou sem lavar. Mas, agora, meu maior desejo é que ele se lembre de todos os detalhes.

Porque, lembrando tudo, ele poderá trocar a memória velha por uma melhor e mais honrosa, e, quem sabe, até ter um pouco de orgulho de mim.

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Manhês em quarentena https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/03/17/manhes-em-quarentena/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/03/17/manhes-em-quarentena/#respond Tue, 17 Mar 2020 16:53:00 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/isolamento-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=634 Os números do coronavírus são impressionantes, mas mais impressionante mesmo é o número de vezes que meu filho já falou a palavra “mãe” na manhã de hoje. Estamos no primeiro dia de isolamento – ontem, ele foi à escola apenas para buscar materiais e orientações sobre o ensino à distância. Surpreendente, mas não encontrei até agora entre os papeis na mochila algum que me dissesse a verdade: que este vai ser um período infernal.

O portal virtual do colégio tenta de algum modo reproduzir o que aconteceria em sala de aula, não estivesse o mundo seguindo um roteiro clássico de filme com o Morgan Freeman. Mas faltam os amigos, o clima da classe, e falta, especialmente, a professora. O que dizer dessa mulher que eu mal conheço e já amo?

A única vez em que meu filho não usou o pronome “mãe” para evocar minha atenção foi quando trocou meu nome pelo dela. “Prô, me ajuda?”, pediu, confuso com a plataforma bugada e cheia de pastas de lição em branco, e confuso com a figura que, em vez de giz e canetões, empunha uma colher de pau coberta de lentilha.

Mas foi um breve deslize, lapso mental de rompimento recente. Afinal, até sexta passada era dela que ele recebia todo o auxílio, todo o carinho e suporte e cobranças necessárias a um menino de 11 anos que agora me aponta na tela do computador um exercício sobre potência em matemática, e outro do período paleolítico em história.

E eu, o que eu entendo disso tudo? Faz pelo menos 25 anos que tive essas aulas no colégio, e não faço ideia de por onde começar a orientá-lo. E, ainda que soubesse o caminho, ainda desconheceria a fórmula mágica que ensina mães em home office a coordenar demandas do trabalho com as da prole.

Uma amiga produtora de TV pergunta no grupo das meninas se alguma de nós topa gravar programa que vai mostrar atividades lúdicas boladas pelas famílias para o período de quarentena. Outra amiga responde que ela topa, sim, e que as atividades lúdicas às quais ela vai submeter os filhos envolvem faxina e arrumação de armários.

Porque é isso, a rotina não para. O chefe não vai perdoar minhas entregas (e é bom que não perdoe mesmo, pelamor, precisamos todos mais que nunca nos manter empregados), a casa não vai perdoar mais que dois dias sem vassoura e pano, há que se lavar roupa, há que se fazer comida, a cachorra ainda tem que sair para passear, ainda que seja de máscara.

Paro três minutos para conferir o WhatsApp, ouço os áudios de colegas da mesma classe enfrentando problemas semelhantes e pedindo socorro, uma mãe se solidariza, quem quer o DVD do “Croods” emprestado, e sorrateira me perco no meme que alguém mandou noutra janela, a imagem de uma mulher em frente ao computador com três crianças que jazem amarradas no tapete logo atrás. Eu rio.

Só que nem bem começo a achar graça e cogito compartilhar no grupo de mães do bairro, e sou convocada para ajudar a fazer rodar o vídeo sobre constelações da aula de ciências. Está travado. Eu também.

Levei três horas para conseguir terminar de escrever esse texto. Só nesta frase, foram 16 minutos. Contabilizei 212 “mães”, 74 “manhê”, e isso que nem todas as falas da criança foram testadas para o vírus do vício verbal.

A cebola da lentilha queimou há pouco, mais ou menos ao mesmo tempo em que as gatas derrubaram o varal em cima da terra dos vasos. Juro que, se não fosse total grupo de risco, era na casa da minha mãe que eu ia cumprir minha parcela da quarentena. Ô, mãe, me ajuda?

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Sou mãe, desculpa aí https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/16/sou-mae-desculpa-ai/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/16/sou-mae-desculpa-ai/#respond Tue, 17 Sep 2019 01:57:10 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/escola-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=496 O motorzinho esguicha fragmentos de dente e água por um perímetro que vai muito além da boca. Dr. Henrique enxuga tudo com uma gaze, enquanto me questiono por que caprichei na maquiagem. Agora só há base em metade da cara, e eu vou ter que ir assim mesmo para a reunião da escola. Na escala da futilidade, marca entre sete e nove pontos quem quer ir bonita ao encontro de pais e mestres.

Divago em silêncio no elevador sobre o fato de uma assembleia que reúne muito mais mães do que pais ainda ter esse nome secular, e no espelho dá para ver que meu ombro e pescoço estão cobertos por um fino pó de resina da restauração. Estou atrasada há quatro minutos. A Zona Azul venceu já há mais de 15.

Óbvio que quem desenha o cronograma da reunião quer deixar claro logo de cara quais são as mães ponta firme e aquelas que são parte do meu time, porque está programada para os primeiros 30 segundos a interação fofa entre filhos e família. Quando finalmente consigo chegar à sala de aula, o único aluno sozinho tem meu nome no RG. Equipe de uma mulher só, essa a das mães que se atrasam.

Eu não devia ter agendado o dentista para o mesmo dia da reunião e da entrega daquelas duas matérias. Se não tivesse ido tratar canal, teria chegado à escola a tempo, talvez até mesmo antes de tudo, pode ser que eu tivesse aberto o portão do colégio de madrugada, chegaria antes que todo mundo, eu ia ser muito eficiente, tenho certeza absoluta.

Mas não havia data para consulta a não ser hoje ou no final de novembro, e penso que sou uma pessoa um pouco pior no mundo quando estou com dor de dente, de modo que marquei. E me atrasei. E agora estou aqui correndo para alcançar as outras famílias no exercício fofo proposto, o garoto agradecendo minha presença e contando que teve medo que eu não chegasse. Eu também tive (pensei, mas não disse).

Essa escola anda muito moderna. Hoje tem um fotógrafo fazendo imagens de todos, e tento parecer engajada e pontual quando ele passa por nossa dupla. Não posso mexer no celular, ou serei a mãe dispersa no álbum exposto no site da escola. Espero que meu chefe compreenda e perdoe a demora na resposta sobre o primeiro parágrafo da reportagem. Digam xiiiiis!

A segunda parte da reunião – que bem podia ter sido a primeira, pro meu atraso não causar danos emocionais eternos no meu único filho, mas não – começa já sem as crianças na sala. Descolo uma cadeira ao centro e bem na vista da professora, porque quero compensar agora todos os males que provoquei em minha existência como mãe. É hora de brilhar.

Quero prestar atenção. Quero estar atenta. Primeiro assunto é a importância de dialogar com as crianças em casa. Ufa, acho que nessa eu gabarito. Segundo assunto, empatia. Estamos bem, vamos sobreviver, a previsão é de que tudo dê certo.  Mas a pauta vira, e agora é impossível atingir minha meta. Vamos falar de lição de casa e rotina de estudos, convida a professora. E eu tenho alternativa?

Experimente ser mãe solo de filho único, com emprego em tempo integral, sem babá ou faxineira, nem papai nem vovô nem vovó morando por perto. Agora se meta em uma reunião de escola. Você já está deprimida ou ainda falta um pouco?

É muito duro admitir o próprio fracasso em uma ocupação que escolhemos pra nós mesmos. Ninguém me obrigou a engravidar, é verdade, mas também ninguém me avisou que eu ia ficar sozinha desde sempre. E que, por trabalhar até tarde, não ia dar conta de ajudar a criança no dever de casa ou na preparação pra prova.

O menino faz contas e textos sempre sozinho. Aquele 6,5 em Matemática sou muito mais eu que ele. Quando dá dez da noite, ainda falta tanta coisa minha, que eu mal posso ser dele. Será que ele vai passar de ano? Será que se sente diferente dos outros? Será que ele queria ser filho de outra pessoa? Essa infância nunca mais volta. Estraguei tudo pra sempre. O conhecimento é cumulativo, diz na lousa uma frase. Será que ele me perdoa?

A professora ainda fala, e eu acho que quero um abraço. Pode inclusive ser um abraço dela. Surge o aviso de que as vagas para o período da manhã no ano que vem estão quase esgotadas. Que é preciso definir o que se quer. E pagar até dia 30.

Alguém tem alguma pergunta, ficou com alguma dúvida? Sim, prô, eu aqui, de verde, bem no meio, maquiagem borrada, dente remendado e cara de choro.

– Como é que a gente faz pra ser mãe e sobreviver a toda essa culpa?

 

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É preciso escolher melhor nossas vítimas https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/03/15/e-preciso-escolher-melhor-nossas-vitimas/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/03/15/e-preciso-escolher-melhor-nossas-vitimas/#respond Fri, 15 Mar 2019 16:23:39 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/velório-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=373 O país inteiro em choque diante de outro massacre em uma escola, e as notificações do WhatsApp não param de vibrar o celular – é o grupo de mães em polvorosa. Devem estar todas desesperadas, imagino, será que nossas crianças estão seguras, a gente sempre pensa no próprio umbigo, mas o que indigna as colegas não tem qualquer ligação com os atiradores de Suzano. O problema, identifico, é a professora do quinto ano.

É um mar de mensagens, muitos áudios de três minutos, respostas de anuência ao que alguém disse lá em cima. Escolho aleatoriamente alguns para ouvir. Precisamos nos unir, se só uma for à coordenação não vai adiantar nada, esta é uma calamidade que precisa ser resolvida logo, dizem. Mas, gente, socorro, não estou entendendo nada.

Mais áudios. Pronto. Entendi. Uma aluna foi tratada com grosseria, outra se sentiu desrespeitada com deboche. Alguém pediu uma borracha e levou bronca. A prô, parece, é um monstro sem controle.

“Uma vaca”, grita a voz na mensagem do meio-dia. Descubro que já há uma reunião particular agendada, na qual a titular da sala vai ouvir umas verdades sendo olhada no olho sem chance de fugir para finalmente ter o que merece porque ela não sabe do que a gente é capaz. Então, gente, tudo bem se eu não participar?

Invoco a razão com um textão de dois scrolls, minha primeira participação no debate. Técnicas de PNL, dizem que ajuda. Mantenhamos a calma, meninas, levantes são perigosos, quem sabe se confiarmos na direção que há 30 anos emprega essa pessoa no mesmo cargo, analisemos tudo com o cérebro, esqueçam o fígado, vocês viram que dia triste esse de hoje com crianças mortas, como seria se a gente mudasse de assunto. Mas sou uma escrota, deliberam. Desisto de me envolver.

Dois dias se passaram desde que aqueles jovens entraram na escola e abriram fogo contra estudantes e funcionários. No colégio do meu bairro, onde aparentemente reinava a paz antes de a professora do quinto ano pegar no pé da turma, neste mesmo prazo algumas das mães conseguiram conversar individualmente com a pivô da discussão e também com a coordenadora.

Sentiram muito todas, promessas foram feitas, agora quem sabe cessam os rumores entre os alunos de que a prô vai ser demitida “até o final do ano” – crianças de nove anos têm dificuldades ainda com o trato do tempo e espaço.

Áudio de novo. Dessa vez para relatar com detalhes como foi a tal conversa. Eu tenho tanta coisa pra fazer, matéria pra escrever, já tem gente que me xinga religiosamente nos comentários dos textos na Folha, será que eu aguento ser detestada em mais uma agremiação? Play. Indiretas. Parece que, além de escrota, está definido que sou também repressora.

Nos calamos, eu e minha censura, porque há momentos em que os conflitos não querem mediação, mas só combustível para incendiar ainda mais. Fogo no parquinho, mesmo que seja hora de baixar a guarda. Casos assim elucidam, para mim, um dos principais questionamentos que surgem com tragédias como a de Suzano.

Além das motivações, e de como será seguir em frente, é comum que se pergunte o que poderia ter sido feito para evitar que aquelas pessoas morressem – as vítimas e os agressores. Acontece que, se não sabemos lidar com embates e divergências de ordem tão simples quanto a relação truncada de um professor com um grupo de estudantes, é muito claro que ainda estamos longe de aprender a sanar questões muito maiores, como a que move alguém a entender que apenas um grito tão alto quanto uma chacina e um suicídio pode serenar a angústia de dentro do peito. Seguimos despreparados e individualistas.

Antes de silenciar por uma semana as notificações do grupo no WhatsApp, uma última mensagem questiona se eu, agora, defendo que a professora do quinto ano seja ela – e não seus alunos – a vítima de todo o imbróglio. É hora de escolher minhas batalhas. Digito que vítimas são aquelas crianças todas caídas no chão de Suzano, com balas enterradas na cabeça e sangue escorrendo no saguão de entrada do colégio. Não dou enter. As pessoas precisam aprender a ter limites.

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Se organizar direitinho, todo mundo torce https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/14/se-organizar-direitinho-todo-mundo-torce/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/14/se-organizar-direitinho-todo-mundo-torce/#respond Thu, 14 Jun 2018 14:30:16 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/neymar-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=199 Então vai ter Copa, sim, vai ter Neymar, vai ter força, foco e fé, e a única coisa que não vai ter mesmo é aula na escola das crianças. Obrigada, Brasil, por arruinar minha agenda. Daí fica aquele papo de que mulher não gosta de futebol, e, pelo contrário, a gente adora, o problema é que, quando a gente vira mãe, passa a detestar todo e qualquer evento que faça os filhos ficarem em casa. Eu amo meus meninos – eles lá na sala de aula, eu aqui no meu cantinho.

Veio bilhete na agenda avisando que “estaremos todos da equipe muito envolvidos em torcer pela Seleção”. Ah, tá. A professora, se é feita de carne e osso e não de giz de cera, vai estar é bem envolvida com a cama quentinha dela, enquanto o prô de Educação Física vai estar no comando do churrasco e, não duvido nada, a madre superior do colégio estará é envolvida com um litrão de Skol vendo TV no pátio atrás da capela. Eu, no lugar deles, estaria.

E nós, mães de aluno, com quem é nosso fechamento? É com o RH da firma, para quem é preciso avisar que, veja bem, não vai ser possível vir trabalhar nestes dias. Implorar, ajoelhadas de terninho, que se abra uma exceção e topem o home office, porque, veja bem, as crianças não têm com quem ficar.

Daí dá-lhe esquema de guerra dentro de casa. Porque o jogo, amigos da Rede Globo, não dura o dia inteiro, e 90 minutos são quase nada perto das 15 horas que uma criança passa acordada – o que é que eu vou fazer para entreter todo mundo nas 13 e meia que sobram?

Se eles levam um minuto para abrir um pacotinho, mais um minuto para achar a página, e outro minuto para colar uma figurinha no álbum, basta, então, que eu compre 270 novos cromos para que os 810 minutos restantes, além da partida, sejam preenchidos. Isso me faria R$ 108 mais pobre, mas talvez valha o investimento.

Posso, também, brindar com suco de maracujá cada gol no adversário, e rezar para que o efeito natural do tranquilizante promova um cochilo de sete horas de duração. Vocês conseguem ficar quietinhos enquanto a mamãe entrega o relatório? Fazer macumba pela eliminação nas oitavas é muito vacilo?

De olho na tabela, vejo que, amém, o primeiro jogo cai no domingo, só depois que rolam uma sexta e uma quarta. Ok, nos acalmemos, algum jeito deve haver. E, se for o caso, bora ser demitida e vender vuvuzela na praia. A Copa do Mundo vale a pena, a maternidade, mais ainda. Negócio é se programar e correr para o abraço, botando fé que, se organizar direitinho, acaba que todo mundo torce.

 

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Não há nada mais inconveniente do que um filho doente https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/#respond Sun, 20 May 2018 15:06:58 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/resfriadop-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=181 Fabinho vai chacoalhando no banco de trás do carro, sem cinto de segurança porque o do meio quebrou e ninguém consertou até agora, e, enroladinho na toalha felpuda emprestada, disfarça as extremidades congelando à beira da gangrena. “Puta que pariu”, grita a mãe do Fabinho pelo telefone, quando descobre que o moleque escorregou e caiu na piscina da festinha da amiga.

Ainda é sábado, mas a mãe já faz uma previsão sagaz e pessimista sobre o futuro de Fabinho nas próximas 72 horas. Ao que parece, a água gelada resfriou de maneira irreversível o corpinho de 1,40m do garoto, de modo que, a partir de agora, os problemas de saúde virão na sequência febre, tosse, gripe, vômito, pneumonia, morte. E, convenhamos, não há situação mais inconveniente a uma mãe sozinha do que um filho doente.

Fodeu, fodeu, repete, conclusiva, enquanto tira Fabinho do carro do carona, checando os sinais vitais e dando três esfregadinhas da toalha nos pulmões do menino – quem sabe assim, de modo mágico, ela ativa os leucócitos, hemácias, plaquetas, qual mesmo que protege o corpo, enfim, não importa, só mesmo que trabalhem com violência todos e quaisquer componentes do sistema de defesa de Fabinho.

Este garoto tem que ir para a escola na segunda, tá me ouvindo, e ninguém sabe direito quem tem que estar ouvindo, mas todo mundo balança a cabeça, se compadece, a gente que também é mãe sabe o perrengue de precisar sair para trabalhar e não ter o que fazer com o filho moribundo no sofá. Meter o louco e largar lá? Dá, também, para preparar um miojo, botar no tupperware, ensinar a usar o micro. Ou levar junto pra reunião, distribuir álcool gel a toda a equipe, todo cuidado é pouco na hora de evitar uma epidemia.

O telefonema clássico da enfermaria da escola não é assustador porque a gente acha que o filho caiu de cabeça e está em coma, mas, sim, porque passa na nossa frente aquele filme – trailer, no caso – revelando o pesadelo dos próximos dias úteis. Quem eu posso acionar para ficar com o Fabinho? Meu RH aceita atestado de acompanhante? Será que o diretor da empresa será compreensível? Quanto tá pagando cada parcela do seguro-desemprego? O Temer já acabou com os benefícios todos?

Telefonei há pouco para a casa da mãe do Fabinho, amanhã é dia de aula. Com voz rouca, quem atendeu foi o garoto, menos mal, pensei, ao menos ainda parece estar respirando. Oi, querida, como é que ele tá, e o prognóstico é animador, porque Fabinho deve, sim, ir para a escola nesta segunda. Amém, amém, nessas horas qualquer ateu vira devoto, mas, escuta, tá mesmo 100%? Zero febre, nada de tosse, certeza que não vai transmitir para ninguém? Sacumé, né, amiga, se o meu menino cair de cama, quem vai se ferrar sou eu.

 

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Mãe, posso fazer uma pergunta? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/#respond Fri, 11 May 2018 14:21:43 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/mãe-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=164 Mas já? Só mais cinco minutinhos? Por que você é tão chata? Precisa arrumar a cama hoje? Pega uma meia pra mim? Você sabe onde tá meu uniforme? Faz meu leite? Bota mais açúcar? Mais manteiga? Mais leite, agora? Tem que comer tudo? Por que fruta é tão nojenta? O que você vai mandar de lanche? Eu já escovei, você duvida? Na minha irmã você acredita, não acredita? Por que todo mundo me odeia nessa casa? Você carrega minha mochila? Não tá vendo que tá mó pesada? Você quer que eu fique corcunda? Não falei que você me odeia? Por que não dá pra ir de carro? Eu odeio andar, você não sabia? A gente vai se atrasar? A culpa vai ser minha? Você explica pra professora? Será que a gente corre? Promete que me busca? Tudo bem se eu sentir saudade? Torce pra eu ir bem na prova? Por que você demorou? Se eu te contar que senti medo você briga? O que você vai fazer de jantar? Posso comer só metade? Tem refrigerante? Posso ver TV? Eu tô com fome, me dá alguma coisa? Precisa ir dormir agora? Sabia que meus amigos vão pra cama bem mais tarde? Eu já escovei, você duvida? Conta uma história? Canta uma música? Acende o abajur? Eu vou ter pesadelo? Se eu tiver eu te chamo? Você garante que vem? E se eu morrer dormindo? E se você morrer dormindo? Por que as mães não vivem pra sempre? Desculpa que eu te chamei de chata? Amanhã promete que brinca? O que você faz depois que eu durmo? Me dá um beijo de boa noite? Você me ama? Mais que eu amo? Tá chato eu fazer tanta pergunta? Você é a melhor mãe do mundo, parabéns.

 

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E a vontade de meter o louco na hora de comprar o material escolar? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/01/24/e-a-vontade-de-meter-o-louco-na-hora-de-comprar-o-material-escolar/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/01/24/e-a-vontade-de-meter-o-louco-na-hora-de-comprar-o-material-escolar/#respond Wed, 24 Jan 2018 17:42:05 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/marcelo-ximenes-folhapress-180x118.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=128 Sabe aqueles filmes de zumbi, quando a cidade já está tomada pela praga, e só sobraram os monstros andando devagarinho pelas ruas, se trombando nas coisas e nos amigos defunto? Pois a volta às aulas é igualzinha. Experimente entrar numa papelaria qualquer e observe as mães, pais e avós tudo perdido pelos corredores, cada um segurando seu papel da escola, tentando localizar item por item daquela maravilhosa lista de material do colégio.

Porque não é simplesmente catar um caderno aqui, uma canetinha ali, amigo sem filho que lê este texto. Não se iluda. Até porque, se fosse assim tão fácil, as coordenadoras não teriam o prazer sádico de passar as férias de dezembro montando aquele inventário tétrico cheio de produtos que elas mesmas inventam e que não estão à venda em lugar nenhum.

Uma amiga, por exemplo, me chama desesperada, mãe de primeira lista, já rodou Belo Horizonte inteira atrás de um rolo de fitilho vermelho. Primeiro que ela nem sabia o que era fitilho – prazer, Marcella -, segundo que as papelarias mineiras só trabalham com fitilho azul ou fitilho verde. Essa cor de comunista, senhora, não vamos estar tendo, sinto muito.

Minha maior dificuldade este ano foram os 20 envelopes plásticos gramatura 15 com quatro furos. Esse tem, mas acabou, lamenta o vendedor, quase me dando um abraço para amenizar as duas horas e quinze minutos que já rodei dentro da loja, derretendo no calor de 39°C sem ar condicionado. Pode encomendar, pergunto, mas ele já se foi, para confortar um pai que chora diante das prateleiras de tinta guache a dedo 12 cores neon 30 gramas.

Dá vontade de meter o louco e adaptar a lista do jeito que der. Pasta Romeu e Julieta com capa de PVC transparente? Só tem colorida, moça. Então vai colorida mesmo! Caderno brochura universitário 48 folhas? Só tem 96 folhas, moça. Então vai 96 folhas mesmo! Passa pra cá esse sulfite amarelo, desce três caixas de pincel chato 14 no lugar do 12, será que eles se importam se eu mandar um estojo como nécessaire?

Preciso de dois rolos de etiqueta, um grande e outro pequenininho. Porque, me ensinaram, tem que etiquetar lápis por lápis, canetinha por canetinha. Delícia. No grupo de mães do WhatsApp, várias indicações de profissionais que produzem “etiquetas personalizadas”, e minha amiga mineira agora questiona se é uma péssima genitora porque vai fazer tudo à mão.

Pois somos duas, porque aqui em casa personalizada mesmo só a correspondência que o Serasa me manda todo mês, religiosamente. É o único momento do ano em que me arrependo da escolha que fiz para registrar a criança, que soma 15 letras entre nome e sobrenome. Alguém me informa como faz pra trocar para André Silva? Ou Tom Costa?

Diante de um contexto tão maravilhoso e atraente, há que se imaginar que, ao se atingir a meta dos 63 itens da lista a gente fique feliz e possa comemorar.

Mas, não. Quando a gente atinge a meta, a gente dobra a meta e, além de chorar, cogita deitar no carrinho em posição fetal, porque, na hora que a caixa anuncia R$ 720, senhora, quer parcelar em 12 vezes?, e a gente de Humanas começa a fazer divisão de cabeça e descobre que nem se parcelasse em 90 vezes seria o suficiente, as únicas opções possíveis envolvem 1) sair correndo sem pagar, carregando os blocos criativos tudo nas costas e rezar para a polícia demorar ou 2) ligar pra minha mãe e pedir colo.

Toca a marcha fúnebre enquanto digito a senha na maquininha e o gerente me oferece uma bala de menta como cortesia. Tem arsênico, moço? Se tiver eu prefiro. Ele indaga se tive uma boa experiência, eu respondo que foi fantástica, e ele pergunta se faltou algum produto. Faltou, sim, Nogueira. Faltou o bloco canson gramatura 120 tamanho A3, mas, quer saber de uma coisa? Vou mandar um parecido que tenho em casa, tudo a mesma merda, só muda as dimensões. Papel A3, papel A4, Nogueira, vamos todos morrer mesmo.

 

 

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Clubinhos dos adultos são exemplo perfeito para quem quer aprender a fazer bullying https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/10/21/clubinhos-dos-adultos-sao-exemplo-perfeito-para-quem-quer-aprender-a-fazer-bullying/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/10/21/clubinhos-dos-adultos-sao-exemplo-perfeito-para-quem-quer-aprender-a-fazer-bullying/#respond Sat, 21 Oct 2017 16:01:12 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/10/goiânia-180x120.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=86 Não faz muito tempo meu filho me contou que, em sua sala de aula na escola, há um grupo de amigos que, tal qual as grandes organizações, conta com chefia, ajudantes e subordinados. E, também igual ao que acontece nas organizações, tem aqueles a quem é permitido participar, e aqueles que, barrados por critérios injustamente subjetivos de seleção, são mantidos excluídos.

A declaração não caiu de maneira muito suave em casa. Entre todas as dezenas de fatores que consideramos preocupantes na história toda, o fato de que um garoto de nove anos se encontre conectado a um sistema que comanda outros colegas e, pior de tudo, rejeita outros, nos pareceu o principal prenúncio de um desastre.

Sim, clubinhos sempre existiram e continuarão a existir, da pré-história até o final dos tempos. E, sim, pais ingênuos e cegos, como eu, também seguirão deixando sua marca na humanidade de a.C até sabe-se lá quando – ou vai dizer que algum de nós não reluta em crer que seu tesouro de criança esteja metido em uma tão cruel maquete de sociedade? Foi assim comigo, vai ser assim com você quando chegar o momento.

Mesma coisa acontece com o bullying, que, sempre que tragédias como a de Goiânia se apresentam, vira foco do debate com opiniões óbvias relembrando que a prática é intrínseca à infância, e que, por isso, não haveria nada a ser feito para remendá-la. Se é assim tão fatalista a situação, melhor cruzarmos os braços e apenas aguardar os próximos tiros, certo? Nem devo me debater, mas, sim, apenas assistir e esperar que meu filho, o subordinado número 3 do clube da escola, seja vítima – ou, pior, o algoz – de um massacre na zona sul.

Não é porque determinado comportamento infantil se repete desde que o mundo é mundo que não precisamos fazer nada com ele. Também não deve haver espaço para aceitarmos o discurso asqueroso de que antigamente as coisas se resolviam sozinhas, e que, hoje em dia, a “patrulha do politicamente correto implica com tudo”. Apoiados nestas muletas, rumamos direto ao fracasso como seres humanos.

Quando desapegarmos da preguiça de fazer alguma coisa como pais, e pararmos de terceirizar não só a responsabilidade pelos desvios dos nossos filhos, mas, também, a criação destas crianças que nós mesmos decidimos colocar no mundo, talvez haja espaço para investigar de perto não só o bullying em si, mas também tudo aquilo que já se provou ineficiente, nocivo e supérfluo para a evolução.

Será neste momento, inclusive, que provavelmente todos os pais olharão sem hipocrisia para seus próprios umbigos e enxergarão as falhas que cultivam dentro de casa e que se recusam a reconhecer. Talvez vejam como, em seus clubinhos de adultos tão crescidos, isolam aquele parente próximo só porque ele se veste diferente ou não usa desodorante.

Quem sabe percebam também, enfim, que a péssima maneira com que tratam funcionários, ou seu preconceito de raça ou classe social, talvez sejam, sim, repugnantes, e que são nada menos do que uma matriz perfeita para o comportamento que seus filhos reproduzem em seus círculos sociais em formação.

Quando uma criança abre fogo contra outras crianças, a culpa não é exclusiva de seus pais que deixaram passar indícios de que havia algo de errado a caminho. A culpa é também da sociedade como um todo, que não promoveu espaço para a diversidade, a culpa é de quem não acolheu, de quem se omitiu, de quem achou que as coisas se resolveriam sozinhas. A culpa é sua, minha, de todos nós em conjunto.

Um filho aparecer em casa falando que faz parte de um clubinho é sinal amarelo para que pais, mães e toda a família tomem urgentemente uma atitude – e atitude nestes casos não significa nunca punição, mas, sim, uma conversa franca, com espaço para que todos se expressem e, especialmente, questionem de maneira corajosa os exemplos transmitidos de uma ponta a outra. Se sempre há tempo para diálogo, sempre haverá tempo para evitarmos o pior.

 

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