Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O crime do cafuné https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/06/o-crime-do-cafune/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/07/06/o-crime-do-cafune/#respond Sat, 06 Jul 2019 16:00:50 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/afeto-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=434 Um Jesus Cristo cabeçudo feito em biscuit divide o scroll com blusas de leopardo e manga bufante. Se descer mais um pouquinho a página, aparecem marmitas de estrogonofe fitness, roupinhas para cachorro, aulas de italiano e uma máquina de limpar carpete. Parece a antessala do inferno, mas é só um grupo fechado no Facebook.

Somos mais de 260 mil membros. A ideia é que, lá, cada um peça indicações de um serviço ou profissional específico, ou ofereça seu trabalho ou produto. Quem se interessar entra em contato. É no tal grupo dos pontinhos, por exemplo, que anuncio meus cursos de redação, e onde já vi minha vizinha fazendo promoção de sabonetes. Estamos todos nos virando.

Postagens populares geram um sem número de perguntas sobre quanto custa, quantos vêm, como funciona. E, como as regras da comunidade compreendem que valores e informações só podem ser passados via mensagem privada, mesmo o serviço mais incrível de todos não vê muita criatividade na interação dos clientes em potencial – é inbox que o match se desenrola.

Só que aí veio o Leo para tumultuar tudo. Novo no grupo, fez o début de apresentação do seu trabalho na sexta-feira e, no sábado, já era a publicação mais lida e comentada. Dos 145 emojis, mais de uma centena gargalhava. Dos 114 comentários, apenas quatro pediam detalhes sobre o atendimento.

Leo oferece cafuné. Atende na cidade de São Paulo e adjacências, e baseia seu método na técnica de Comunicação não Violenta. Em atendimentos de 45 minutos, aplica carinho na cabeça dos clientes, que também podem ficar à vontade para desabafar sobre questões que os estejam afligindo, ou conversar sobre o clima, ou contar os planos para as férias com as crianças em julho.

Assim como acontece com o Jesus Cristo de biscuit, há quem possa considerar o trabalho de Leo supérfluo. Acontece que, no post do medonho filho de Deus colecionável, ninguém questionou o talento do artesão – ficou todo mundo lá, olhando para o boneco inútil, mas sem dizer palavra a respeito da sua falta de serventia ou estética questionável.

Já no post de Leo, a ideia parecia mesmo aniquilá-lo.

Charlatão, louco, aproveitador, psicopata. De alguém disposto a distribuir afeto, Leo rapidamente se transformou em delinquente. Fuçaram seu perfil pessoal. Encontraram fotos de bundas em um de seus álbuns. Vasculharam a biografia pública atrás das credenciais acadêmicas. O retrato de perfil, sem camisa e tocando violão na cachoeira, só podia significar algo muito maligno.

Leo começou respondendo às perguntas com calma. Sua intenção era ajudar pessoas sozinhas e carentes a receber algum tipo de afago. Terminou deletado pela administração do grupo sem qualquer explicação.

Terapeutas locais se apressaram a justificar que não se pode comercializar ajuda psicológica sem formação universitária – mesmo que Leo não estivesse vendendo consulta, e sim cafuné, mas isso não conta, porque importante mesmo é dar lição de moral e botar banca. E, se possível, ridicularizar tudo aquilo que não se reconhece e aceita dentro da uma visão conservadora de mundo.

Escolher homens e mulheres para levar para a cama via aplicativo de celular, como num menu de restaurante, é admissível para os críticos de Leo. Deitar-se numa maca e permitir que alguém vestido de branco cubra seu corpo com pedras quentes para curar doenças, também. Engolir um pedaço de pão de olhos fechados porque alguém lhe disse que aquele é o corpo de Deus, também é sussa.

Ninguém pede as credenciais do padre, da massagista, da mina do Tinder. Ninguém questiona a utilidade ou o bom gosto dos ensaios fotográficos de gestantes seminuas ou recém-nascidos enrugados. Outro dia, uma garota se ofereceu como “Melhor Amiga Profissional” no grupo, e ninguém falou nada, vasculhou nada, apedrejou nada. Talvez a tenham até contratado – quanto custa, quantas de você vêm, como funciona, quanto fica o frete para Perdizes.

Mas o Leo, não. O Leo merece ser expulso. Em uma época em que todo mundo sabe melhor do que os outros a respeito de tudo, quando se pensa que todos têm jurisdição sobre os corpos e sentimentos alheios, um garoto de 20 e poucos anos que quer distribuir cafuné só pode mesmo ser um vigarista.

Volta e meia penso sobre como não ganho cafuné de ninguém nunca. Meus pais são maravilhosos, mas pouco afetuosos fisicamente. Meu filho é uma criança, e meu namorado não é afeito a este tipo de carinho. Ressinto a falta de toque e aconchego tão típicas da infância, quando alguém sem diploma podia botar a gente no colo – se assim a gente escolhesse – e nos aplicar uma sessão de cafuné.

Acontece que estamos presos em bolhas de interação social virtual, das quais, ao que parece, só é permitido escapar se for para visitar um especialista. Se for para pagar caro por algo. Se for para agir de acordo com a aprovação alheia. Foi isso que aprendi hoje, quando, ao ver o post, me animei em pagar pelo carinho do Leo (enquanto quem não quisesse pagar podia apenas pular o anúncio). Mas deletaram o post, deletaram o Leo, e deletaram as boas intenções do mundo.

Caramba. Eu só queria um pouquinho de cafuné.

 

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Um capitão sem amigos https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/19/um-capitao-sem-amigos/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/19/um-capitao-sem-amigos/#respond Sun, 19 May 2019 15:43:28 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/pinóquio-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=403 As notificações do grupo da família no WhatsApp estão desativadas até 2022, mas volta e meia acho de bom tom conferir o que os primos escrevem para tumultuar a sequência de figuras fofas de gatinhos que as tias mandam. A reação é quase sempre de susto, não porque os comentários sejam surreais – eles são, mas a gente acostuma -, mas sim porque eles parecem escritos pelo meu ex-marido: magoados, amargos, ressentidos. E o ex, obviamente, já nem faz mais parte do grupo.

Além dele, expulso compulsoriamente após o divórcio, já tem alguns meses que também a parte legal e sensível abandonou a comunidade. Sobraram só os bolsonaristas e os de estômago forte, além de uma meia dúzia de desatentos o suficiente para passar sem ver pelas provocações dos da primeira categoria. O fato é que, tirando as mensagens de parabéns e os lamentos pelos familiares já desencarnados, as mensagens digitadas naquela terra são quase sempre uma enfezada defesa da política atual.

Tanto meus primos quanto meu finado digníssimo têm em comum esse traço editorial: produzem sempre obras embrulhadas em ranço. Até mesmo quando o assunto é dos mais neutros, imprimem na escolha das palavras um certo nível de deboche misturado a raiva antiga. Se a pauta evolui para análise de figuras no poder das decisões, então, ainda pior.

Eles, os parentes, vivem putos atacando quem acha patético fazer arminha com a mão, e ele, o ex, está sempre revoltado com o simples fato de eu continuar existindo. Todo mundo irado, todo mundo digitando merda. Qualquer semelhança com os discursos de ódio do Planalto não é mera coincidência.

Desconfio que nenhum deles tenha amigos. Os primos, o ex, o Jair. Porque passar raiva todo mundo passa. Desejar dor de dente a um desafeto também é intrínseco ao ser humano, assim como se imaginar autor de lindas réplicas quilométricas e ofensivas na medida. A diferença está, no entanto, no que cada indivíduo faz com essa bile depois que ela brota na garganta – você engole ou cospe? E, se cospe, tem quem ajude a limpar?

Pense em para quantas coisas boas os amigos servem. Companhia, cumplicidade, estender a mão, pegar no pé. São craques, sobretudo, em impedir catástrofes – é um amigx quem esconde a chave do carro depois que a gente já tomou todas, e é um amigx quem pode revisar os textos que a gente deseja postar no Face, mandar no Whats, citar na DR.

Sem o filtro da consciência externa, e sem a pesada mão do editor sobre os pensamentos, estamos todos na roça. Publicamos obscenidades, respondemos absurdos, ofendemos e tretamos com todo mundo, enquanto, se houvesse um amigo por perto, nada disso acontecia. Uma voz perguntaria, suave: “Será mesmo, capitão? Talvez o senhor não devesse”. E o resto (não) era história.

Tudo bem que fazer amigos na infância já não é fácil, imagina depois de velho. Talvez fique ainda mais complicado quando se é de extrema direita, imagino. Mas, se até Pinóquio, o menino com corpo e cara de pau da famosa fábula, descolou um conselheiro zeloso como o Grilo Falante, por que estes outros garotos também despreparados para o mundo não conseguiriam?

Na história, é a Fada Azul quem dá o raciocínio ao boneco. No Brasil de 2019, as coisas já há tempos não são tão lúdicas, e o única solução para a socialização dos homens sem amigos responde por um nome menos mágico: “lucidez”.

 

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Redes sociais são um golpe na autoestima dos adolescentes https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/04/26/redes-sociais-sao-um-golpe-na-autoestima-dos-adolescentes/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/04/26/redes-sociais-sao-um-golpe-na-autoestima-dos-adolescentes/#respond Thu, 26 Apr 2018 23:45:03 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/instagram-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=158 Debaixo d’água rolam festas, eu estrelo videoclipes de bandas famosas, danço em câmera lenta com pares invisíveis, sou cobiçada por 20 pretendentes. Tem dias em que finalizo treinando os discursos que farei quando ganhar o Jabuti com um livro que nunca escrevi. No box do chuveiro, enfim, eu sou a versão mais bem-sucedida de mim.

Meu primeiro beijo foi no azulejo frio debaixo da prateleira de shampoo. Transei com todos os crushs em orgias quiméricas antes mesmo de perder a virgindade. Na infância, era filha de pais famosos, grandes atores da TV, e não me faltava nada, não tinha carência de ninguém.

A vida fantasiosa que eu reproduzia naquela época era o fruto de um mundo que ainda nem sonhava com internet, e que passava fax ou telegrama quando tinha uma necessidade urgente. Eu cobiçava o pouco que me chegava às mãos por meio de revistas de adolescente e filmes românticos na televisão.

Isso significa, sobretudo, que o abismo entre quem eu era e quem eu gostaria de ser não era assim tão monstruoso. No entanto, basta que pulemos duas décadas pra frente, e a catástrofe se estabelece: da vida real das garotas e garotos para o delírio das vidas no Instagram e Facebook, a desproporção é enorme.

Se eu sonhava com utopias baratas tipo namorar o astro da banda de rock do momento, e ter, no máximo, peitos menores ou sobrancelhas curvadinhas, hoje em dia não dá para sonhar com menos do que um corpo perfeito e firme, saldos astronômicos no banco, guarda-roupas de atualização diária, celulares, maquiagens, tênis, bonés, viagens a continentes distantes com praias paradisíacas em que se possa exibir em fotos todos os nossos corpos perfeitos e firmes, nossos saldos astronômicos no banco, nossos guarda-roupas de atualização diária, nossos celulares, nossas maquiagens, nossos tênis, nossos bonés, nossas viagens, nossos continentes.

Imagino o golpe na autoestima das crianças e jovens de hoje em dia, constantemente se comparando a figuras e vidas postiças inalcançáveis nem como todo o dinheiro do mundo, nem com toda a sorte do mundo. Vocês percebem, meninos, que nada daquilo existe? Que todo mundo que ostenta na tela do seu celular também faz cocô, fica doente, tem bafo, pereba, lombriga, ameba (inclusive a bailarina)?

Fui uma menina com sérios problemas de autoestima, e sou uma adulta que luta em frente ao espelho todos os dias. Porque este é um dado importante de se debater: o amor próprio não é um negócio fixo, inabalável. Ele flutua de acordo com as condições de tempo, temperatura e pressão, e pode sumir completamente, inclusive, se sofrer um baque muito grande.

Qual garota nunca se achou a mais feia da turma por não ter silicone na alma? Qual menino não ponderou a possibilidade de jamais conseguir conquistar alguém que ama só porque não tem os músculos e o carro da moda? E quais desses jovens não foi do inferno ao céu quando se viu remotamente parecido com os grandes ícones dessa espelunca chamada universo virtual?

Se o avanço das redes é inevitável, está na hora de pensarmos um modo de elucidar aos mais jovens que a vida real vai muito além dos stories e recebidos, e que, sim, também é ok experimentar vez ou outra uma dor de cotovelo. Só não dá para deixar nossos moleques crescerem sob a sombra de uma biografia inatingível, cegos para o que a tão valiosa diversidade que eles invariavelmente já trazem dentro de si mesmos.

 

 

 

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Orixá não tem Facebook https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/orixa-nao-tem-facebook/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/orixa-nao-tem-facebook/#respond Tue, 05 Dec 2017 22:07:41 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/acarajé-180x121.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=120 Como acontece todos os anos em 4 de dezembro, o interfone do apartamento de Iansã ontem não parou de tocar. De hora em hora, pelo menos, o porteiro avisava sobre a chegada de uma nova encomenda, sendo na grande maioria flores, garrafas de champanhe e umas poucas e louváveis quentinhas com acarajé fresco, ainda pelando da fritura.

Satisfeita e um tanto exausta das muitas viagens de elevador para buscar os pacotes entregues por Severino, Iansã resolve, lá pelas quatro da tarde, dar uma pausa para tomar um café e checar seus e-mails. Avessa à modernidade e excessivas tecnologias, Iansã é a feliz proprietária de um PC em cuja CPU estão instalados apenas uma versão original do Windows XP e um ICQ nunca rodado, sobrando, assim, à máquina, as únicas utilidades de se conferir mensagens de trabalho e redigir cartas aos amigos.

Em sua conta pessoal do Yahoo, ela encontra spams de requenta da Black Friday, dois ou três boletos, uma oferta de 50% de desconto em guias só nesta semana, pedidos de auxílio variados e um sem número de cartões virtuais felicitando-a pela data em questão. Iansã, em resumo, neste momento é uma orixá plenamente feliz.

Vale lembrar que, assim como não porta um celular no bolso da saia vermelha, restando-lhe como único canal de localização imediata os jogos de búzios e as ligações para o seu número fixo, Iansã também não faz uso de redes sociais. Ela não tem Facebook. Ela não tem Instagram, muito menos Twitter.

De modo que, justamente por esta existência quase à paisana na internet, é primeiro com ignorância – e depois profunda decepção – que a orixá escuta de Severino a notícia de que seu nome está nos trendind topics do dia, com homenagens virtuais espalhadas pelos quatro cantos do Brasil.

Esta geração, pensa, enquanto procura na gaveta da cômoda a agenda de telefones, está realmente perdida. Acham que eu lá vou ver fotografia que colam num site evocando meu nome, e, ainda que eu visse, que basta simplesmente fazer uma postagem comezinha em um universo imaginário e que estão findas as felicitações. Parabéns a gente dá no mundo real, complementa, seja neste aqui ou no de onde eu venho, que escolham.

Procura na letra J o número do saudoso colega, disca e aguarda que alguém atenda. Do outro lado da linha, a conhecida voz reconhece de pronto Iansã, e pergunta a que deve a honra do telefonema. Já não mais aborrecida, e agora, apenas incrédula dos atuais rumos da humanidade, ela escuta o amigo dizer que, xi, você nem imagina o quanto isso me acontece direto, é quase todo dia, praticamente.

Iansã pede, então, que ele lhe dê, por ali mesmo, um breve tutorial para solucionar o seu problema.

– Pois bem, Jesus, desembucha. Me ensine a criar um perfil em cada uma dessas redes, só para eu poder dar block em geral no próximo 4 de dezembro. Eles que me aguardem.

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No aniversário do amigo, postar selfie com textão é pretexto para aparecer https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/10/16/no-aniversario-do-amigo-postar-selfie-com-textao-e-pretexto-para-aparecer/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/10/16/no-aniversario-do-amigo-postar-selfie-com-textao-e-pretexto-para-aparecer/#respond Mon, 16 Oct 2017 19:35:32 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/10/selfie-180x120.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=82 Desejar feliz aniversário a alguém nunca foi tão simples. Hoje em dia, é praxe aceitar sem qualquer traço de frustração até o mais preguiçoso dos parabéns, escrito às pressas, mecânico, em uma caixa de texto de rede social, em duas linhas nada inventivas em um aplicativo de conversa no celular. Instituiu-se a displicência, e ninguém se deu ao trabalho de se queixar – pô, cadê minha festa surpresa, meus balões, minha serenata urbana?

E, estava tudo assim, macunaimamente acertado, até que alguém decidiu questionar a ordem vigente e chacoalhar o mundo das felicitações impessoais. Agora ia, parece. Novos moldes para celebrar virtualmente um aniversário nasciam, e a humanidade finalmente tinha uma chance de salvação. Isso, se não fosse nosso herói um representante da geração mais aparecida e autocentrada já registrada. Um sujeito que, ao reformular os parabéns muxoxos, lançou uma modalidade infernal e sem volta: o textão-dissimulado-com-selfie-dupla.

Óbvio que você já se deparou com um exemplar em sua timeline – bobear, tem um dando sopa agora mesmo no seu feed do Facebook ou Instagram. Facilmente identificável e abominável, o textão-dissimulado-com-selfie-dupla traz, inevitavelmente, uma imagem das duas pessoas envolvidas no processo antes tão singelo de felicitar um amigo pela ocasião de seu aniversário.

É importante dizer, aliás, que a escolha deste retrato que ilustrará a legenda narcisista passa por uma curadoria detalhada, a fim não só de parecer fruto despojado de uma triagem descontraída, mas também de, em particular, fazer com que o autor do textão esteja bem na fotografia – é ele, afinal, o foco das atenções da parada toda, por mais que a ideia seja fazer parecer o contrário.

O aprendiz de poeta, agora que já está bem posicionado, com dentes brilhantes e pele boa, não importando que seu objeto de homenagem, por sua vez, pareça cansado e em um mau ângulo, fará jorrar dos dedos algo que, aposto aqui três membros, começará pela linha de como se conheceram, ambos, ele e o amigo da foto.

Foi no verão de dois mil e algo, arriscará, ciente de que ninguém vai mesmo conferir as datas. Ou, caso este modelo já tenha sido esgotado recentemente em outros textos-legenda, como pretexto para o literato aparecer usando de escada outros conhecidos, poderá, casualmente, abrir o parágrafo dizendo que essa aqui não é nossa melhor foto (fato; para o aniversariante não é realmente), mas ela mostra direitinho o que a gente mais… argh, basta.

Para a geração na qual nada existe se não envolve a si mesma, é difícil mesmo conceber um aniversário alheio que não precise do “eu” para acontecer. Como assim “hoje é seu dia, amiga”, se eu não sou parte fundamental para fazer com que ele seja real? E, mais que isso, que relevância tem a sua comemoração se não está exposta aos nossos seguidores, comigo intencional e desesperadamente buscando a admiração de quem nos lê e assiste, e a quem espero impressionar com meus dotes de escriba emotivo e de boa memória?

O textão-dissimulado-com-selfie-dupla é tão constrangedor quanto a selfie diante dum caixão no velório da celebridade. É tentar beliscar um naco da fama e do momento glorioso do outro em prol de si mesmo. Fica feio, é cafona.

Mais dignos são os usuários de pau de selfie para quem todos os autores de textões-dissimulados-com-selfie-dupla torcem o nariz. Têm mais honra, sim, porque não disfarçam a si mesmos nem ao ponto turístico no retrato. Está tudo ali, pornograficamente oportunista. Mirem-se no exemplo deles, cronistas do Facebook, e, no próximo aniversário de alguém, inovem: passem a mão no telefone, liguem, e pelo amor de deus parem de fazer dos seus amigos a sua versão particular da Torre Eiffel.

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