Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Houston, I have a problem https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/houston-i-have-a-problem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/houston-i-have-a-problem/#respond Fri, 15 Jan 2021 10:00:24 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/sono-2-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=941 Filhos adolescentes são uma dádiva, porque fazem você celebrar materialmente a passagem do tempo, ficar feliz em acompanhar de perto o desenvolvimento da personalidade de alguém, agradecer ao universo pela bênção de ser digno de presenciar milagres. Mas filhos adolescentes também são insuportáveis. Enlouquecedores. Invejáveis.

Eu morro de inveja do cara de 12 anos que mora comigo. Primeiro porque ele tem mais colágeno do que eu conseguiria comprar na minha dermatologista. Segundo, porque ele não dorme, ele desmaia. Pense em alguém que não tem problema pra pegar no sono, nunca. E que, pra acordar, só com balde de água fria e três Pai Nosso.

Na quarentena, enquanto ele sonha profundo, eu desenvolvi uma relação doentia com o sono. Primeiro, não conseguia que ele chegasse. Acabei com o estoque de antialérgico da casa. Depois, fui para drogas mais pesadas, e comecei a comprar escondida do marido cartelinhas de Dramin a cada visita à farmácia. Quando vi, estava aceitando frascos de melatonina de uma amiga.

Quando acabaram todos os tipos de comprimido disponíveis, entrei em pânico. Será que eu seria capaz de dormir novamente, sem a ajuda de um negocinho? Claro que não. Eu tinha perdido o dom. Procurei oficinas. Lives. Entrei em um curso online sobre como pegar no sono e fazer amigos enquanto durmo. Fracasso. Segui acordada e sozinha.

Um dia, o jogo virou. Passei a sentir um cansaço tremendo sempre depois das oito da noite, e uma vontade desesperadora de me cobrir com um lençolzinho cheiroso, de luz apagada. Meu problema agora era que eu não conseguia mais me manter desperta no horário que o resto da casa funcionava.

Os tambores do índice do Netflix viraram minha canção de ninar. Antes mesmo que a família pudesse dar play no episódio do dia, eu já estava aconchegada em algum cantinho do sofá, com a cara apoiada no braço. Quando alguém se dignava a me chamar, dando um chacoalhão no ombro, o apartamento já estava todo escuro, e estou certa de que todo mundo ficava puto comigo.

Fui atrás de ser uma pessoa melhor. De equilibrar os hábitos e nem tanto morrer exausta, nem tanto viver zumbi na madrugada. Passei a me programar para ir para a cama em um bom horário, largar as telas, ler um bom livro. Embarcar numa noite tranquila de sono reparador até que o despertador tocasse.

Mas dei pra acordar com dor no ombro. Você já se relacionou com alguém bonito? Dá vontade de adormecer olhando pra cara da pessoa, quase um estímulo para os sonhos bons. Só que o problema é levantar na manhã seguinte com os trapézios estraçalhados depois de oito horas de pressão.

Entendi que a raiz dos meus problemas estava no travesseiro. Essa merda aqui, que não troco faz anos, estou ficando mais torta e mais velha por causa dela, aposto. Era urgente comprar um novo, e não podia ser pela internet. Me ensinaram que travesseiro e colchão a gente vai na loja para experimentar.

Deitei de calça jeans, máscara e óculos numa cama que ficava bem no meio do showroom. Provei três modelos, todos com a etiqueta na embalagem indicado que eram as melhores opções para quem, como eu, dorme de lado paquerando o parceiro. Escolhi o mais duro, mais alto, e mais barato dos três. Dinheiro não nasce em árvore.

Para a primeira noite, me arrumei como se fosse transar com o travesseiro. Passei creme e botei perfume. Peguei um shortinho bem minúsculo na gaveta dos pijamas. Joguei fora o plástico que dizia que, dentro daquela espuma, havia tecnologia da Nasa. Eu sei de que Nasa eles estão falando. Ela é mais Marcos Pontes do que agência americana. Mas, mesmo assim, eu estava pronta.

Foi quando Houston, we have a problem. Acordei com torcicolo. E o torcicolo me deixou mal-humorada, e quando eu fico mal-humorada eu perco ainda mais colágeno. Gastei 130 realidades para começar um dia velha e me sentindo pior do que me senti durante toda a quarentena, desde a fase do Dramin até o cochilo no começo do Netflix.

Agora, escrevo este texto sentada sobre o travesseiro novo. Porque, se o Código do Consumidor diz que eu não posso devolver um item no qual já tenha esfregado o escalpo, a solução talvez esteja em tentar amaciá-lo com a bunda.

Ou isso, ou trocá-lo na surdina pelo travesseiro do meu filho. Para um adolescente saudável, não faz a menor diferença se debaixo da sua cabeça o recheio é da Nasa, de plumas, de espuma, ou de um pacote inteirinho de Cheetos.

 

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A sociedade dos meninos https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/07/a-sociedade-dos-meninos/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/07/a-sociedade-dos-meninos/#respond Fri, 07 Jun 2019 15:10:22 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/neymar-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=412 Viagem internacional juntos, anel de compromisso, almoço de domingo com os sogros, primeiro Natal em família, sexo anal, ménage, suruba, bondage, pedido de casamento em Paris: nas duas décadas em que venho praticando o amor, nunca houve entre estes tantos assuntos um tabu, fosse para mim ou para o parceiro. Mas experimenta abrir a boca sobre gravidez para ver o que te acontece.

Óbvio que na adolescência um papo sobre filhos faz qualquer um tremer na base, já que trocar estudos por fraldas sujas quebra os planos de homens e mulheres igualmente, mas qual é a do arrepio masculino adulto quando a gente decide jogar conversa fora imaginando nomes para uma criança hipotética, ou mesmo debatendo a sério os desejos a respeito de com que idade se sonha procriar?

Hoje, primeira sexta-feira do mês de junho de 2019, tenho um filho, um ovário, e uma dúvida: se encaro ou não o desafio de engravidar novamente. Depois de um tumor, oito cirurgias e 39 anos, meu corpo se modificou ao ponto de que fazer uma criança sem ajuda médica pode ser algo um tanto complicado. Por isso tudo, pensamos, nada mais natural do que conversar abertamente sobre isso com os pais em potencial deste filho que eu gostaria de ter.

Só que a realidade é bem menos fofa e com cheirinho de talco. Vivemos em uma sociedade que abriga os homens em um status confortável, no qual considerar a existência de seres mais imaturos e sob sua responsabilidade é não exatamente assustador, mas surreal e impensável. Afinal, se eles ainda são – e ainda o serão até os 40 – os eternos meninos, não haveria como transferir o título a um possível herdeiro.

Sujeitos de 27 anos são chamados de meninos ainda que tenham um filho de sete. Delegam a conta bancária e a defesa de sua honra ao pai e à mãe, se abrigam debaixo da imagem de moleques ainda sem condições psicológicas de assumir uma conduta ajuizada porque se encontram em desenvolvimento. Culpam o córtex frontal em formação pelos tropeços de adulto vacilão que cometem. E todo mundo aplaude, e todo mundo acata, e o menino errado continua como herói.

Das mulheres é cobrado o comprometimento total e irrestrito à maternidade depois que nasce o primeiro filho. Que se abra mão de tudo, do trabalho à diversão, se for para focar na criação da sua criança. Depois que engravidamos, não somos nunca mais chamadas de meninas – viramos todas “guerreiras”, “leoas”, potências. Viramos mulheres.

E acho possível dizer que, na maioria das vezes, ainda que depois de uma gravidez inesperada, acabamos abraçando este papel com gosto – e, se não com prazer, com pelo menos um senso de responsabilidade imenso, com a consciência de que chegou de vez a hora de crescer.

Mesmo quando a maternidade não representa um sonho, nem assim se vê uma mulher correr em pânico do debate. É especialmente ali que ela estará ainda mais comprometida com a defesa de seus ideais e preferências.

Eu queria muito poder conversar sobre as possibilidades que tenho para uma segunda gestação, ou sobre os caminhos que me levassem a mais um filho, mesmo depois dos 40 anos. Queria encontrar espaço para, à mesa do jantar, despretensiosa e confortável, debater meu corpo, meu coração e meu futuro. Mas este é um assunto proibido, aprendi. Eu que sonhe discretamente.

Enquanto permitirmos que meninos tenham meninos e nem assim cresçam, ou que suem de nervoso diante de uma conversa sobre reprodução, seremos obrigados a lidar não apenas com sua omissão, mas também com a espetacularização de seus pecados privados. Homens se acertam na justiça, meninos se resolvem nas redes sociais.

A discussão, neste momento atual, tinha que ser muito mais do que nomear crimes e eleger culpados – era hora de a gente entender que, na geração do culto à imaturidade, as vítimas são ninguém menos do que nós mesmos.

 

 

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Mães: onde vivem, quem são, de que se alimentam? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/#respond Fri, 10 May 2019 16:30:30 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/plantas-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=398 O mercado publicitário compreendeu já há algum tempo que, para se comunicar com – e vender para – as mães, era necessário mudar a forma com que olhava para elas. Deixar de enxergar seres que vivem para servir à família e que, por isso, amam ganhar panelas, para vê-las como mulheres que, além de criar filhos, também têm profissão e ocupam outros papéis na sociedade. Assim, dá-lhe ofertas de bolsas, maquiagem, eletrônicos e tudo mais de que uma mãe trabalhadora precise para ser feliz.

Acontece que, mesmo com o ajuste no foco da propaganda, as marcas ainda seguem ignorantes. Acham que diversificar seu público-alvo basta para mostrar que sabem o que ser mãe significa. Mas, uma fabricante de calçados, por exemplo, que às vésperas do Dia das Mães apresenta, em sua campanha especial, uma “mãe de planta”, afirma sua incalculável ignorância acerca do tema, e prova que estamos ainda a anos-luz da correta visibilidade.

Com o argumento de reconhecer que não é preciso parir para maternar alguém – e, com isso, abarcar acertada e respeitosamente as mães adotivas, e as madrastas e enteados – a empresa sugere que cada um pode ser mãe de quem e do quê bem lhe convier. É linda, sim, a dedicação de mulheres aos seus pets, e agora também aos seus lírios-da-paz, mas equipará-la à vida de alguém que é responsável por outro ser humano só atrasa as conquistas femininas no mundo.

Não se trata de competição nem de possessividade sobre um título, mas, sim, de reconhecer que, depois de ter, adotar ou agregar um filho, a rotina de uma mulher nunca mais será a mesma. Encontrar (e manter) um emprego, pagar as contas em dia, sair com os amigos, arrumar um namorado, zelar pela saúde, educação e, sobretudo, pela sobrevivência daquele outro ser viram prioridades cujo preço às vezes é altíssimo.

Uma samambaia morre se não recebe água por uma semana. E uma criança, o que acontece com ela quando, por um único dia, não ganha cuidados mínimos? Sendo o pai quem falta com a rega, a consequência obviamente não é maior do que um pequeno aborrecimento, mas quando é a mãe quem não agua o rebento, o resultado é muito pior do que folhas murchas e terra seca.

O levante na internet direcionado à marca autora do post equivocado de Dia das Mães não é em nada surpreendente, assim como também não espantam ninguém as queixas indignadas de clientes que se viram representadas na propaganda, por não captarem o centro de toda a questão. De todo modo, certamente a empresa já se deu conta de que, além das desculpas já pedidas, será necessária uma boa administração de crise – afinal, quem precisa de sapatos de alguém que atira no próprio pé?

A campanha desajeitada serve, no entanto, para abrir um importante debate: se a sociedade não entendeu até hoje quem são as mulheres, tentando cercear sua jurisprudência para dá-la nas mãos de quem quer que seja, como é que podemos esperar, então, que o mundo compreenda quem é esse subgrupo tão complexo de mulheres que cedem sua vida pela vida de outra pessoa? E, se o mundo não faz ideia da identidade materna, por que o fariam os diretores de criação das agências?

Em um mercado concorrido e selvagem, ganhará o produto que se der conta de que nós, mães, somos mulheres que, por dentro, à parte o coração completa e irreversivelmente ocupado, ainda carregamos nossos sonhos de criança, nossos romances adolescentes, as frustrações e desejos da juventude. Mulheres que, não fossem as marcas no corpo e as certidões assinadas, a conta bancária devastada e uma permanente sensação de estar fazendo menos que o ideal, passariam despercebidas em meio a uma legião feminina de matizes infinitas.

Não somos “guerreiras”, senhores publicitários. Tirando as fantasias da infância, quando brincávamos assumindo papéis bélicos, temos pouquíssimo interesse na batalha, e, sim, na paz branda da normalidade. Tampouco queremos ser tratadas por “divinas”, deixando, por favor, o manto sagrado e as asas de anjo para quem pela pureza tenha apreço. É que nós, mães, pasmem, não só transamos, como também gozamos quando bem tratadas.

Não temos uma aparência específica, o que não nos permite ser identificadas de cara no comercial de TV ou em um post do Instagram – abandonar as tentativas de nos rotular e conferir um semblante comum seria de bom tom. Não somos “todo mundo”, mas também não somos “aquelas lá”.

Estão nos acompanhando? Somos, se isso bastar, simplesmente mães, aqueles indivíduos para quem a vida das pessoas a quem escolhemos amar desde o primeiro dia juntos virá sempre em primeiro lugar. Temos como objetivo único e universal garantir que nossos filhos vivam até os 200 anos de idade, com poucas quedas e cortes pelo caminho. E se, de quebra, ainda der para eles serem extremamente felizes no trajeto, para nós tanto melhor.

 

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Socorro, saudade, camarão https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/socorro-saudade-camarao/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/socorro-saudade-camarao/#respond Fri, 28 Dec 2018 02:32:08 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/avião-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=321 O telefone toca, é meu filho a 2.600 quilômetros de mim. Distingo três palavras entre os soluços: socorro, saudade, camarão. Explica que jantou uma empada, agora a barriga dói, tudo parece confuso, quer voltar para casa. Hoje é o primeiro dia da primeira viagem que faz sozinho com o pai para sua terra natal, e tomar um avião de cá para lá ou de lá para cá de volta nos deixaria quatro horas e R$ 3 mil mais pobres. Inviável.

Pergunto sobre o dia, os passeios, as comidas além da empada – nada funciona. Apelo para a música de ninar. Mas eu não sou daqui, marinheiro só, socorro, mãe, muita saudade, será meu Deus que a Gol tem promoção para Recife a essa altura do ano, quem sabe se eu parcelar em doze vezes, se acalma, filho, vai ficar tudo bem, é verdade que desse apartamento dá para ver o mar?

Mãe é tão contraditória. Não tem 24 horas que eu torcia por alguns momentos de paz para trabalhar e escrever sem o barulho do videogame, os comentários pedindo atenção para cada chefão derrotado, e agora o que eu mais quero é o corpinho magrelo por perto, o cheiro da cabeça quente suada colada na minha boca. Socorro, saudade.

Termino a ligação com uma sutil impressão de sucesso. Tomara que ele durma, que ponha a camiseta para não pegar friagem do ar condicionado. Recomendei cuidado com as janelas sem tela, com o sol forte, com os tubarões, em Pernambuco também tem que usar cinto no carro, ouviu? Mãe faz curso de chatice e pós-graduação em exagero, só pode.

O jornal conta que um garotinho de três anos caiu nos trilhos do metrô em São Paulo e morreu atropelado pelo trem. Outro menino, adolescente, se afogou dentro do carro do avô que atravessou a balsa de Santos sem frear. O pesadelo maior de perder um filho. Será que mãe tem descanso de ter medo em algum momento?

O dilema de querer para si e ansiar que se ganhe o mundo. Mãe é expert na arte de querer fugir de casa e se deprimir com o ninho vazio. Trocamos um abraço apertado antes de ele entrar no táxi de manhã – você tá chorando, mãe? A gente acha que disfarça, se segura, desaba sozinha trancada no banheiro, escondida. Coisa mais difícil do mundo isso de criar filho, socorro. Saudade.

O telefone toca. Sou eu, 40 anos, ligando para minha velha no litoral. Como é que você consegue, mãe, me ensina?

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Não há nada mais inconveniente do que um filho doente https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/#respond Sun, 20 May 2018 15:06:58 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/resfriadop-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=181 Fabinho vai chacoalhando no banco de trás do carro, sem cinto de segurança porque o do meio quebrou e ninguém consertou até agora, e, enroladinho na toalha felpuda emprestada, disfarça as extremidades congelando à beira da gangrena. “Puta que pariu”, grita a mãe do Fabinho pelo telefone, quando descobre que o moleque escorregou e caiu na piscina da festinha da amiga.

Ainda é sábado, mas a mãe já faz uma previsão sagaz e pessimista sobre o futuro de Fabinho nas próximas 72 horas. Ao que parece, a água gelada resfriou de maneira irreversível o corpinho de 1,40m do garoto, de modo que, a partir de agora, os problemas de saúde virão na sequência febre, tosse, gripe, vômito, pneumonia, morte. E, convenhamos, não há situação mais inconveniente a uma mãe sozinha do que um filho doente.

Fodeu, fodeu, repete, conclusiva, enquanto tira Fabinho do carro do carona, checando os sinais vitais e dando três esfregadinhas da toalha nos pulmões do menino – quem sabe assim, de modo mágico, ela ativa os leucócitos, hemácias, plaquetas, qual mesmo que protege o corpo, enfim, não importa, só mesmo que trabalhem com violência todos e quaisquer componentes do sistema de defesa de Fabinho.

Este garoto tem que ir para a escola na segunda, tá me ouvindo, e ninguém sabe direito quem tem que estar ouvindo, mas todo mundo balança a cabeça, se compadece, a gente que também é mãe sabe o perrengue de precisar sair para trabalhar e não ter o que fazer com o filho moribundo no sofá. Meter o louco e largar lá? Dá, também, para preparar um miojo, botar no tupperware, ensinar a usar o micro. Ou levar junto pra reunião, distribuir álcool gel a toda a equipe, todo cuidado é pouco na hora de evitar uma epidemia.

O telefonema clássico da enfermaria da escola não é assustador porque a gente acha que o filho caiu de cabeça e está em coma, mas, sim, porque passa na nossa frente aquele filme – trailer, no caso – revelando o pesadelo dos próximos dias úteis. Quem eu posso acionar para ficar com o Fabinho? Meu RH aceita atestado de acompanhante? Será que o diretor da empresa será compreensível? Quanto tá pagando cada parcela do seguro-desemprego? O Temer já acabou com os benefícios todos?

Telefonei há pouco para a casa da mãe do Fabinho, amanhã é dia de aula. Com voz rouca, quem atendeu foi o garoto, menos mal, pensei, ao menos ainda parece estar respirando. Oi, querida, como é que ele tá, e o prognóstico é animador, porque Fabinho deve, sim, ir para a escola nesta segunda. Amém, amém, nessas horas qualquer ateu vira devoto, mas, escuta, tá mesmo 100%? Zero febre, nada de tosse, certeza que não vai transmitir para ninguém? Sacumé, né, amiga, se o meu menino cair de cama, quem vai se ferrar sou eu.

 

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Mãe, posso fazer uma pergunta? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/#respond Fri, 11 May 2018 14:21:43 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/mãe-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=164 Mas já? Só mais cinco minutinhos? Por que você é tão chata? Precisa arrumar a cama hoje? Pega uma meia pra mim? Você sabe onde tá meu uniforme? Faz meu leite? Bota mais açúcar? Mais manteiga? Mais leite, agora? Tem que comer tudo? Por que fruta é tão nojenta? O que você vai mandar de lanche? Eu já escovei, você duvida? Na minha irmã você acredita, não acredita? Por que todo mundo me odeia nessa casa? Você carrega minha mochila? Não tá vendo que tá mó pesada? Você quer que eu fique corcunda? Não falei que você me odeia? Por que não dá pra ir de carro? Eu odeio andar, você não sabia? A gente vai se atrasar? A culpa vai ser minha? Você explica pra professora? Será que a gente corre? Promete que me busca? Tudo bem se eu sentir saudade? Torce pra eu ir bem na prova? Por que você demorou? Se eu te contar que senti medo você briga? O que você vai fazer de jantar? Posso comer só metade? Tem refrigerante? Posso ver TV? Eu tô com fome, me dá alguma coisa? Precisa ir dormir agora? Sabia que meus amigos vão pra cama bem mais tarde? Eu já escovei, você duvida? Conta uma história? Canta uma música? Acende o abajur? Eu vou ter pesadelo? Se eu tiver eu te chamo? Você garante que vem? E se eu morrer dormindo? E se você morrer dormindo? Por que as mães não vivem pra sempre? Desculpa que eu te chamei de chata? Amanhã promete que brinca? O que você faz depois que eu durmo? Me dá um beijo de boa noite? Você me ama? Mais que eu amo? Tá chato eu fazer tanta pergunta? Você é a melhor mãe do mundo, parabéns.

 

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Feliz Dia da Mãe Solo https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/03/07/feliz-dia-da-mae-solo/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/03/07/feliz-dia-da-mae-solo/#respond Wed, 07 Mar 2018 13:48:10 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/leoa-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=142 Não é que ela fique melhor que ninguém, depois de anos e mais anos cuidando, ensinando, mostrando o que é o amor e o quanto são perigosas as tomadas, as janelas, o fogão, bota aí quase uma década apagando febres, beijando dodóis pra sarar mais rápido, chorando junto quando a dor é tanta que não há remédio que acalme, e, assim, mesmo com toda essa rotina, mesmo com tantos perrengues corriqueiros dessa fase da vida ainda outros tantos não programados, impensáveis, coisa de filme, ela ainda bancar isso tudo sozinha, solo, zero, sem backup nem dublê, sem folga, nada.

Eu dizia: não é que isso a transforme em ninguém melhor que ninguém – só a transforma mesmo numa mina foda. Bem foda. E devia ser tipo uma instituição, sabe, a mãe que cria filho na raça sozinha. Ter feriado nacional. Parada com desfile na avenida, promoção no shopping, feliz dia, a gente se desejaria, dava cartão, abraço, não sei.

Não pra gente, a data, sabe, mais pros outros, que muitas vezes se esquecem ou mesmo nunca souberam que – eu já falei isso? – essas minas são inacreditáveis. Pessoas de quem a força e o sangue nos olhos jamais deveriam ser postos em xeque. A menos que se queira ser devorado, atropelado, amassetado com garfo pra botar na papinha, engolido, palitado, marcado com ferro na testa pra ficar bem claro que, olha lá, aquele fulano duvidou da capacidade duma mãe sozinha. Rá. Não faz isso, amiga. Não manda dessas, cara.

Manja leão, rotweiller, aranha, aqueles bichos que vão sacar tua provocação bem quietos, fingindo anuência, pra, viradas tuas costas, te mostrar que aqui não tem palhaço? Pois essas minas são assim, só que sem juba, presa nem veneno. Somos assim, mas somos na sutileza. No contragolpe. Na elegância de quem já peitou coisa bem maior do que cara feia, ameaça, ofensa, terrorzinho. A gente já enfrentou o mundo, cara, e eu acho que não preciso nem te lembrar sobre quem venceu essa guerra.

Pois que fique instituído, assim, sem motivo para a escolha do dia específico, só mesmo a necessidade de nos louvar e destacar perante uma sociedade melhor que, bobear, somos nós mesmas quem estamos construindo: feliz sete de março, feliz Dia da Mãe Solo.

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Seis lugares em que toda mãe pode dormir sem culpa https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/05/seis-lugares-em-que-toda-mae-pode-dormir-sem-culpa/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/05/seis-lugares-em-que-toda-mae-pode-dormir-sem-culpa/#respond Tue, 05 Sep 2017 20:04:39 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/Foto-post-top-10-lugares-mães-Isadora-Brant-12-fev-2011-Folhapress-180x121.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=38 Quando nasce um filho, nasce também uma mãe com sono. A alegria de criar um ser humano, vê-lo crescer feliz e saudável, cobra um preço chamado noites em claro.  Seja na fase do recém-nascido, com sua amamentação e troca de fraldas, seja quando eles viram adultos e vão para a balada com o celular desligado, as mães destas criaturas não dormirão normalmente nunca mais em suas vidas, o que faz de nós pessoas com olheiras tão profundas quanto nosso desejo de dar uma cochilada nem que seja por dez minutos.

E toda mãe sabe o quanto esses cochilos são utópicos. Primeiro porque é impossível ficar sozinha depois que se tem filhos – ser mãe é fazer cocô com companhia até que um dia a gente morre e não precisa mais ir ao banheiro, eu costumo avisar às amigas. Segundo porque, ainda que se consiga ajuda de alguém para olhar as crianças um instantinho, haverá sempre a culpa de estar fazendo algo para si mesma, bem como o telefone tocando com o papai ou a vovó do outro lado da linha: “E aí, querida, que horas você volta?”.

Pois saibam que há luz no fim do túnel. Elaborei, nesta uma década de maternidade, um breve guia de truques para dormir um bocadinho sempre que a rotina me esgota, e agora resolvi apresentá-los à humanidade. São seis lugares maravilhosos, em que é possível descansar alguns minutos, e voltar para casa renovada, cheia de vontade de mandar todo mundo escovar dente e fazer xixi antes de ir para cama.

1) Aparelho de ressonância magnética

Excelente opção, exceto para mães claustrofóbicas. Se você acha que fica de boa enfiada em um tubo com o diâmetro pouco maior que o das suas coxas, sem pensar que vai morrer por absoluta falta de oxigênio, este talvez seja o seu lugar. A máquina, toda alva e gigantesca, fica em uma salinha muito limpa, sem peças de LEGO nem farelos de biscoito espalhados pelo chão, o que, a meu ver, já é um imenso atrativo. Enfermeiras cordiais colocarão você deitada em uma espécie de maca móvel, com colchãozinho e travesseiro, e cobrirão seu corpo vestido em um avental com uma manta quentinha e felpuda, tudo esterilizado, bem mais limpo que o edredom cheio de manchas que nem o Omo Multiação dá mais conta lá em casa. Depois de tudo preparado, a maca desliza suave para dentro do tubo, uma penumbrinha confortável, e o exame, em si, começa. A princípio, a barulheira pode parecer um pouco assustadora, especialmente nos momentos em que parece que a máquina grita DIE DIE DIE (e eu não vim aqui para morrer, honestamente, tenho sono, ok, mas preciso resolver um montão de coisas antes de partir), mas é só relaxar por alguns minutos, imaginando que se está, sei lá, em um show de música eletrônica, e tudo ficará bem. Em alguns casos, talvez seja preciso manter um acesso venoso no braço direito, a fim de injetar substâncias durante o exame, mas não é nada que incomode – dói menos que acordar de madrugada para trocar fralda, isso eu garanto. O processo todo leva, em média, uns 40 minutos, tempo suficiente para dar aquela renovada na disposição. Recomendo agendar o exame para o fim de tarde, a fim de coincidir seu término com o horário da saída da escola das crianças.

2) Maca da depiladora

Já falei algumas vezes aqui sobre meu trauma com depilação do buço com linha, e sobre como prefiro dar à luz 25 filhos antes de entregar meu bigode àquele poderoso instrumento de tortura. No entanto, usar cera quente para depilar outras partes do corpo é, para mim, algo tranquilo, pelo que passo, muitas vezes, até dormindo. De modo que, vejam a ocasião: agende no salão um horário extenso, a fim de arrancar fora cada folículo capilar presente em seu corpo. Deite-se, relaxada e nua, naquela confortável toalha de papel. A depiladora cuidará do seu corpo com todo o carinho, enquanto você cochila profundamente, recuperando as energias gastas nas últimas horas defronte à pia esterilizando mamadeiras, bicos e chupetas. Quando acordar, além de bem-disposta, você também estará careca – tudo bem, nada que um mês longe da gilete não resolva.

3) Fila de banco

Veja bem, é preciso que seja um banco, especificamente, e não um Poupatempo, por exemplo, que é uma das poucas instituições públicas que realmente funcionam, e de onde você sai com tudo resolvido antes mesmo do horário agendado. Pois bem, um banco. Escolha o de sua preferência, seja porque a palheta de cores do logotipo é agradável segundo os preceitos da cromoterapia, seja porque é uma bandeira que tem agências mais perto de casa. Certifique-se de esvaziar a bolsa de todos os metais desnecessários, bem como de deixar na gaveta pulseiras, anéis, relógios e cintos que contenham peças que possam apitar na porta giratória, evitando, assim, a necessidade de ficar pelada para conseguir entrar, algo que certamente acabaria com o sono, eliminando automaticamente a razão de se ir a um banco.  Uma vez lá dentro, pegue sua senha, e prepare-se: a espera será extrema. Assim que encontrar uma cadeira disponível, de preferência perto de uma parede, acomode-se. Se possível, encoste a cabeça, para não ficar ricocheteando e dando vexame. Assegure-se de colocar o celular para despertar, já que, obviamente, atendente nenhum vai chamar sua senha antes do fim do expediente. Às quatro da tarde, quando os seguranças já estiverem impedindo novos clientes de entrar, você finalmente será convocado à boca do caixa, onde pode, inclusive, aproveitar para pagar contas que realmente precise, ou, senão, trocar uma ideia com o simpático funcionário sobre quantas mensalidades da escola é possível quitar com sua restituição do imposto de renda.

4) Sala de espera de consultório do médico do convênio

Ginecologistas costumam ser uma das especialidades com maior procura e tempos maiores de consulta, especialmente aqueles que são também médicos obstetras. Suas chances de ficar por último na prioridade de atendimento aumentam consideravelmente se você não estiver grávida, já que pessoas preparando outras pessoas têm mesmo é que passar na frente de todo mundo. Outra boa opção para garantir uma espera severa também são os otorrinolaringologistas, já que, com esse clima estúpido, não há quem não fique com um probleminha de garganta, e também os gastroenterologistas, porque o estresse da vida moderna é capaz de dar dor de estômago até mesmo no Dalai Lama. Um truque que uso bastante quando quero ter certeza de que vou passar horas esperando minha vez é marcar horário em consultórios localizados em prédios, que tenham em seu endereço o complemento “conjunto não-sei-das-quantas” – por serem espaços menores, a chance de haver apenas um médico atendendo cresce, e, consequentemente, cresce também a demora até chamarem meu nome. Não levo livro, e deixo o celular desligado. Escolho entre uma daquelas revistas maravilhosas disponíveis na mesa de centro, folheio por cinco ou dez minutos, e bingo!, desmaio cansada no sofá de courino. Seja forte e não aceite as gentis ofertas da secretária, que pode mencionar palavras como água, café, e até mesmo biscoitos – perder tempo degustando alimentos no período em que se poderia estar cochilando é um erro comum e que deve ser evitado.

5) Cadeira do dentista

Mãe que é mãe está sempre com algum problema na boca que vai resolver “assim que tiver tempo”. E, se não sobra tempo nem para respirar, que dirá para visitar o dentista a fim de trocar aquela restauração quebrada, conter o sangramento na gengiva, tirar o tártaro da arcada inferior, ou remover os sisos que nasceram na adolescência e lá ficaram até os dias de hoje. Pois agora é a hora de resolver tudo. Se você é daquelas que dormem de boca aberta normalmente, há grandes chances de que, na cadeira do consultório, também encontre a paz tão merecida. Cheque com o profissional se é possível tomar uma anestesia geral junto com a da boca – ele dirá não, mas, né, não custa tentar. E, ainda que sem sedação, é possível repousar o suficiente e garantir as forças necessárias para a hora de ajudar na lição de casa depois do jantar. Dentistas têm a estranha mania de tentar se comunicar com pacientes que claramente estão impossibilitados de executar essa ação, dados os 19 instrumentos pendurados em sua boca durante o tratamento. Não se preocupe. Responda “aham” para tudo, ainda que não seja verdade – ele é seu odontologista, e não seu psicólogo. Feche os olhos e, mesmo já antes de cair no sono, finja adormecer profundamente. Isso ajuda na indução do cérebro, e corta definitivamente a conversa desnecessária. Acorde para cuspir.

6) Delegacia

Não sei o quanto você é familiarizada à legislação do estado de São Paulo, mas há, aqui, uma resolução interessante: é proibido fritar ovo com gema mole. Em casa, minhas gemas são sempre líquidas, para que eu molhe meu arroz e meu pãozinho nelas, mas, nos restaurantes, padarias e afins, os cozinheiros são proibidos de servir qualquer coisa que não esteja em seu estado mais sólido possível. O que é uma pena para o paladar, pode, no entanto, se transformar em uma grande oportunidade para mães que buscam uma noite de sono fora de casa. Quebre as regras, viole o estatuto, entre na cozinha da padaria mais próxima, quebre aquele ovo maroto sobre a chapa e retire-o logo em seguida para botar no prato. Com sorte, alguém chamará a polícia, e você passará uma noite na delegacia a fim de prestar explicações. Na manhã seguinte, pague a fiança e, refeita, corra para casa para preparar o café da manhã das crianças – com gema mole, óbvio.

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Sobre aprender a ser mãe e não interferir https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/08/18/sobre-aprender-a-ser-mae-e-nao-interferir/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/08/18/sobre-aprender-a-ser-mae-e-nao-interferir/#respond Fri, 18 Aug 2017 19:57:59 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/08/Fotolia_167719265_Subscription_Monthly_M-180x120.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=26 Vai ter festa do pijama este fim de semana lá em casa. Após algumas assembleias domésticas para decidir o formato da comemoração do aniversário de nove anos, meu filho escolheu o que parecia ser a opção mais simples de planejar, mais divertida, e, óbvio, fator essencial à fatia adulta do núcleo familiar, com o orçamento mais em conta de todos. Iupi.

Como moramos em um singelo apartamento e não em um imenso complexo hoteleiro, foi preciso limitar a lista de convidados a um número de crianças que a sala e o quarto pudessem comportar.

Desejei, eu, por alguns segundos, dando vazão àquele sentimento humano que teme o caos, que morássemos em uma quitinete e fosse possível convidar apenas meio menino? Sim. Chorei internamente prevendo pilhas de louça suja e uma madrugada em claro com vontade de fugir? Também. Mas, obviamente que não se trata de contentar a mim, e, com isso, quatro garotos receberam a convocação.

Quatro, mas que deveriam ser cinco. A lógica infantil por vezes age torto por linhas mais tortas ainda, e, ao fazer a escolha, meu filho deixou de fora um dos melhores amigos da escola – “ele de mal de mim, mãe, nem adianta eu insistir”, justificou, sem nem tentar.

Aqui em casa, depois que as crianças ultrapassaram aquele limite de idade em que conseguem antever minimamente as consequências das suas escolhas, a lei é deixar o baile seguir até que seja preciso intervir para socorrer alguém – e, na maioria das vezes, nem precisa.

Claro que, com isso, ninguém bota a vida de ninguém em risco. Óbvio. Mantendo as circunstâncias de temperatura e clima sempre estáveis, o nosso circo – bate na madeira – nunca pegou fogo. Produziu, no máximo, uma ou duas simples faíscas.

A filosofia do “soltar” faz, para mim, parte do que compreendo como uma das tarefas mais difíceis e essenciais do ser mãe. Assistir a cria de uma distância segura, sem interferir, exige mais que desprendimento: é preciso segurança, maturidade, altruísmo, bem como uma boa dose de fé e, por vezes, um modelo bacana de camisa-de-força.

Que mãe não sofre para não ceder aos ímpetos de segurar o banco da bicicleta para sempre, até que a Terra acabe, enquanto o filho aprende a pedalar sem rodinhas? Qual de nós não chora secretamente quando é preciso deixar um bebê tão novinho na creche, já que alguém aqui tem que trabalhar?

Conheci, uma vez, a mãe de uma coleguinha de classe que não permitia que a menina fosse aos passeios programados pela escola. Morria só de pensar que o ônibus tombasse e matasse todos os alunos. Por dentro, eu sentia o mesmo que ela. Mas preferia acreditar que, se fosse para um acidente acontecer, ele se daria de qualquer maneira conosco em um carro, ou voltando a pé da feira, mesmo que fosse na esquina de casa.

No caso da festa do pijama e do convidado esquecido, era importante que o anfitrião compreendesse que na vida há dois tipos de pessoas – aquelas que fazem cagadas e se imobilizam, lamentando o próprio erro, e aquelas que fazem cagadas e correm logo em seguida para solucioná-las. A vida, filho, repeti, é esta mesmo, cheia de tropeços, e crescer envolve presumir que nossos remendos são os que melhor poderíamos ter escolhido.

Ele vai completar nove anos, e foi posto diante do desafio de resolver a armadilha em que ele mesmo havia se colocado. E não há verbetes suficientes em dicionário nenhum que definam o orgulho que senti ao vê-lo desatar o nó e seguir em frente. Serão cinco crianças, neste fim de semana. A casa, provavelmente, vai ruir com tudo dentro, incluindo os brigadeiros e o bolo Floresta Negra. E nós, responsáveis pelo aniversariante, não poderíamos estar mais felizes com o caos que está por vir.

Ser mãe, pelo que vejo, é resumidamente confiar. Confiar, sobretudo, em si mesma e nas escolhas que fazemos ao longo desta infinita jornada. É confiar nos nossos filhos e na capacidade que eles devem ter de sobreviver até os cem anos, quiçá 150. Ser mãe é, por fim, confiar no poder do universo, e na certeza de que ele nos será leve e afável enquanto nos for permitido.

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