Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ele só tá querendo te comer https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/12/11/ele-so-ta-querendo-te-comer/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/12/11/ele-so-ta-querendo-te-comer/#respond Wed, 11 Dec 2019 15:34:30 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/xoxota-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=589 Entre os muitos segredos da humanidade trancafiados em cofre inviolável e antiatômico, estão o porquê de o pão sempre cair com o lado da geleia para baixo, a lógica que explica o hábito de abaixar o volume do rádio do carro enquanto se procura por uma vaga, e o motivo pelo qual você, mulher, concretizou todas estas suas brilhantes conquistas na vida. Da vaga de emprego ao assento no metrô, passando pelo seu salário e o desconto no boleto do celular, tudo tem a mesma explicação: é só porque um cara está querendo te comer.

Eu sei que você não sabia disso. Ninguém sabia, na verdade, e isso porque há uma grande conspiração pra que a gente siga achando que alcança as coisas por capacidade. Por inteligência, estudo, por talento. Que bobagem. Foi essa sua xoxota, menina, que te trouxe onde você está agora. Foi de olho apenas nela que homens e mais homens te abriram portas, te assinaram contratos e te estenderam a mão ao longo do caminho, fazendo você ser quem você é hoje.

Veja meu caso, por exemplo, uma jornalista até da bacana, com certa aptidão para a apuração e a escrita, 20 anos na praça, e pela segunda vez na carreira sentada aqui à mesa do maior jornal do país. Esforço? Não, pepeca mesmo, pelo que disseram.

A delação se deu assim, para resumir: semana passada, um homem me elogiou profissionalmente, eu contei sobre o elogio a outro homem amigo, este outro homem amigo me explicou que, na verdade, quando opinou sobre meu talento, o homem original não queria me encorajar, mas, sim, apenas transar comigo (se esse texto ficou confuso chame um homem e peça ajuda que ele te explica).

E a piada toda acaba aqui – a minha, porque a anedota masculina ainda vai demorar muito pra terminar. Até lá, a gente até pode fazer um texto ou outro tirando onda de costumes excêntricos como este, de reduzir mulheres aos seus sexos e o que eles podem oferecer ao mundo, mas, fora as colunas, na vida prática não dá mais para brincar com um assunto assim.

Chega de fingir que a gente não se importa. Com medo de perder o amigo, o emprego, o namorado, ou qualquer oportunidade importante que seja, acabamos engolindo, em silêncio, o que de engraçado não tem nada, e só faz agredir gratuitamente.

Quando alguém nos diz que algo que conquistamos veio apenas porque um homem quer nos levar pra cama, a violência maior contida nessa fala não é a ofensa em si, mas, sim, a consequência que ela traz consigo, de fazer com que a gente se questione, duvidando da nossa própria capacidade. Será mesmo que eu só consegui esse salário porque meu chefe quer me comer?

Não, garota. O que você ganhou e tem é mérito todo seu. Até porque não há mulher no mundo, por mais reluzente que sua buceta seja, que se sustente em um lugar que não lhe pertence, em uma posição da qual não dê conta.

Tive um namorado que, religiosamente, a cada êxito que se apresentava na minha trajetória, menosprezava meu momento usando essa frase clássica. Não importava o que eu tivesse conseguido, obviamente era só porque alguém estava de olho em uma trepada.

No caso dele, era porque se tratava de um homem brutalmente inseguro, e que no fundo se achava incapaz, ele mesmo, de conseguir coisas por mérito próprio, entendendo, assim, que a lógica se aplicaria igual para todo mundo.

Não sei explicar por que outros homens ainda perpetuam esta visão deturpada e este hábito escroto, se é porque, como fazia meu ex (e os ex de outras tantas amigas, que eu sei), precisam que a gente se sinta péssima para não querer nunca ir embora do lado deles, temerosas do futuro sem suas companhias. Mas sei que, conforme amadureço e aprendo mais sobre mim e sobre nós todas juntas, já entendo que, pode até ainda doer na hora do tiro, quando um paspalho abre a boca pra me alvejar com este absurdo, mas que não cabe mais eu duvidar das minhas qualidades por causa da opinião alheia.

Aprendi essa lição. E ela mostra que, quando um homem fala assim de outro, isso diz muito mais sobre ele próprio do que sobre aquele que virou assunto – e que, de mim, sem dúvida, absolutamente nada diz.

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Tem sempre um homem me explicando https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/19/tem-sempre-um-homem-me-explicando/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/19/tem-sempre-um-homem-me-explicando/#respond Wed, 19 Jun 2019 10:22:58 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/mansplaning-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=419 Você já conhece a mecânica: eu escrevo no computador, publico aqui neste espaço, quem fica curioso lê, muitos gostam, outros detestam, e na semana seguinte tudo se repete. É assim já há alguns anos, sejamos nós quem formos e de onde quer que venhamos. Acontece que excepcionalmente hoje vou sugerir que, caso você, leitor, seja uma mulher, peça a ajuda de um homem para entender o que se segue.

Não que eu nos considere incapazes, longe de mim, fazemos parte do mesmo time. Sempre confiei cegamente em nosso potencial. Mas é que, de uns tempos para cá, os homens passaram a me explicar coisas com tão mais frequência do que já o faziam, que ando pensando se nascemos realmente habilitadas a assimilar alguma coisa.

O rapaz que meteu a mão na minha coxa essa semana, por exemplo. Parece haver a possibilidade de eu não ter compreendido corretamente a natureza do gesto deslavado, segundo me explicou um amigo. Ainda que se tratasse de um instrutor e o ambiente fosse o da academia, existe a chance de que o que eu supus se tratar de assédio tenha sido apenas um toque de adestramento.

Pareceu um apertão gratuito na minha perna, mas foi uma cortesia. Viu só? Se ninguém me explicasse, eu nunca saberia.

Depois de uma série de visitas de inspeção, hoje começam as obras no banheiro de serviço lá de casa, e o zelador, de quem já carinhosamente já tratei aqui nesta coluna, passou dois dias fazendo questão de explicar minhas obrigações como inquilina, inclusive aquelas que nem constam do contrato de locação ou do regulamento do prédio.

Vai ver ele gentilmente se dispôs a me adiantar com exclusividade regras ainda inéditas, mas que estarão presentes na nova versão revista e ampliada destes estatutos, a ser lançada em data a definir. E eu, esta ingrata, tendo a coragem de achar ruim.

Tanto ele quanto o porteiro e o encanador só querem meu bem quando me explicam que é preciso quebrar paredes para acessar tubulações. Eu tinha mais era que agradecer.

O médico que entrevistei pra matéria, também, foi outro cara todo cheio de boa vontade. E eu, que bruxa, aborrecida à toa. Torcendo o nariz para um ato generoso de um profissional da saúde que dedicou seu tempo a explicar para mim o que uma mulher sente durante o orgasmo e nas cólicas menstruais. Olha que, agora, acho que finalmente eu entendi. Tomara.

Já o médico que não entrevistei pra matéria era de um altruísmo sem fim – depois de aceitar responder às minhas perguntas, voltou atrás no meio da conversa, dizendo que minha pauta não era tão boa quanto aquela outra que ele, urologista, imaginou para o jornal, e que só continuaria respondendo se seguíssemos pela ideia dele. Eu quis chorar e senti raiva, mas apenas porque ainda sou uma pessoa pequena no caminho espiritual da iluminação. Eu tinha mais era que ter lhe dado um forte abraço.

Tem gente que se lembra ainda da boa sorte que tive recentemente, ao ganhar uma explicação em rede nacional a respeito de gêneros literários, bem como sobre minhas reais intenções ao escolher um deles na hora de planejar um livro. Sou uma autora infantilóide que não manja nada de biografias. Já pensou se ninguém me explica e eu esqueço meu lugarzinho no mercado editorial? Ufa, que essa foi por pouco.

Daí que, em meio a esse mar de generosidade, já tem um mês que venho sentindo um chamado. Nada a ver com o descarrego na roda de umbanda que frequento, mas com a escola de kung fu que abriu na rua de baixo. Espio as aulas dia sim, dia não, e, além de pirar na luta quase dança, ainda acho fabuloso o fato de haver mulheres em todos os grupos, e de um dos mestres se chamar Manuela e portar uma faixa preta nos quadris.

Em outras épocas eu interpretaria meu fascínio como um sinal de que é hora de fazer a matrícula, mas, como ando assim, digamos, muito mulher para compreender as coisas sozinha, achei por bem me abrir com um dos alunos: meu filho, dez anos, homem, turma infantil das 19h.

Se ele achava que eu tinha capacidade para aprender os exercícios, se na opinião dele eu ia conseguir chutar bem, se ele vê alguma possibilidade de as pessoas rirem de mim enquanto erro tudo na frente do espelho – não deixei de fazer nenhuma pergunta.

Guardei para o final aquela que considerei a mais difícil de responder (mesmo quando se é um homem parece que vez ou outra rola uma incerteza, me explicou um psicólogo certa feita, para uma reportagem). “E se eu não nasci para lutar porque não sei como se bate de verdade em alguém?”, indaguei.

E ele, muito masculino, devolveu: “Daí é só buscar dentro de você toda a irritação com o que não pode mudar na vida, e descontar a frustração no tatame. É muito simples, mãe, só não vê quem não tá a fim”.

Finalmente uma explicação decente. O mundo talvez ainda tenha salvação.

 

 

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Moça, você está sendo machista https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/01/11/moca-voce-esta-sendo-machista/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/01/11/moca-voce-esta-sendo-machista/#respond Fri, 11 Jan 2019 14:52:25 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/xuxa-instagram-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=326 Uma revista feminina posta a imagem de uma jovem com pelos nas axilas. Chovem comentários negativos, alguns mandam emojis de vômito, duas ou três frases felizes são engolidas pela maré de nojo e insatisfação. O post viraliza. Do outro lado do mundo, Xuxa faz uma selfie de biquíni para mostrar a linda cor do mar em que mergulha, mas tudo que os seguidores veem são a ausência de maquiagem e os sinais de idade no rosto da apresentadora.

Nada novo no front se fossem apenas homens criticando mulheres e suas decisões, aparências, comportamentos – nos acostumamos (mas não acomodamos) a ser tratadas como mercadoria ou propriedade de alguém, sob jurisdição masculina 24 horas por dia. Com o que não dá para se habituar, no entanto, é a reprodução do discurso machista vindo de quem deveria justamente rechaçá-lo: nós mesmas.

“Mulher com sovaco cabeludo é falta de higiene”, escreveu uma das leitoras do post da revista, certa de que os pelos dos homens são mais evoluídos e autolimpantes que os femininos. A colega abaixo não teve dúvida: “Eu não gastei R$800 em depilação a laser para vocês virem me dizer que axila peluda é bonita” (traduzindo, ela queria saber quem são vocês para me mostrar que coisas fora do “comum” também deveriam ser socialmente aceitáveis, humpf, oras).

Xuxa ter 55 anos e aparentar ter 55 anos também, ao que parece, é um absurdo sem tamanho. “Nossa, como você está acabada” e “A falta que uma maquiagem faz” podem, de longe, ser eleitos os comentários mais suaves na postagem original, que mostra uma pessoa pública, compartilhando por espontânea vontade um momento de sua vida privada, e que, no meio deste processo, cometeu o crime hediondo de ser mulher e envelhecer.

Mas não era para sermos, todas, brancas, loiras, cara de adolescente, peitos firmes e grandes, bunda sem celulite e xoxota cor de rosa, sempre-sempre até a morte, do início ao fim de nossas vidas? Não. Nem é nossa obrigação permanecer jovens até os 90 e manter o corpo depilado de uma atriz pornô diariamente? Não de novo.

Quem nos ensinou a pensar assim foi uma sociedade baseada em padrões irreais de beleza, estabelecidos por – e para – homens. Há séculos, o corpo feminino é tido como algo que tem como função primeira servir ao desejo e gosto masculinos, independentemente do que a moça que habita este mesmo corpo tenha sonhado para si mesma. Disseram que devemos estar dentro do que é esperado ou não seremos aceitas, amadas, então, muito menos.

É uma realidade milenar, e que, para ser modificada, depende de uma reforma imensa na educação das novas gerações, bem como do estímulo ao diálogo constante e aberto com quem compõe a sociedade contemporânea. Estamos engatinhando, mas em breve daremos grandes passos.

O que não podemos, no entanto, neste caminho, é emitir o padrão patriarcal de dentro do nosso núcleo feminino – pelo contrário, precisamos nos manter unidas e cuidar umas das outras, sem julgamentos. Gosto pessoal é uma coisa, mas reprodução de discurso jocoso masculino é outra completamente diferente.

Defender que uma mulher não pode ter pelos nas axilas porque não é isso que é esperado dela, assim como argumentar que outra só pode aparecer publicamente se maquiada e fingindo juventude mesmo depois dos 50 são falas que têm raiz clara no que os homens nos ensinaram e esperam que, educadas, continuemos obedecendo.

Pois aproveitemos a oportunidade brilhante que é estar juntas e vivas em uma época como esta, consciente e conectada, para mostrar o quanto somos insubordinadas, livres e criativas. Bem-vindas sejamos à era do pensar diferente.

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Toda garota tem o seu Silvio Santos https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/11/12/toda-garota-tem-o-seu-silvio-santos/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/11/12/toda-garota-tem-o-seu-silvio-santos/#respond Mon, 12 Nov 2018 18:10:23 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/silvio-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=304 Na TV, até pouco tempo atrás Silvio Santos era basicamente aquele cara que abria as portas da esperança, arremessava avião de dinheiro no auditório, dava risada engraçada e vendia produto de beleza de qualidade contestável. Simpatizar por sua figura não era complicado. Mas, de alguns anos para cá, Silvio virou o estereótipo do homem machista e inconveniente, transformando qualquer simpatia que ainda se tivesse por ele em asco e desprezo absolutos.

A situação vivida pela cantora Claudia Leitte ao vivo no palco do Teleton no último sábado (10) ganhou a proporção que ganhou porque envolveu duas figuras conhecidas do grande público, mas é importante, aqui, que pontuemos duas coisas que podem não ser tão óbvias assim.

A primeira é que, infelizmente, Claudia não está sozinha nessa situação. O alento é que a denúncia desses assédios constantes experimentados por nós, mulheres, em situações diversas do cotidiano, tem sido uma constante, e é graças a essa exposição e à união que resulta dela que vimos conseguindo talvez não evitar que os episódios se repitam, mas que, ao menos, não passem impunes como era praxe antigamente.

Ainda assim, passará bastante tempo até que toda garota acima dos dez anos de idade deixe de ter um Silvio Santos em sua história. Seja um parente, um amigo, um companheiro de trabalho – todas nós, mulheres, somos obrigadas a lidar diariamente com homens que entendem seu desejo como soberano. Ficou de pau duro ao olhar uma moça bonita? Ora, o mundo merece saber disso! Tem vontade de ejacular na roupa daquela gata no metrô? Pois que se libere o gozo, um macho não pode ter seu tesão reprimido!

A segunda coisa fundamental a se frisar aqui é que, não, Silvio Santos não está nem um pouco senil, como defende seu séquito. E não, ele também não merece um desconto. Um apresentador que comanda programas de auditório como ele o faz, que encadeia as ideias em frente às câmeras, e que toma atitudes brutalmente racionais – porém imbecis – de retomar slogans da época da ditadura em comemoração à eleição de um novo Presidente da República não pode ser classificado como gagá em hipótese alguma. Silvio sabe exatamente o que está fazendo.

De modo que gastar preciosos minutos de uma transmissão ao vivo de uma atração voltada a arrecadar dinheiro para crianças com deficiência física com comentários violentos e invasivos dirigidos a uma de suas convidadas é um ultraje não só à vítima que foi exposta no palco, mas, também, a todas as mulheres que, um dia, já sintonizaram seus televisores no canal que este petulante senhor coordena.

Em sua longa trajetória na televisão brasileira, foi o público feminino quem fez o sucesso de Silvio Santos – ou você se lembra de algum homem na caravana de Mogi das Cruzes? Junto com sua mulher Íris, o apresentador teve quatro filhas. Estes dois dados já seriam motivos suficientes para que ele se dispusesse a respeitar da maneira devida toda e qualquer mulher que pisasse seu palco, estivesse ela vestida de tubinho cor de rosa ou burca negra e luvas.

No entanto, Silvio opta por continuar se escondendo detrás de uma permissiva caduquice para pintar e bordar diante de uma plateia em sua maioria atônita, e, se não já cansada de suas insistências, no mínimo embaraçada diante do que parece ser seu comportamento padrão toda vez que fareja a proximidade de uma fêmea em idade reprodutiva.

Porque é assim que Silvio Santos age, e é como agem os tantos Silvios espalhados pelo nosso caminho em nossas famílias, trabalhos, círculos de amigos, na rua, nas redes sociais: procedem como verdadeiros machos no cio, incontroláveis e ainda assim em busca de anistia. Sinto em dizer, Silvios, que o tempo de vocês acabou. Somos agora uma legião de Claudias, e vai ficar difícil de a gente deixar barato as barbaridades que vocês fizerem.

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Eles não https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/09/18/eles-nao/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/09/18/eles-nao/#respond Tue, 18 Sep 2018 19:07:53 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/não-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=273 A gente já está cansada de saber que ele não, pelos motivos muitos que todo mundo conhece, mas, de tão focadas que estamos nisso, a gente acaba esquecendo que não é só ele que não – tem muitos, muitos outros que também não.

Aquele boy lindo que já nos primeiros encontros se refere à ex como “louca”, e que, quando você entrar para o rol das antigas relações, também vai chamar você de maluca: ele não. Bem como aquele cara maravilhoso que fala mal da mãe, da irmã, da chefe, justificando de algum modo que elas agem de maneira desequilibrada pelo fato de ser mulheres: ele, também, não.

Homem que é incrível com as minas com quem sai, que trata bem, que respeita, mas que tem filho de outro relacionamento e mal visita a criança ou não paga direito a pensão: ele não. Tampouco o moço que é um paizão nas redes sociais, mas, na vida real, não troca fralda nem vai à reunião da escola porque isso é tarefa da mãe: ele não.

Rapazes que fazem questão de receber sexo oral e que, quando é chegada a hora de botar a língua para funcionar, fazem cara de nojo: eles não. Nem os que até topam chupar, mas não fazem ideia de onde fica o clitóris: eles também não.

Aliás, na cama, há uma série de eles que, poxa vida, não mesmo. Mas destaquemos, para resumir, os que desconhecem o que respeito no sexo significa, seja porque só se preocupam com o próprio orgasmo, ou porque forçam situações com as quais a gente não concorda: eles não.

Por falar em respeitar alguém, talvez haja um tipo que a gente já esteja aprendendo que não – o boy abusivo. Se ele só coloca a parceira para baixo, se ele não valoriza o que ela é e faz, se ele tenta provar que ela é tão péssima que ninguém além dele vai querê-la e que ela tem sorte por ele ainda não ter ido embora de vez, lembre: ele não.

Homem que explica as coisas às mulheres como se elas fossem idiotas porque justamente são mulheres, sendo que elas já sabem do que eles estão falando: eles não. Homem que se apropria de ideias que originalmente foram dadas por uma mulher, e finge que foram criadas por ele: tão não, ele, gente.

Motorista sem cortesia que bota a cara para fora da janela do carro e diz que “só podia ser mulher” quando uma moça se enrola no trânsito: ele não. Nem os prestadores de serviço que aumentam o preço das coisas quando a freguesa é do sexo feminino: eles também não.

Lembremo-nos, portanto, de todos aqueles que de jeito nenhum, nunca, jamais, para sempre não, e mantenhamos sempre em mente como foi que isso tudo começou, onde e por que tudo isso surgiu, para que a gente não volte nunca mais a cogitar achar aceitável algo que, nunca é demais lembrar, absolutamente não. Eles todos: não.

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Se precisar de respeito, chame um homem de aluguel https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/08/17/se-precisar-de-respeito-chame-um-homem-de-aluguel/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/08/17/se-precisar-de-respeito-chame-um-homem-de-aluguel/#respond Fri, 17 Aug 2018 21:24:35 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/marido-aluguel-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=254 De tanto buscar quem montasse um guarda-roupas, quem pendurasse na parede um armário de cozinha, quem pregasse prateleiras, suportes de plantas, cortinas, o Google acabou resumindo em uma única proposta todas as sugestões que tinha para mim: por que é que eu não contratava, de uma vez por todas, um marido de aluguel?

Um homem poderoso, com uma furadeira potente, 25 brocas dos mais diversos tamanhos e ranhuras. Com sua maleta cheia de ferramentas, seus conhecimentos profundos nas áreas de elétrica, hidráulica, marcenaria, serralheria. Como não cair de tesões – e necessidades – por um homem deste calibre?

Acho que me lembro vagamente. Era 1950 quando ainda tínhamos bem definidos esses papéis na família. Os maridos operam máquinas, as mulheres conduzem vassouras. E olha que tinha cônjuge que nascia com zero de aptidão para consertar coisas, mas, ainda assim, era função dele dar um jeito na resistência do chuveiro. Problema seu, amigo, você era um ma-ri-do.

O ano agora já é de 2018-e-feminismo-bombando, e o sistema de busca propõe que um marido resolva todos os meus problemas. A ideia de um único profissional solucionar sozinho um conjunto de pepinos me parece ótima, mas marido mesmo, nessa vida, eu só chamo quando a ideia for alguém com quem ver Netflix, rachar as contas, fazer uns filhos. Não tem que casar para pendurar samambaia, nem tem que ser homem para manjar de chave-inglesa.

A dureza, no entanto, é que, ainda que tenhamos cada vez mais essa consciência, ainda há momentos de incoerência da nossa parte. Vamos admitir: tem vezes em que tudo que a gente mais quer é chamar um homem e pedir ajuda. E danem-se os parafusos e extensões – a gente inconscientemente cogita a presença de um cara em situações imensamente mais delicadas.

Sonho em ligar para o meu primo forte quando preciso fazer algo sozinha na rua à noite. É no meu ex-namorado tatuado e com cara de mau que eu penso quando sei que preciso negociar coisas com alguém truculento e abusivo. Se é preciso encarar um motorista de táxi ou aplicativo, imagino como seria fazer isso tendo ao meu lado meu pai ou um irmão.

Só nesta semana, por exemplo, aspirei ter um pinto no meio das pernas duas vezes, no dia em que o porteiro do prédio novo menosprezou minha capacidade de compreender o funcionamento da companhia de luz, e quando o eletricista apareceu em casa para um conserto e, alcoolizado em meio ao serviço, foi debochado e agressivo.

A verdade é que, aqui neste instante, macho nenhum vai respeitar mulher de graça. A regra geral é entender que são eles os donos da furadeira, e nós, aquelas que não sabem operar coisa nenhuma. Por isso, ainda vai ser preciso, infelizmente, vez ou outra, contratar o homem de aluguel não para instalar um lustre, mas para sanar contextos ameaçadores. Incomoda, a gente sabe, mas é o que vamos ter para hoje.

A igualdade, eu acho, pode não chegar nunca, como preveem alguns, por se tratar de uma utopia, mas nem por isso desisto de cobiçar a paridade de tratamento. Não precisar ter bolas para ganhar apreço. Enquanto isso, a gente segue, assim, chamando reforços sempre que preciso, e vai lutando para construir um mundo em que não precise mais ter medo de lidar com homem, e em que eles temam, de verdade, o insuportável hábito de levantar a voz para nós.

 

 

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Ainda bem que existe o homem https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/04/16/ainda-bem-que-existe-o-homem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/04/16/ainda-bem-que-existe-o-homem/#respond Mon, 16 Apr 2018 23:27:56 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/rosa-weber-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=155 Não vou nem mencionar a gentil doação de uma costela, sem a qual nem aqui estaríamos, mas o fato é que acho mais útil se nos fixarmos em cortesias mais recentes. Como quando, hoje mesmo, o taxista fez questão de elucidar todo o atual momento político nacional à passageira, que, por sua vez, explicava, ela mesma, a própria opinião ao chofer – se não fosse o prestativo motorista, imagine, a desafortunada mulher haveria de se contentar com suas ideias pessoais, intransferíveis, e, justamente por isso, certamente inadequadas, apenas pelo fato de que obviamente não foram elaboradas por um homem.

Aliás, ainda bem que existe o homem, hein.

Felizmente podemos contar, nós, mulheres, com tão fundamental amparo quando o assunto é ter assunto para conversar, por exemplo. É, de fato, uma sorte, essa nossa, a de ter sempre nos encobrindo a voz um colega que ensina a todas as moças o ponto de vista correto sobre qualquer tópico, e não aquele que pensamos – que tonta, a gente, pensar! – ser o mais adequado.

Eles nos ajudam mudando o rumo de um bate-papo informal com os amigos, da nossa disciplina aos filhos, e até mesmo exibem infinitos dotes circenses ao desempenhar o surpreendente número do malabarismo de apropriação da ideia alheia, só para vendê-las aos chefes com sua importante assinatura.

Ufa, se não é um alívio ter os homens!

Sem eles, não saberíamos como cozinhar melhor. Como dirigir melhor. Como trabalhar melhor, casar melhor, faxinar melhor, transar melhor, estudar melhor, patinar melhor, beber melhor, parir melhor, apontar lápis melhor, bolar senha do banco melhor, chamar o elevador melhor, fazer pedido no restaurante melhor, escolher lugar na sessão de cinema melhor, pesquisar preço de passagem barata de avião no aplicativo do celular melhor, trocar a água da vasilha e botar mais ração no pote de cerâmica dos cachorros todo dia pela manhã melhor.

Graças a eles, conseguimos contato diário com o que há de mais moderno e perfeito em termos de, como dizer?, TUDO. Louvados sejam.

Sorte a nossa que eles estão aqui, os homens.

Ou nem este texto, veja só, existiria, já que não haveria meu marido (homem) em casa para corrigi-lo, meu pai (homem) para esculhambá-lo, meus patrões (homens) no jornal para modificá-lo, meus leitores (homens) na internet para compartilhá-lo.

A vocês, soberanos, deixo meu profundo agradecimento. Nunca, por favor, nos abandonem.

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Bruna Marquezine e a fantasia de mulher evoluída https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/02/14/bruna-marquezine-e-a-fantasia-de-mulher-evoluida/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/02/14/bruna-marquezine-e-a-fantasia-de-mulher-evoluida/#respond Wed, 14 Feb 2018 12:59:15 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/02/bruna15182767825a7f10ae336e8_1518276782_3x2_xl-150x150.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=134 É o peito da Bruna Marquezine, é o decote da Cleo Pires, é a bunda da anônima que entra na padaria pra comprar água e voltar pra folia – passou o bloco da patrulha. Não sei no Facebook de vocês, mas, no meu, só tem puritano perfeito nesse Carnaval. Quer dizer, justiça seja feita: perfeito, não, só perfeita mesmo.

Porque parece que não ter silicone é caído. E que expor seu silicone também é errado. Calcinha muito pequena não pode, maiô socado também não. E nem pense em aparentar felicidade, principalmente se estiver seminua, porque pega mal e ofende as famílias. Senhor. E a gente achando que era só se vestir de índio e cigana que dava B.O nesse fevereiro de 2018.

E olha que, se fosse só homem dizendo que os peitinhos da Bruna estão fora do padrão ISO 9000 brasileiro de qualidade, eu não me espantaria – afinal, não é de hoje que a gente tem que portar o que mais agrada à freguesia, e não a nós mesmas. Mas o que pegou foi que, de 10 sommeliers de teta que passaram pela minha timeline (e pela sua, creio), 23 eram mulheres.

Gente, quem são vocês que replicam cobranças que nos vomitaram na cabeça pela vida toda? Por que fazer com as outras o que você odeia que te façam? Você não percebe, moça, que está sendo machista?

A colega se queixa de que estava na padaria com o marido, filho e sogro mandando ver num pão na chapa quando uma mulher contente posicionou sua meia bunda de fora na fila do caixa. Cadê as viaturas quando a gente mais precisa delas, bradava a mãe de Jesus no post em um grupo composto só de mulheres. Acode, Rota, pelo amor!

E a gente não pode nem reclamar dessas vagabundas (sic) em paz, clama a mulher que, ontem mesmo, estava lá compartilhando com a gente a foto dum cara equilibrando uma toalha no membro em riste (salvei aqui, se quiserem eu mando). A indignada original, que topou com a animada nádega na padaria, frisou, por fim, que, além de tudo, ainda tinha que lidar com o marido e o sogro ofendidos com a nudez alheia – porque se tem uma coisa que eles realmente devem ter ficado ao ver a foliã pelada foi chateados, aposto.

Amiga, não adianta camuflar sua insegurança debaixo de uma suposta moral rigorosa e depois vir esfregar no nariz da gente. Não cola. A tentativa de controlar o universo à sua volta – e a consequente decepção ao ver que isso é impossível – só te aprisiona e entristece. E se a gente te contar que é tão mais fácil se libertar e entrar no jogo?

Não quer arrancar fora a roupa, não arranca. Não quer dançar no bloco, não dança. Não gosta de peito e bunda de fora, não olha. Mas não nos venha com a sua honra tentar cercear a nossa autonomia. Que aí, perdoe, a vontade geral será rebolar definitivo todo o atrevimento de uma geração emancipada no cappuccino da sua família de bem.

Não aceitar o corpo da outra é sinal de que está difícil aceitar o seu. E isso, saiba, muito provavelmente nem é culpa sua, mas, sim, dos padrões nos quais somos todas obrigadas a nos encaixar desde pequenas. Vale, portanto, tentar identificar realmente o que te move ao malhar os seios alheios – ciúmes, inveja, baixa autoestima – e curar a ferida que há no seu próprio peito.

Faça as pazes com você mesma e experimente, então, olhar de novo para toda a ousadia do Carnaval. Garanto que nada cai melhor na gente do vestir com propriedade a fantasia de mulher evoluída.

 

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