Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A quarentena é mais difícil para o homem https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/06/19/a-quarentena-e-mais-dificil-para-o-homem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/06/19/a-quarentena-e-mais-dificil-para-o-homem/#respond Fri, 19 Jun 2020 18:52:13 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/homem.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=725 Tem gente perdendo parente, tem desempregado, tem morador da favela, e dono de negócio falindo, mas ouvi dizer que a quarentena está difícil mesmo é para o homem. Fatores intrinsecamente ligados à masculinidade encontram-se, dizem, acima de todas as dificuldades e agravantes neste severo período que o mundo enfrenta. Estou consternada.

Até os políticos já se deram conta disso e vêm tentando nos avisar. Enquanto o presidente da República entende que salões de beleza são essenciais e autoriza seu funcionamento em meio a uma pandemia que já matou quase 50 mil, um vereador no Mato Grosso do Sul alerta para o óbvio: “Imagina a mulher sem fazer sobrancelha, cabelo, unha, não tem marido nesse mundo que vai aguentar”.

Deve estar complicado mesmo. Acordar todo dia ao lado de uma mina que arruma a casa, arruma o almoço, arruma os filhos, arruma trampo, arruma dinheiro, arruma tempo, mas não se arruma, ah, tenha dó. Realmente não há meios pra que um casamento sobreviva.

Nestas condições, falaram, fica tão difícil ser um cara na quarentena que restam poucas alternativas além de agredir a esposa. Claro, são todos os homens aqui pessoas de bem e respeitosas, não erguem a mão nem pra uma flor, mas agressão verbal todo mundo sabe que existe desde que o mundo é mundo, e se não deixa marca é porque não feriu.

Gorda. Feia. Descuidada.

Isso fora o problema que as mulheres criaram ao ficar em casa o tempo inteiro, acabando com o espaço para as necessidades vitais masculinas. Não há quem sobreviva sem poder bater punheta, por exemplo. E auxílio emergencial pra isso o governo não inventa. Sumir com a namorada de casa um pouco. Porque transar é legal, mas gozar sozinho olhando pra tela do computador não tem preço.

E quem tem filho, então? Coitado. Vocês não imaginam o tamanho da dificuldade. Agora, com a quarentena, é preciso fazer tudo que antes alguém – não sei quem exatamente – fazia. É exaustivo ter que ajudar a mulher em tudo. Ajudar. Fazer metade, ou quase isso. Onde já se viu ter que trabalhar e ainda decidir o que as crianças vão comer no jantar.

Ser homem e pai na quarentena anda muito custoso até mesmo para quem não mora junto com a chata de uma mulher, porque conseguiu se livrar deste problema antes do coronavírus. Ela aparece toda semana, entrega a criança e sai andando, e nem pra ficar e trocar uma fralda, dar uma força, botar pra dormir. Fica tudo na mão do homem, obrigado a cuidar sozinho do próprio filho.

Certos estão aqueles que, pela bênção de Deus, moram em outra cidade, estado ou país. Assim basta dar um telefonema semanal, e se não quiser ligar também tudo bem, porque criança esquece rápido, se ocupa com videogame, não vai nem registrar que o pai faz tempo que não aparece. E é claro que se pegar Covid tem a mãe para resolver. Mulher é para isso.

Mas e pros solteiros sem filhos nem cachorro nem parente, sem vó morando junto, sem compromissos, será que também tá complicado? Super. Primeiro que da única vez que eles tentaram chamar a empregada pra dar um jeito na casa as mulheres da família já falaram um monte e encheram o saco.

Segundo que, sem quem limpe, cozinhe e lave, sobra menos tempo para a punheta, para o Netflix e para o Zoom com os brothers. Fora que alguém tem que trabalhar nessa casa. Porque a vida não é só diversão. Não dá para eu passar duas horas no Tinder, por mais que eu queira, quando há boletos vencendo e uma chefe (tinha que ser mulher) pesando na minha.

A quarentena, disseram, está difícil mesmo é para o homem. Bom seria ter nascido mulher, que consegue tudo mais fácil na vida.

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Mães: onde vivem, quem são, de que se alimentam? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/#respond Fri, 10 May 2019 16:30:30 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/plantas-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=398 O mercado publicitário compreendeu já há algum tempo que, para se comunicar com – e vender para – as mães, era necessário mudar a forma com que olhava para elas. Deixar de enxergar seres que vivem para servir à família e que, por isso, amam ganhar panelas, para vê-las como mulheres que, além de criar filhos, também têm profissão e ocupam outros papéis na sociedade. Assim, dá-lhe ofertas de bolsas, maquiagem, eletrônicos e tudo mais de que uma mãe trabalhadora precise para ser feliz.

Acontece que, mesmo com o ajuste no foco da propaganda, as marcas ainda seguem ignorantes. Acham que diversificar seu público-alvo basta para mostrar que sabem o que ser mãe significa. Mas, uma fabricante de calçados, por exemplo, que às vésperas do Dia das Mães apresenta, em sua campanha especial, uma “mãe de planta”, afirma sua incalculável ignorância acerca do tema, e prova que estamos ainda a anos-luz da correta visibilidade.

Com o argumento de reconhecer que não é preciso parir para maternar alguém – e, com isso, abarcar acertada e respeitosamente as mães adotivas, e as madrastas e enteados – a empresa sugere que cada um pode ser mãe de quem e do quê bem lhe convier. É linda, sim, a dedicação de mulheres aos seus pets, e agora também aos seus lírios-da-paz, mas equipará-la à vida de alguém que é responsável por outro ser humano só atrasa as conquistas femininas no mundo.

Não se trata de competição nem de possessividade sobre um título, mas, sim, de reconhecer que, depois de ter, adotar ou agregar um filho, a rotina de uma mulher nunca mais será a mesma. Encontrar (e manter) um emprego, pagar as contas em dia, sair com os amigos, arrumar um namorado, zelar pela saúde, educação e, sobretudo, pela sobrevivência daquele outro ser viram prioridades cujo preço às vezes é altíssimo.

Uma samambaia morre se não recebe água por uma semana. E uma criança, o que acontece com ela quando, por um único dia, não ganha cuidados mínimos? Sendo o pai quem falta com a rega, a consequência obviamente não é maior do que um pequeno aborrecimento, mas quando é a mãe quem não agua o rebento, o resultado é muito pior do que folhas murchas e terra seca.

O levante na internet direcionado à marca autora do post equivocado de Dia das Mães não é em nada surpreendente, assim como também não espantam ninguém as queixas indignadas de clientes que se viram representadas na propaganda, por não captarem o centro de toda a questão. De todo modo, certamente a empresa já se deu conta de que, além das desculpas já pedidas, será necessária uma boa administração de crise – afinal, quem precisa de sapatos de alguém que atira no próprio pé?

A campanha desajeitada serve, no entanto, para abrir um importante debate: se a sociedade não entendeu até hoje quem são as mulheres, tentando cercear sua jurisprudência para dá-la nas mãos de quem quer que seja, como é que podemos esperar, então, que o mundo compreenda quem é esse subgrupo tão complexo de mulheres que cedem sua vida pela vida de outra pessoa? E, se o mundo não faz ideia da identidade materna, por que o fariam os diretores de criação das agências?

Em um mercado concorrido e selvagem, ganhará o produto que se der conta de que nós, mães, somos mulheres que, por dentro, à parte o coração completa e irreversivelmente ocupado, ainda carregamos nossos sonhos de criança, nossos romances adolescentes, as frustrações e desejos da juventude. Mulheres que, não fossem as marcas no corpo e as certidões assinadas, a conta bancária devastada e uma permanente sensação de estar fazendo menos que o ideal, passariam despercebidas em meio a uma legião feminina de matizes infinitas.

Não somos “guerreiras”, senhores publicitários. Tirando as fantasias da infância, quando brincávamos assumindo papéis bélicos, temos pouquíssimo interesse na batalha, e, sim, na paz branda da normalidade. Tampouco queremos ser tratadas por “divinas”, deixando, por favor, o manto sagrado e as asas de anjo para quem pela pureza tenha apreço. É que nós, mães, pasmem, não só transamos, como também gozamos quando bem tratadas.

Não temos uma aparência específica, o que não nos permite ser identificadas de cara no comercial de TV ou em um post do Instagram – abandonar as tentativas de nos rotular e conferir um semblante comum seria de bom tom. Não somos “todo mundo”, mas também não somos “aquelas lá”.

Estão nos acompanhando? Somos, se isso bastar, simplesmente mães, aqueles indivíduos para quem a vida das pessoas a quem escolhemos amar desde o primeiro dia juntos virá sempre em primeiro lugar. Temos como objetivo único e universal garantir que nossos filhos vivam até os 200 anos de idade, com poucas quedas e cortes pelo caminho. E se, de quebra, ainda der para eles serem extremamente felizes no trajeto, para nós tanto melhor.

 

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Socorro, saudade, camarão https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/socorro-saudade-camarao/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/socorro-saudade-camarao/#respond Fri, 28 Dec 2018 02:32:08 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/avião-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=321 O telefone toca, é meu filho a 2.600 quilômetros de mim. Distingo três palavras entre os soluços: socorro, saudade, camarão. Explica que jantou uma empada, agora a barriga dói, tudo parece confuso, quer voltar para casa. Hoje é o primeiro dia da primeira viagem que faz sozinho com o pai para sua terra natal, e tomar um avião de cá para lá ou de lá para cá de volta nos deixaria quatro horas e R$ 3 mil mais pobres. Inviável.

Pergunto sobre o dia, os passeios, as comidas além da empada – nada funciona. Apelo para a música de ninar. Mas eu não sou daqui, marinheiro só, socorro, mãe, muita saudade, será meu Deus que a Gol tem promoção para Recife a essa altura do ano, quem sabe se eu parcelar em doze vezes, se acalma, filho, vai ficar tudo bem, é verdade que desse apartamento dá para ver o mar?

Mãe é tão contraditória. Não tem 24 horas que eu torcia por alguns momentos de paz para trabalhar e escrever sem o barulho do videogame, os comentários pedindo atenção para cada chefão derrotado, e agora o que eu mais quero é o corpinho magrelo por perto, o cheiro da cabeça quente suada colada na minha boca. Socorro, saudade.

Termino a ligação com uma sutil impressão de sucesso. Tomara que ele durma, que ponha a camiseta para não pegar friagem do ar condicionado. Recomendei cuidado com as janelas sem tela, com o sol forte, com os tubarões, em Pernambuco também tem que usar cinto no carro, ouviu? Mãe faz curso de chatice e pós-graduação em exagero, só pode.

O jornal conta que um garotinho de três anos caiu nos trilhos do metrô em São Paulo e morreu atropelado pelo trem. Outro menino, adolescente, se afogou dentro do carro do avô que atravessou a balsa de Santos sem frear. O pesadelo maior de perder um filho. Será que mãe tem descanso de ter medo em algum momento?

O dilema de querer para si e ansiar que se ganhe o mundo. Mãe é expert na arte de querer fugir de casa e se deprimir com o ninho vazio. Trocamos um abraço apertado antes de ele entrar no táxi de manhã – você tá chorando, mãe? A gente acha que disfarça, se segura, desaba sozinha trancada no banheiro, escondida. Coisa mais difícil do mundo isso de criar filho, socorro. Saudade.

O telefone toca. Sou eu, 40 anos, ligando para minha velha no litoral. Como é que você consegue, mãe, me ensina?

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Uma mãe exausta https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/uma-mae-exausta/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/uma-mae-exausta/#respond Thu, 08 Nov 2018 14:30:28 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/20fb7b8db73023a03e3a658ce3542d6d-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=300 Vivem dizendo que ninguém é insubstituível. E que as mães, estas criaturas arrogantes que pensam que só elas sabem fazer o trabalho todo direito, também poderiam muito bem ter um time imenso de suplentes e a vida dos filhos ia bem ficar igualzinho ao que sempre foi.

Ah tá.

Você já veio aqui em casa me visitar? Recomendo. Passe um dia em minha agradável companhia, eu peço, e depois quem sabe a gente volta a conversar. Começaremos a manhã em um horário razoável, algo entre 6h30 e 7h, a fim de dar início à rotina de manter todos os seres vivos da família ainda dentro desta categoria de vivos, se Deus quiser.

Passa-se ao menos meia hora em uma sequência que inclui a ração dos gatos, a água dos gatos, a areia dos gatos, (a remoção, no chão e móveis, dos) pelos dos gatos, a água das plantas, o sol das plantas, (a remoção das infelizmente já falecidas) folhas das plantas. Daí vem a criança, né, que, de todos estes, é quem mais espero que permaneça com vida, mantenhamos esta meta, depois quem sabe ela dobra.

E nisso eu nem vou listar tudo que precisa ser feito até o instante em que saímos de casa em direção à escola, primeiro porque, se você é mãe, já está ligada na imensidão do rolê e, segundo, porque, se você não é, vai desistir de ler meu texto e abandonar minha audiência. Digo apenas, para resumir, que é duro.

Passa por momentos de profunda diversão como o de implorar a todos os orixás que a criança pelo amor do santo daime coma ao menos uma porção do café da manhã, os ralhos pelo embaço na execução das tarefas, e a dor de barriga seguida de pânico diante da lição de casa não feita, ou do trabalho que teve um mês para ser concluído e agora precisa ser preparado em três minutos – será que a professora aceita um miojo na maquete?

Desovada a criança no colégio, restam oito horas (aqui cabe meu profundo agradecimento ao inventor do período integral) para produzir textos. Muitos textos. Para apurar matérias, para redigir notas, reportagens, críticas, para ler os livros resenhados, para entrevistar os personagens, para a reunião com os chefes, para levar bronca, para chorar no banheiro, para tomar uma xícara de café com lágrimas e voltar à cadeira porque está quase na hora de correr para buscar o filho de volta.

De noite se faz jantar, se dá jantar, se brinca com o menino, que não é só com esporro que se educa um cidadão, também se lê uma história, se roga novamente a ajuda do plano astral – agora quiçá um zodíaco – para que ele entre no banho, que lave direito a cabeça para não ficar com cheiro de frango molhado, olha esse pinto, capricha no sabonete, sai logo daí que não somos sócios da Light.

Quando ele dorme, tem início a faxina, que aqui não é Alphaville e a gente não tem empregada doméstica, as contas não fecham. Vassoura, pano, lustra-móveis, um aspirador de pó até que o síndico reclame, lava louça, lava roupa, pendura, recolhe, passa, dobra, guarda. Daqui a pouco já são 6h30 e eu preciso dormir um pouco.

Sábado vou levá-lo para cortar o cabelo. Tomara que a dentista também abra a agenda. Tinha vacina, também, eu acho, onde botamos a carteirinha? Se der tempo visitamos algum amigo. Se sobrar dinheiro, visitamos um cinema ou restaurante. Você teve um bom fim de semana?

Vivem repetindo que nem as mães são insubstituíveis. Os blogs, os pediatras, os parentes todos concordam que qualquer um conseguiria cumprir com a rotina de educar alguém. Torço para que estejam certos, porque eu ando cansada, e tenho tanto medo… Medo de não dar conta, medo de esquecer a ordem das coisas. De esquecer as coisas em si. Já pensou acordar um dia e não se lembrar mais de nada? Tomara que daí então me ajudem. E tomara que, desmemoriada e vulnerável, eu ao menos ainda me recorde de que não havia paz que pudesse superar a alegria exausta de se criar um filho.

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Por que uma mãe tem que sofrer mais que todo mundo? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/22/por-que-uma-mae-tem-que-sofrer-mais-que-todo-mundo/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/22/por-que-uma-mae-tem-que-sofrer-mais-que-todo-mundo/#respond Sat, 23 Jun 2018 00:34:04 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/maré-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=206 Eu não sei o que é morar na rua. A polícia nunca me perseguiu. Fotos minhas em que apareço nua nunca foram espalhadas sem controle ou sem minha permissão. Minha casa não pegou fogo. Desconheço a fome. Como é ser negro. Ou velho. Homem.

Minha mãe nunca morreu. Meu pai também não. Nunca fui presa nem tomei tiro. Minha mente nunca falhou, tampouco minhas pernas, que ainda me levam aonde quero. Não há, aliás, lugar aonde eu queira ir e não possa. Não sei como é não ter recursos. Passar grandes vontades.

No entanto. Ainda assim.

Conheço o vício. Perdi amores. Um órgão, dois. Olhei na cara da morte, e ela me levou pessoas. Sei o que são dois estupros. Assédios. Perdi casas, desmontei outras, invejei muitas. Senti o peso do ódio e da mão do homem. O gelo da arma de fogo na pele. Cresci sem pai. Tenho doenças incuráveis. Sonhava em ter voz, mas tenho apenas medo.

De modo que. Portanto.

Quero crer que o universo. Deus. Oxalá. Buda. Alguém. Que distribui cotas de dor em um sistema a princípio equilibrado e justo. Que ninguém vem com todas. Ou sem nenhuma. Que não há critério de acordo com gênero, idade, classe, cor. Força. Que é roleta-russa. E que a única certeza é de que a vida vai pesar em algum momento. Em muitos.

Todavia.

Tem dias de pane. Intervalos de equívoco. A inexatidão do universo. De Deus, Oxalá, Buda. Em que a partilha falha e alguém herda mais que pode. E passa a saber mais do que consegue. Quando a carga de humanidade estorva e não mais se vive, se padece.

Daí é a mãe que enterra o filho adolescente baleado. E a manchete replica a pergunta. Não viram que eu estava de roupa da escola, mãe? Mãe. Eu. Você. As nossas mães todas. Juntas beijando a testa de um menino no caixão, porque beijamos os nossos filhos e não entendemos onde foi que tudo deu errado. A conta extravasou. E ela agora precisa sofrer mais que todo mundo.

Por quê?

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Não há nada mais inconveniente do que um filho doente https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/20/nao-ha-nada-mais-inconveniente-do-que-um-filho-doente/#respond Sun, 20 May 2018 15:06:58 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/resfriadop-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=181 Fabinho vai chacoalhando no banco de trás do carro, sem cinto de segurança porque o do meio quebrou e ninguém consertou até agora, e, enroladinho na toalha felpuda emprestada, disfarça as extremidades congelando à beira da gangrena. “Puta que pariu”, grita a mãe do Fabinho pelo telefone, quando descobre que o moleque escorregou e caiu na piscina da festinha da amiga.

Ainda é sábado, mas a mãe já faz uma previsão sagaz e pessimista sobre o futuro de Fabinho nas próximas 72 horas. Ao que parece, a água gelada resfriou de maneira irreversível o corpinho de 1,40m do garoto, de modo que, a partir de agora, os problemas de saúde virão na sequência febre, tosse, gripe, vômito, pneumonia, morte. E, convenhamos, não há situação mais inconveniente a uma mãe sozinha do que um filho doente.

Fodeu, fodeu, repete, conclusiva, enquanto tira Fabinho do carro do carona, checando os sinais vitais e dando três esfregadinhas da toalha nos pulmões do menino – quem sabe assim, de modo mágico, ela ativa os leucócitos, hemácias, plaquetas, qual mesmo que protege o corpo, enfim, não importa, só mesmo que trabalhem com violência todos e quaisquer componentes do sistema de defesa de Fabinho.

Este garoto tem que ir para a escola na segunda, tá me ouvindo, e ninguém sabe direito quem tem que estar ouvindo, mas todo mundo balança a cabeça, se compadece, a gente que também é mãe sabe o perrengue de precisar sair para trabalhar e não ter o que fazer com o filho moribundo no sofá. Meter o louco e largar lá? Dá, também, para preparar um miojo, botar no tupperware, ensinar a usar o micro. Ou levar junto pra reunião, distribuir álcool gel a toda a equipe, todo cuidado é pouco na hora de evitar uma epidemia.

O telefonema clássico da enfermaria da escola não é assustador porque a gente acha que o filho caiu de cabeça e está em coma, mas, sim, porque passa na nossa frente aquele filme – trailer, no caso – revelando o pesadelo dos próximos dias úteis. Quem eu posso acionar para ficar com o Fabinho? Meu RH aceita atestado de acompanhante? Será que o diretor da empresa será compreensível? Quanto tá pagando cada parcela do seguro-desemprego? O Temer já acabou com os benefícios todos?

Telefonei há pouco para a casa da mãe do Fabinho, amanhã é dia de aula. Com voz rouca, quem atendeu foi o garoto, menos mal, pensei, ao menos ainda parece estar respirando. Oi, querida, como é que ele tá, e o prognóstico é animador, porque Fabinho deve, sim, ir para a escola nesta segunda. Amém, amém, nessas horas qualquer ateu vira devoto, mas, escuta, tá mesmo 100%? Zero febre, nada de tosse, certeza que não vai transmitir para ninguém? Sacumé, né, amiga, se o meu menino cair de cama, quem vai se ferrar sou eu.

 

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Mãe, posso fazer uma pergunta? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/mae-posso-fazer-uma-pergunta/#respond Fri, 11 May 2018 14:21:43 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/mãe-320x213.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=164 Mas já? Só mais cinco minutinhos? Por que você é tão chata? Precisa arrumar a cama hoje? Pega uma meia pra mim? Você sabe onde tá meu uniforme? Faz meu leite? Bota mais açúcar? Mais manteiga? Mais leite, agora? Tem que comer tudo? Por que fruta é tão nojenta? O que você vai mandar de lanche? Eu já escovei, você duvida? Na minha irmã você acredita, não acredita? Por que todo mundo me odeia nessa casa? Você carrega minha mochila? Não tá vendo que tá mó pesada? Você quer que eu fique corcunda? Não falei que você me odeia? Por que não dá pra ir de carro? Eu odeio andar, você não sabia? A gente vai se atrasar? A culpa vai ser minha? Você explica pra professora? Será que a gente corre? Promete que me busca? Tudo bem se eu sentir saudade? Torce pra eu ir bem na prova? Por que você demorou? Se eu te contar que senti medo você briga? O que você vai fazer de jantar? Posso comer só metade? Tem refrigerante? Posso ver TV? Eu tô com fome, me dá alguma coisa? Precisa ir dormir agora? Sabia que meus amigos vão pra cama bem mais tarde? Eu já escovei, você duvida? Conta uma história? Canta uma música? Acende o abajur? Eu vou ter pesadelo? Se eu tiver eu te chamo? Você garante que vem? E se eu morrer dormindo? E se você morrer dormindo? Por que as mães não vivem pra sempre? Desculpa que eu te chamei de chata? Amanhã promete que brinca? O que você faz depois que eu durmo? Me dá um beijo de boa noite? Você me ama? Mais que eu amo? Tá chato eu fazer tanta pergunta? Você é a melhor mãe do mundo, parabéns.

 

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Mãe, quer ser minha melhor amiga? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/13/mae-quer-ser-minha-melhor-amiga/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/13/mae-quer-ser-minha-melhor-amiga/#respond Wed, 13 Sep 2017 19:37:34 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/Fotolia_108334370_Subscription_Monthly_M-180x120.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=48 De pé, calçando sandálias sem salto, a cabeça dela alcança meu ombro. Ou meu queixo, talvez, não sei dizer precisamente. Os peitos grandes, que herdei dela e de todas as mulheres da família, em mim ficaram minúsculos, depois de cirurgias e filho. Os cabelos em sua cabeça brotam finos e em abundância, e em mim rareiam, embora grossos. Tenho ossos pontudos e visíveis, enquanto nela as formas se arredondam. De modo que, pode-se dizer, em uma comparação breve e superficial, que minha mãe e eu não nos parecemos em praticamente nada.

Do desequilíbrio físico, possivelmente, veio a relação difícil e muitas vezes distante. Se bem que não sei se pessoas se distanciam ou estranham só porque não se coincidem – será condição para a afinidade a identificação nos espelhos? Os gostos, também diversos, se multiplicavam com o passar dos anos, abrindo abismos que nos punham em extremidades tão distantes a ponto de, em alguns momentos, ser impossível para uma enxergar por onde a outra caminhava.

De todos os vínculos que acumulei na vida, aquele com minha mãe foi o mais complicado e também o que me ensinou uma importante lição sobre relacionamentos: as coisas demoram a crescer, e é preciso aceitar a velocidade do tempo.

Por muitos anos, não fomos melhores amigas. Ficamos sozinhas desde muito cedo – desde o princípio, na verdade, porque ela ainda estava grávida quando meu pai decidiu que era hora de terminar o casamento. Sei – porque me contam e também porque acho que me lembro, já que a mente se encarrega de criar falsa memórias quando uma história é ouvida milhares de vezes – que ela abriu mão de tudo para se dedicar à maternidade. Que deixou de cuidar de si, que se congelou em meu favor.

Eu tinha uns oito anos, e ela precisava trabalhar até muito tarde. Quando se atrasava para voltar, eu corria à janela da sala para procurá-la na rua, buscando seu um metro e meio (ou serão um e sessenta?) lá embaixo na calçada, eu, pendurada, sem tela, no quarto andar do prédio em que morávamos. Se não tinha a sorte de avistá-la, o que com frequência acontecia, gritava, chorando sozinha, chamando “mamãe” muito alto, enquanto, mentalmente, rezava para que a força do desejo infantil tivesse o poder de trazê-la de volta para casa. Falhei incontáveis vezes.

Àquela altura, nossa relação era de dependência mútua, e não de amizade. Éramos ambas pura fragilidade e medo, ainda que disfarçadas de fortalezas, mas, não, ainda não éramos melhores amigas.

Quando ela fez 40 anos, me lembro de pensar “Pronto, agora minha mãe é uma velha”. Pensamentos são só pensamentos, claro, e ninguém podia escutar os meus, mas, culpada só por imaginar que ela pudesse saber que, dentro de mim, havia crueldade capaz de produzir julgamentos até mesmo a seu respeito, me escondi dentro do guarda-roupas. Torcia, lá de dentro, para que o dia seguinte chegasse e, com ele, o perdão por tudo que minha cabeça produzia.

Saí de casa não muito depois daquilo. Hoje sei que larguei para trás uma mãe arrasada, abraçada ao velho cocker spaniel da família em busca de consolo e companhia. Quem cochilaria as madrugadas ao seu lado no sofá, assistindo canais de compras na TV da sala? Quem a acompanharia nos almoços de fim de semana, ou nos cafés da manhã na cozinha ao som das notícias do rádio, sintonizado sempre na mesma estação?

Não éramos amigas ainda, verdade. Mas éramos, já, um exército de duas tentando sobreviver ao mundo lá fora. Juntas. Eu sempre em silêncio, negando, mas guiada pelo amor que ela construiu para nos salvar e sustentar a vida toda.

É preciso tempo, me ensinou minha mãe. Uma árvore daquelas imensas e frondosas talvez tenha crescido mais rápido do que a amizade entre nós duas. Levamos anos, sabemos, quase 30. Foram precisos traumas, brigas, distanciamentos, netos, até que chegássemos aonde – ainda que eu não admitisse – sempre sonhamos chegar.

Minha mãe nos amou por nós duas, enquanto eu ainda relutava, imatura e rebelde, a enxergar que éramos iguais desde o princípio. Sou, agora, minha mãe inteira. Nas fotos, na voz, nos trejeitos, me reconheço e confundo em uma simbiose que amo e espero nunca perder.

As coisas demoram a crescer, e, quando crescem, nos fazem desejar que seja possível desfrutar delas o máximo que nos for permitido. De minha mãe, quero toda a companhia que me possa dar, toda a proximidade e troca. Este é, pois, um pedido de desculpas, e um acerto de contas com a vida. Hoje, o que mais espero é que minha mãe me aceite como sua melhor amiga, e que queira ficar por perto. Torço por nós. E espero, acima de tudo, que tenhamos todo o tempo que o tempo nos der.

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Seis lugares em que toda mãe pode dormir sem culpa https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/05/seis-lugares-em-que-toda-mae-pode-dormir-sem-culpa/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/05/seis-lugares-em-que-toda-mae-pode-dormir-sem-culpa/#respond Tue, 05 Sep 2017 20:04:39 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/Foto-post-top-10-lugares-mães-Isadora-Brant-12-fev-2011-Folhapress-180x121.jpeg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=38 Quando nasce um filho, nasce também uma mãe com sono. A alegria de criar um ser humano, vê-lo crescer feliz e saudável, cobra um preço chamado noites em claro.  Seja na fase do recém-nascido, com sua amamentação e troca de fraldas, seja quando eles viram adultos e vão para a balada com o celular desligado, as mães destas criaturas não dormirão normalmente nunca mais em suas vidas, o que faz de nós pessoas com olheiras tão profundas quanto nosso desejo de dar uma cochilada nem que seja por dez minutos.

E toda mãe sabe o quanto esses cochilos são utópicos. Primeiro porque é impossível ficar sozinha depois que se tem filhos – ser mãe é fazer cocô com companhia até que um dia a gente morre e não precisa mais ir ao banheiro, eu costumo avisar às amigas. Segundo porque, ainda que se consiga ajuda de alguém para olhar as crianças um instantinho, haverá sempre a culpa de estar fazendo algo para si mesma, bem como o telefone tocando com o papai ou a vovó do outro lado da linha: “E aí, querida, que horas você volta?”.

Pois saibam que há luz no fim do túnel. Elaborei, nesta uma década de maternidade, um breve guia de truques para dormir um bocadinho sempre que a rotina me esgota, e agora resolvi apresentá-los à humanidade. São seis lugares maravilhosos, em que é possível descansar alguns minutos, e voltar para casa renovada, cheia de vontade de mandar todo mundo escovar dente e fazer xixi antes de ir para cama.

1) Aparelho de ressonância magnética

Excelente opção, exceto para mães claustrofóbicas. Se você acha que fica de boa enfiada em um tubo com o diâmetro pouco maior que o das suas coxas, sem pensar que vai morrer por absoluta falta de oxigênio, este talvez seja o seu lugar. A máquina, toda alva e gigantesca, fica em uma salinha muito limpa, sem peças de LEGO nem farelos de biscoito espalhados pelo chão, o que, a meu ver, já é um imenso atrativo. Enfermeiras cordiais colocarão você deitada em uma espécie de maca móvel, com colchãozinho e travesseiro, e cobrirão seu corpo vestido em um avental com uma manta quentinha e felpuda, tudo esterilizado, bem mais limpo que o edredom cheio de manchas que nem o Omo Multiação dá mais conta lá em casa. Depois de tudo preparado, a maca desliza suave para dentro do tubo, uma penumbrinha confortável, e o exame, em si, começa. A princípio, a barulheira pode parecer um pouco assustadora, especialmente nos momentos em que parece que a máquina grita DIE DIE DIE (e eu não vim aqui para morrer, honestamente, tenho sono, ok, mas preciso resolver um montão de coisas antes de partir), mas é só relaxar por alguns minutos, imaginando que se está, sei lá, em um show de música eletrônica, e tudo ficará bem. Em alguns casos, talvez seja preciso manter um acesso venoso no braço direito, a fim de injetar substâncias durante o exame, mas não é nada que incomode – dói menos que acordar de madrugada para trocar fralda, isso eu garanto. O processo todo leva, em média, uns 40 minutos, tempo suficiente para dar aquela renovada na disposição. Recomendo agendar o exame para o fim de tarde, a fim de coincidir seu término com o horário da saída da escola das crianças.

2) Maca da depiladora

Já falei algumas vezes aqui sobre meu trauma com depilação do buço com linha, e sobre como prefiro dar à luz 25 filhos antes de entregar meu bigode àquele poderoso instrumento de tortura. No entanto, usar cera quente para depilar outras partes do corpo é, para mim, algo tranquilo, pelo que passo, muitas vezes, até dormindo. De modo que, vejam a ocasião: agende no salão um horário extenso, a fim de arrancar fora cada folículo capilar presente em seu corpo. Deite-se, relaxada e nua, naquela confortável toalha de papel. A depiladora cuidará do seu corpo com todo o carinho, enquanto você cochila profundamente, recuperando as energias gastas nas últimas horas defronte à pia esterilizando mamadeiras, bicos e chupetas. Quando acordar, além de bem-disposta, você também estará careca – tudo bem, nada que um mês longe da gilete não resolva.

3) Fila de banco

Veja bem, é preciso que seja um banco, especificamente, e não um Poupatempo, por exemplo, que é uma das poucas instituições públicas que realmente funcionam, e de onde você sai com tudo resolvido antes mesmo do horário agendado. Pois bem, um banco. Escolha o de sua preferência, seja porque a palheta de cores do logotipo é agradável segundo os preceitos da cromoterapia, seja porque é uma bandeira que tem agências mais perto de casa. Certifique-se de esvaziar a bolsa de todos os metais desnecessários, bem como de deixar na gaveta pulseiras, anéis, relógios e cintos que contenham peças que possam apitar na porta giratória, evitando, assim, a necessidade de ficar pelada para conseguir entrar, algo que certamente acabaria com o sono, eliminando automaticamente a razão de se ir a um banco.  Uma vez lá dentro, pegue sua senha, e prepare-se: a espera será extrema. Assim que encontrar uma cadeira disponível, de preferência perto de uma parede, acomode-se. Se possível, encoste a cabeça, para não ficar ricocheteando e dando vexame. Assegure-se de colocar o celular para despertar, já que, obviamente, atendente nenhum vai chamar sua senha antes do fim do expediente. Às quatro da tarde, quando os seguranças já estiverem impedindo novos clientes de entrar, você finalmente será convocado à boca do caixa, onde pode, inclusive, aproveitar para pagar contas que realmente precise, ou, senão, trocar uma ideia com o simpático funcionário sobre quantas mensalidades da escola é possível quitar com sua restituição do imposto de renda.

4) Sala de espera de consultório do médico do convênio

Ginecologistas costumam ser uma das especialidades com maior procura e tempos maiores de consulta, especialmente aqueles que são também médicos obstetras. Suas chances de ficar por último na prioridade de atendimento aumentam consideravelmente se você não estiver grávida, já que pessoas preparando outras pessoas têm mesmo é que passar na frente de todo mundo. Outra boa opção para garantir uma espera severa também são os otorrinolaringologistas, já que, com esse clima estúpido, não há quem não fique com um probleminha de garganta, e também os gastroenterologistas, porque o estresse da vida moderna é capaz de dar dor de estômago até mesmo no Dalai Lama. Um truque que uso bastante quando quero ter certeza de que vou passar horas esperando minha vez é marcar horário em consultórios localizados em prédios, que tenham em seu endereço o complemento “conjunto não-sei-das-quantas” – por serem espaços menores, a chance de haver apenas um médico atendendo cresce, e, consequentemente, cresce também a demora até chamarem meu nome. Não levo livro, e deixo o celular desligado. Escolho entre uma daquelas revistas maravilhosas disponíveis na mesa de centro, folheio por cinco ou dez minutos, e bingo!, desmaio cansada no sofá de courino. Seja forte e não aceite as gentis ofertas da secretária, que pode mencionar palavras como água, café, e até mesmo biscoitos – perder tempo degustando alimentos no período em que se poderia estar cochilando é um erro comum e que deve ser evitado.

5) Cadeira do dentista

Mãe que é mãe está sempre com algum problema na boca que vai resolver “assim que tiver tempo”. E, se não sobra tempo nem para respirar, que dirá para visitar o dentista a fim de trocar aquela restauração quebrada, conter o sangramento na gengiva, tirar o tártaro da arcada inferior, ou remover os sisos que nasceram na adolescência e lá ficaram até os dias de hoje. Pois agora é a hora de resolver tudo. Se você é daquelas que dormem de boca aberta normalmente, há grandes chances de que, na cadeira do consultório, também encontre a paz tão merecida. Cheque com o profissional se é possível tomar uma anestesia geral junto com a da boca – ele dirá não, mas, né, não custa tentar. E, ainda que sem sedação, é possível repousar o suficiente e garantir as forças necessárias para a hora de ajudar na lição de casa depois do jantar. Dentistas têm a estranha mania de tentar se comunicar com pacientes que claramente estão impossibilitados de executar essa ação, dados os 19 instrumentos pendurados em sua boca durante o tratamento. Não se preocupe. Responda “aham” para tudo, ainda que não seja verdade – ele é seu odontologista, e não seu psicólogo. Feche os olhos e, mesmo já antes de cair no sono, finja adormecer profundamente. Isso ajuda na indução do cérebro, e corta definitivamente a conversa desnecessária. Acorde para cuspir.

6) Delegacia

Não sei o quanto você é familiarizada à legislação do estado de São Paulo, mas há, aqui, uma resolução interessante: é proibido fritar ovo com gema mole. Em casa, minhas gemas são sempre líquidas, para que eu molhe meu arroz e meu pãozinho nelas, mas, nos restaurantes, padarias e afins, os cozinheiros são proibidos de servir qualquer coisa que não esteja em seu estado mais sólido possível. O que é uma pena para o paladar, pode, no entanto, se transformar em uma grande oportunidade para mães que buscam uma noite de sono fora de casa. Quebre as regras, viole o estatuto, entre na cozinha da padaria mais próxima, quebre aquele ovo maroto sobre a chapa e retire-o logo em seguida para botar no prato. Com sorte, alguém chamará a polícia, e você passará uma noite na delegacia a fim de prestar explicações. Na manhã seguinte, pague a fiança e, refeita, corra para casa para preparar o café da manhã das crianças – com gema mole, óbvio.

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Sobre aprender a ser mãe e não interferir https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/08/18/sobre-aprender-a-ser-mae-e-nao-interferir/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/08/18/sobre-aprender-a-ser-mae-e-nao-interferir/#respond Fri, 18 Aug 2017 19:57:59 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/08/Fotolia_167719265_Subscription_Monthly_M-180x120.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=26 Vai ter festa do pijama este fim de semana lá em casa. Após algumas assembleias domésticas para decidir o formato da comemoração do aniversário de nove anos, meu filho escolheu o que parecia ser a opção mais simples de planejar, mais divertida, e, óbvio, fator essencial à fatia adulta do núcleo familiar, com o orçamento mais em conta de todos. Iupi.

Como moramos em um singelo apartamento e não em um imenso complexo hoteleiro, foi preciso limitar a lista de convidados a um número de crianças que a sala e o quarto pudessem comportar.

Desejei, eu, por alguns segundos, dando vazão àquele sentimento humano que teme o caos, que morássemos em uma quitinete e fosse possível convidar apenas meio menino? Sim. Chorei internamente prevendo pilhas de louça suja e uma madrugada em claro com vontade de fugir? Também. Mas, obviamente que não se trata de contentar a mim, e, com isso, quatro garotos receberam a convocação.

Quatro, mas que deveriam ser cinco. A lógica infantil por vezes age torto por linhas mais tortas ainda, e, ao fazer a escolha, meu filho deixou de fora um dos melhores amigos da escola – “ele de mal de mim, mãe, nem adianta eu insistir”, justificou, sem nem tentar.

Aqui em casa, depois que as crianças ultrapassaram aquele limite de idade em que conseguem antever minimamente as consequências das suas escolhas, a lei é deixar o baile seguir até que seja preciso intervir para socorrer alguém – e, na maioria das vezes, nem precisa.

Claro que, com isso, ninguém bota a vida de ninguém em risco. Óbvio. Mantendo as circunstâncias de temperatura e clima sempre estáveis, o nosso circo – bate na madeira – nunca pegou fogo. Produziu, no máximo, uma ou duas simples faíscas.

A filosofia do “soltar” faz, para mim, parte do que compreendo como uma das tarefas mais difíceis e essenciais do ser mãe. Assistir a cria de uma distância segura, sem interferir, exige mais que desprendimento: é preciso segurança, maturidade, altruísmo, bem como uma boa dose de fé e, por vezes, um modelo bacana de camisa-de-força.

Que mãe não sofre para não ceder aos ímpetos de segurar o banco da bicicleta para sempre, até que a Terra acabe, enquanto o filho aprende a pedalar sem rodinhas? Qual de nós não chora secretamente quando é preciso deixar um bebê tão novinho na creche, já que alguém aqui tem que trabalhar?

Conheci, uma vez, a mãe de uma coleguinha de classe que não permitia que a menina fosse aos passeios programados pela escola. Morria só de pensar que o ônibus tombasse e matasse todos os alunos. Por dentro, eu sentia o mesmo que ela. Mas preferia acreditar que, se fosse para um acidente acontecer, ele se daria de qualquer maneira conosco em um carro, ou voltando a pé da feira, mesmo que fosse na esquina de casa.

No caso da festa do pijama e do convidado esquecido, era importante que o anfitrião compreendesse que na vida há dois tipos de pessoas – aquelas que fazem cagadas e se imobilizam, lamentando o próprio erro, e aquelas que fazem cagadas e correm logo em seguida para solucioná-las. A vida, filho, repeti, é esta mesmo, cheia de tropeços, e crescer envolve presumir que nossos remendos são os que melhor poderíamos ter escolhido.

Ele vai completar nove anos, e foi posto diante do desafio de resolver a armadilha em que ele mesmo havia se colocado. E não há verbetes suficientes em dicionário nenhum que definam o orgulho que senti ao vê-lo desatar o nó e seguir em frente. Serão cinco crianças, neste fim de semana. A casa, provavelmente, vai ruir com tudo dentro, incluindo os brigadeiros e o bolo Floresta Negra. E nós, responsáveis pelo aniversariante, não poderíamos estar mais felizes com o caos que está por vir.

Ser mãe, pelo que vejo, é resumidamente confiar. Confiar, sobretudo, em si mesma e nas escolhas que fazemos ao longo desta infinita jornada. É confiar nos nossos filhos e na capacidade que eles devem ter de sobreviver até os cem anos, quiçá 150. Ser mãe é, por fim, confiar no poder do universo, e na certeza de que ele nos será leve e afável enquanto nos for permitido.

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