Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O uniforme que eu posso te dar https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/o-uniforme-que-eu-posso-te-dar/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/o-uniforme-que-eu-posso-te-dar/#respond Mon, 09 Aug 2021 17:51:06 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/1_serie_manhas_de_setembro_liniker-6624753-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=968 Só uma semana de aulas presenciais até agora, e já visitei a loja de uniformes do colégio três vezes. Nada custa menos de R$ 50 lá dentro, o que significa que, além do gasto de tempo para ir até o Pacaembu e voltar, há também o tanto que se tira da carteira a cada passadinha.

Meu filho tem quase 13 anos e cresce cerca de meio metro por hora que fica no sol –à sombra, o ritmo parece mais lento, o que dá algo entre 15 e 20 centímetros no mesmo período de tempo.

É burrice comprar muitas peças de roupa em tempos assim, porque, semana que vem, uma calça servirá apenas como short, camisetas largas virarão babylook, e casacos se tornam boleros roçando o sovaco (agora peludo) em questão de minutos.

Mas, sim, eu visitei a loja três vezes, e nas três vezes consumi itens, toda cega e milionária. É que me dá gosto comprar uniformes para ele.

A vida de mãe solo nunca foi fácil, mas houve momentos ainda mais complicados. Eles coincidiram justamente com a fase em que uma criança pequena suja roupas o dia todo, todos os dias. É porque o suquinho derrama na blusa, é porque foi dia de dar carrinho na quadra na hora do recreio –sempre tem uma explicação boa pra que tudo volte imundo do colégio.

E nem mesmo o luxo que é ter uma máquina de lavar concede privilégios suficientes a quem, às dez da noite, pendura no varal uma roupa que precisa estar enxuta às sete da manhã. Por uma década, sequei muita camiseta na porta do forno, atrás da geladeira, no ferro e com secador de cabelos.

Funciona assim quando não se tem dinheiro para comprar mais de duas camisetinhas e uma calça –nada custa menos de R$ 50, afinal.

Quando nem assim dava pra secar o uniforme, quando não funcionavam nem o forno, a geladeira, o ferro, o secador, Teodoro ia para a escola vestindo um uniforme usado, sem lavar, disfarçado com um spray cheiroso daqueles que ajudam a passar as roupas na tábua.

Era nesses dias que eu tinha certeza de não haver mãe pior que eu no mundo.

Assisti ontem a “Manhãs de Setembro”, série da Amazon Prime que tem Liniker como protagonista. Estreou em junho passado. Chorei de novo, igual chorava escondido naqueles dias passados.

Uma personagem manda o filho escolher: ou vai de uniforme molhado, ou vai de vestido emprestado pra escola, porque não deu tempo de a única camisetinha secar.

Se eu já visitei a loja de uniformes três vezes só na última semana, foi porque, agora que a vida melhorou um pouco à custa de muito trabalho, eu finalmente posso comprar as coisas que sempre quis para o meu filho.

Sinto prazer em trazer a sacola pra casa, dar as peças na mão dele e ver que tudo serve, que está tudo limpo, que há itens suficientes para revezar e higienizar e depois guardar na gaveta.

Já houve um tempo em que torci pra que ele crescesse sem nunca saber que, às vezes, foi pra escola de calça remendada às pressas, de camiseta molhada ou sem lavar. Mas, agora, meu maior desejo é que ele se lembre de todos os detalhes.

Porque, lembrando tudo, ele poderá trocar a memória velha por uma melhor e mais honrosa, e, quem sabe, até ter um pouco de orgulho de mim.

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Você vai amar seu filho quando ele crescer? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/voce-vai-amar-seu-filho-quando-ele-crescer/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/voce-vai-amar-seu-filho-quando-ele-crescer/#respond Wed, 22 Jul 2020 18:47:33 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/fita-métrica-2-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=749 Virei motivo de chacota em casa porque respondi ao meu filho que um cubo tem quatro lados. Era uma segunda-feira, a tarde bombando de trabalho, telefone a mil, matéria para entregar, e ele enfia o caderno de matemática na frente do computador, com a dúvida à queima-roupa. Não prestei atenção, errei feio, passei vergonha.

Ter virado professora do Fundamental 2, junto com minha atuação como jornalista, foi uma guinada inesperada na carreira. Não estava nos meus planos ter que lidar com frações enquanto faço uma entrevista, por exemplo, ou relembrar os tipos de relevos do solo na mesma hora em que esfrego Bombril no fundo da panela de pressão.

Chama-se circunstância, e que sorte o acesso às aulas online enquanto tem gente com a vida escolar suspensa, sem dúvida. Mas põe para pensar em questões que vão muito além da funcionalidade do homeschooling, da sobrecarga feminina e dos malefícios da pandemia. Roubar dois lados do cubo me expôs à por vezes esquecida consciência de que filho é filho para sempre.

Todo mundo sabe que eles vivem por anos, glória a Deus, a ideia sempre foi essa, de que só morram quando ficarem insuspeitadamente muito velhinhos, mas é raro que se pare para pensar sobre o quanto o grau de dificuldade para criá-los só aumenta com o passar do tempo.

O dia do cubo capenga se transformou em piada porque as consequências foram só mesmo a desonra temporária de minhas habilidades matemáticas, mas outras manhãs e tardes bem mais complicadas têm sido frequentes na rotina da família presa em casa, de quarentena.

Por saco cheio do isolamento, ou por total ausência de gosto pelo assunto, ou até mesmo – admite-se, sim, essa possibilidade – uma latente falta de talento para os estudos, o pré-adolescente que botei no mundo vem progressivamente se enrolando nas obrigações da escola a distância. E, enrolado, deu para trapacear.

Em meio às lições esquecidas, as aulas puladas, as provas não dadas, e tudo entre muitas e muitas aspas aqui, nem os hipotéticos filhos do Dalai Lama passariam sem levar bronca dos pais. À beira dos 12 anos, o delinquente estudantil em formação é confrontado com veemência, e em nada lembra o bebê amável cuja maior proposta de desafio era não saber dividir os brinquedos com os outros.

O Facebook outro dia mostrou uma postagem em que uma mulher questionava às amigas se a maternidade trazia, por si só, um acalmar dos desejos e dos ânimos. Não traz. Ser mãe e pai complica conforme crescem os filhos, as diferenças, as identidades.

A vontade de sair sem volta para comprar cigarros, à qual obviamente a sanidade não permite sucumbir, é proporcional às implicações do mau comportamento dos filhos. Combinadas ao elemento frequente da ausência paterna, transforma as mães em criaturas não só exaustas, mas assustadas com a progressão de tudo. Onde é que isso vai parar?

A escola – online, presencial, universal, interplanetária, o que seja – deveria contemplar, em conjunto com as famílias, uma educação para a paternidade e a maternidade. Levar aos jovens a informação de que ter ou não filhos é talvez a decisão mais importante que vão tomar em toda a vida, ainda mais séria que a escolha da profissão no vestibular.

Lembrá-los, e a todos os casais que sonham com uma criancinha adorável correndo pela casa, que a infância passa, e é seguida pela complexa adolescência, pela juventude, a fase adulta, e que a necessidade que os filhos têm dos pais não desaparece com o tempo. Pelo contrário, só aumenta.

Não vai mais ser só segurar a mão para evitar a queda, acordar de noite para dar leite, enxugar as lágrimas do susto, dar abraços fortes na doença. Agora que seu bebê cresceu serão exigidos de você retidão nos exemplos, firmeza nas cobranças, coerência nas ações e sentimentos – e essa é a combinação mais difícil do mundo.

Costumo responder às amigas que perguntam se devem ou não ter filhos que nesta dúvida já está contida a resposta: não. Você vai amar a criança quando ela crescer? Criar filhos é para quem tem certeza de que quer o compromisso de ser desafiado constante e gradualmente até o fim da vida, sem hesitação.

Porque ser pai e mãe de crianças fofas é fácil, mas estar disponível para adolescentes rebeldes e adultos com problemas de gente grande é uma jornada bem mais complexa. E o amor a um filho na plenitude do projeto só é possível quando a gente lembra que, junto com seus corpos, crescem também suas exigências.

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A quarentena é mais difícil para o homem https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/06/19/a-quarentena-e-mais-dificil-para-o-homem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/06/19/a-quarentena-e-mais-dificil-para-o-homem/#respond Fri, 19 Jun 2020 18:52:13 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/homem.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=725 Tem gente perdendo parente, tem desempregado, tem morador da favela, e dono de negócio falindo, mas ouvi dizer que a quarentena está difícil mesmo é para o homem. Fatores intrinsecamente ligados à masculinidade encontram-se, dizem, acima de todas as dificuldades e agravantes neste severo período que o mundo enfrenta. Estou consternada.

Até os políticos já se deram conta disso e vêm tentando nos avisar. Enquanto o presidente da República entende que salões de beleza são essenciais e autoriza seu funcionamento em meio a uma pandemia que já matou quase 50 mil, um vereador no Mato Grosso do Sul alerta para o óbvio: “Imagina a mulher sem fazer sobrancelha, cabelo, unha, não tem marido nesse mundo que vai aguentar”.

Deve estar complicado mesmo. Acordar todo dia ao lado de uma mina que arruma a casa, arruma o almoço, arruma os filhos, arruma trampo, arruma dinheiro, arruma tempo, mas não se arruma, ah, tenha dó. Realmente não há meios pra que um casamento sobreviva.

Nestas condições, falaram, fica tão difícil ser um cara na quarentena que restam poucas alternativas além de agredir a esposa. Claro, são todos os homens aqui pessoas de bem e respeitosas, não erguem a mão nem pra uma flor, mas agressão verbal todo mundo sabe que existe desde que o mundo é mundo, e se não deixa marca é porque não feriu.

Gorda. Feia. Descuidada.

Isso fora o problema que as mulheres criaram ao ficar em casa o tempo inteiro, acabando com o espaço para as necessidades vitais masculinas. Não há quem sobreviva sem poder bater punheta, por exemplo. E auxílio emergencial pra isso o governo não inventa. Sumir com a namorada de casa um pouco. Porque transar é legal, mas gozar sozinho olhando pra tela do computador não tem preço.

E quem tem filho, então? Coitado. Vocês não imaginam o tamanho da dificuldade. Agora, com a quarentena, é preciso fazer tudo que antes alguém – não sei quem exatamente – fazia. É exaustivo ter que ajudar a mulher em tudo. Ajudar. Fazer metade, ou quase isso. Onde já se viu ter que trabalhar e ainda decidir o que as crianças vão comer no jantar.

Ser homem e pai na quarentena anda muito custoso até mesmo para quem não mora junto com a chata de uma mulher, porque conseguiu se livrar deste problema antes do coronavírus. Ela aparece toda semana, entrega a criança e sai andando, e nem pra ficar e trocar uma fralda, dar uma força, botar pra dormir. Fica tudo na mão do homem, obrigado a cuidar sozinho do próprio filho.

Certos estão aqueles que, pela bênção de Deus, moram em outra cidade, estado ou país. Assim basta dar um telefonema semanal, e se não quiser ligar também tudo bem, porque criança esquece rápido, se ocupa com videogame, não vai nem registrar que o pai faz tempo que não aparece. E é claro que se pegar Covid tem a mãe para resolver. Mulher é para isso.

Mas e pros solteiros sem filhos nem cachorro nem parente, sem vó morando junto, sem compromissos, será que também tá complicado? Super. Primeiro que da única vez que eles tentaram chamar a empregada pra dar um jeito na casa as mulheres da família já falaram um monte e encheram o saco.

Segundo que, sem quem limpe, cozinhe e lave, sobra menos tempo para a punheta, para o Netflix e para o Zoom com os brothers. Fora que alguém tem que trabalhar nessa casa. Porque a vida não é só diversão. Não dá para eu passar duas horas no Tinder, por mais que eu queira, quando há boletos vencendo e uma chefe (tinha que ser mulher) pesando na minha.

A quarentena, disseram, está difícil mesmo é para o homem. Bom seria ter nascido mulher, que consegue tudo mais fácil na vida.

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Festival de DR 2020 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/01/13/festival-de-dr-2020/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/01/13/festival-de-dr-2020/#respond Tue, 14 Jan 2020 02:21:03 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/bem-casado-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=602 Pelo telefone, gesticulando bastante enquanto anda pra lá e pra cá, o rapaz negocia com alguém do outro lado da linha a locação de uma casa via plataforma de hospedagem. Fala de detalhes como número de pessoas, data e horário, questiona se prestadores de serviço são aguardados, e menciona as palavras horripilantes: “troca de alianças”.

Ele larga o celular em cima da mesa, satisfeito, e explica que acaba de fechar negócio com um casal que alugou seu sítio por um dia. A quantia é boa. Farão, lá, a cerimônia que compreende entregar um para o outro um anel, e deve tudo acontecer diante de dezenas de convidados, fotógrafos, cinegrafistas. O que antes se chamava jantarzinho de noivado, agora ganha ares de espetáculo.

Sou a única por fora da nova onda. Em uma rápida busca na internet, entendo que se trata de importante tendência, isso de fazer uma festa gigante. Eu, que achava que, no tocante aos matrimônios, havia apenas uma celebração única, me dei conta da minha senioridade. Hoje, parece, in mesmo é comemorar loucamente cada minuto.

Tudo começa com um rendez-vous para pedir alguém em casamento. Lembra quando a ocasião se resumia a uma discreta ajoelhada em um lugar bonito, só nós dois, olha que anel chique eu trouxe nessa caixinha? Esquece.

Hoje é preciso fazer live no Instagram, depois postar stories, daí chamar alguém pra editar e botar música de fundo, e de preferência roteirizar de um jeito que aumente as chances de o pedido viralizar. Torcer pela resposta “aceito” é o de menos.

Chega, então, a tal troca de alianças, com sítio alugado e superprodução. Em seguida, pelo que pesquisei, vêm as provas do vestido, com champanhe e canapés, iates com roupões personalizados ou noitadas com moças de aluguel para dizer tchau ao antigo estado civil, o dia da noiva e do noivo, e, lá nas últimas páginas da agenda, a cerimônia de casamento em si.

De onde essas pessoas tiram tanto fôlego? Animados que são, não demora muito e a noiva engravida. Sempre achei que gestações se resumiam a duas pessoas transando e um bebê nascendo, mas não. Você não imagina o potencial que a junção de gametas tem.

Não há nada mais jacu hoje em dia, dizem, que esperar o nascimento da criança para descobrir seu sexo. Bacana mesmo é fazer um chá de revelação, com balões, bolos e pirotecnia no melhor esquema meninos vestem azul, meninas vestem rosa.

Mais tarde, um chá de bebê, para angariar alguns presentes, daí o fuzuê na maternidade, e então encontros mensais a fim de acender velinhas para a criança a cada 30 dias de vida alcançados. Parabéns, Enzo Gabriel, por ser essa dádiva incessante.

A necessidade de transformar tudo em espetáculo só evidencia a mediocridade da vida de aparências que a gente decidiu levar. Nela, se nada mais é especial, que se faça de tudo uma extravagância.

Rezo pelo dia em que o disparate chegue ao ponto de recebermos em casa os convites para o Sarau de Concepção, o Evento da Primeira Papinha Salgada, a Farra da Traição no Motel, o Festival de DR 2020, e, óbvio, a Solenidade de Divórcio no Cartório Central da Cidade. Com tanta festa boa de casal e neném para ir ao longo do ano, passou da hora de os velórios se reinventarem.

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O verdadeiro amor de mãe https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/11/25/o-verdadeiro-amor-de-mae/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/11/25/o-verdadeiro-amor-de-mae/#respond Mon, 25 Nov 2019 20:23:00 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/amor-de-mãe-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=569 O repórter do programa de variedades entrevista o elenco da nova novela, e pergunta a uma das atrizes principais como ela tem feito para conciliar gravações e maternidade. Para o protagonista, pai de dois, a questão foi sobre expectativa de sucesso, porque não é obrigação masculina conciliar filho com coisa nenhuma, e alguma mulher vai resolver isso por ele.

“Amor de Mãe” é a história que estreia hoje, e, na propaganda, já dá pra ver que o que não vai faltar é matriarca de família gigante passando perrengue. Mas voltando à entrevista. A estrela, uma mulher talentosa e bonita, mesmo que pressinta a armadilha da questão não pode mandar o repórter à merda, já que trabalham juntos na mesma emissora. Ela sorri. Explica que consegue, sim, levar à escola, mas que conta com ajuda para a hora da saída.

Sutil atmosfera de julgamento. Corte rápido. Comercial.

Aos 41 anos e há mais de duas décadas na TV, certamente a atriz já se acostumou a conversas desse tipo, tão comuns quanto antiquadas. E se eu, que nunca dou entrevista pra ninguém, mas que volta e meia sou perguntada sobre como faço para dar conta de criar sozinha um menino e ainda exercer minha pouco glamourosa carreira jornalística, já bocejo de tédio e ódio, imagino como Taís Araújo se sente.

A resposta mais honesta do mundo ali, além de um introdutório e breve sermão pelo fim de análises tão rasas, seria um “tá foda”, assim, à queima-roupa. Como ela faz para conciliar duas crianças e vários trabalhos? Não faz. “Só torço pra dar certo e sigo a vida, moço. E, ao final de cada dia, eu me deito na cama e me sinto exausta”.

Quando uma mãe admite publicamente que está cansada, outra centena de mulheres suspira em alívio e identificação em alguma parte do mundo. E, se este já seria um imenso passo em direção ao acolhimento universal caso se tornasse mais frequente, imagino o valor que teria se a gente desse nomes ainda mais reais aos nossos sentimentos.

Mais do que abrir o jogo e assumir este esgotamento tão genuíno, a gente precisa ir um pouco além, reconhecendo que há motivos para ele existir. Sinalizar que não é à toa que chegamos até aqui ajuda a eliminar a culpa que sentimos, sim, às vezes por iniciativa própria, mas que, em grande parte das vezes, nos é arremessada até que estejamos soterradas pelo último fio de cabelo, nadando encabuladas em penitência eterna.

É hora de nos libertarmos do combo promocional de patriarcado e religião que nos coloca neste lugar em que todo mundo sabe o que todo mundo está sentindo, mas onde ninguém tem autorização para falar sobre isso, que dirá para se queixar sem ter que pedir desculpas.

Não sei quais as causas específicas da exaustão maternal de uma atriz famosa, mas sei que, independentemente do padrão econômico de uma mulher e do quanto de ajuda prática ele permite que ela contrate, a dedicação emocional que educar um filho exige não há dinheiro que resolva – e, quem a ela se presta de coração aberto, vai, sim, terminar o dia descabelada, esgotada e, por vezes, chorando sozinha debaixo do chuveiro.

Posso falar do meu caso específico. Dar os tais nomes mais reais às coisas, sem pudor. Ando  cansada porque meu filho está à beira da adolescência, e promove em 24 horas mais variações de humor do que se espera de um espectador daqueles filmes fofos de cachorro que morre no final. Acorda feliz, toma café puto, almoça eufórico, chora à tarde, dorme muito doce e amável.

Não bastasse a idade crítica e inevitável, há ainda alguns complicadores, em especial a ausência física paterna, aplacada apenas duas vezes ao ano, e, com isso, a exigência de ser a única responsável não apenas por manter um ser humano vivo e respirando com todos os pedaços intactos, mas também por tomar todas as decisões que buscam essa integridade agora e pelos próximos 90 anos.

Confessar que ser mãe é às vezes pouco prazeroso, que um filho pode ser azucrinante, que há dias em que a gente sonha em como seria poder passar mais tempo sozinha no mundo, não pode ser considerado crime, nem sinônimo de falta de afeto ou responsabilidade. Pelo contrário: é apenas por meio da nossa coragem e da nossa sinceridade que conseguiremos encontrar, juntos, mulheres e homens, as soluções possíveis e o respeito necessário pela tão louvada figura da matriarca heroína.

Para mim, o amor honesto é o verdadeiro “amor de mãe”.

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Sou mãe, desculpa aí https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/16/sou-mae-desculpa-ai/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/16/sou-mae-desculpa-ai/#respond Tue, 17 Sep 2019 01:57:10 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/escola-320x213.jpeg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=496 O motorzinho esguicha fragmentos de dente e água por um perímetro que vai muito além da boca. Dr. Henrique enxuga tudo com uma gaze, enquanto me questiono por que caprichei na maquiagem. Agora só há base em metade da cara, e eu vou ter que ir assim mesmo para a reunião da escola. Na escala da futilidade, marca entre sete e nove pontos quem quer ir bonita ao encontro de pais e mestres.

Divago em silêncio no elevador sobre o fato de uma assembleia que reúne muito mais mães do que pais ainda ter esse nome secular, e no espelho dá para ver que meu ombro e pescoço estão cobertos por um fino pó de resina da restauração. Estou atrasada há quatro minutos. A Zona Azul venceu já há mais de 15.

Óbvio que quem desenha o cronograma da reunião quer deixar claro logo de cara quais são as mães ponta firme e aquelas que são parte do meu time, porque está programada para os primeiros 30 segundos a interação fofa entre filhos e família. Quando finalmente consigo chegar à sala de aula, o único aluno sozinho tem meu nome no RG. Equipe de uma mulher só, essa a das mães que se atrasam.

Eu não devia ter agendado o dentista para o mesmo dia da reunião e da entrega daquelas duas matérias. Se não tivesse ido tratar canal, teria chegado à escola a tempo, talvez até mesmo antes de tudo, pode ser que eu tivesse aberto o portão do colégio de madrugada, chegaria antes que todo mundo, eu ia ser muito eficiente, tenho certeza absoluta.

Mas não havia data para consulta a não ser hoje ou no final de novembro, e penso que sou uma pessoa um pouco pior no mundo quando estou com dor de dente, de modo que marquei. E me atrasei. E agora estou aqui correndo para alcançar as outras famílias no exercício fofo proposto, o garoto agradecendo minha presença e contando que teve medo que eu não chegasse. Eu também tive (pensei, mas não disse).

Essa escola anda muito moderna. Hoje tem um fotógrafo fazendo imagens de todos, e tento parecer engajada e pontual quando ele passa por nossa dupla. Não posso mexer no celular, ou serei a mãe dispersa no álbum exposto no site da escola. Espero que meu chefe compreenda e perdoe a demora na resposta sobre o primeiro parágrafo da reportagem. Digam xiiiiis!

A segunda parte da reunião – que bem podia ter sido a primeira, pro meu atraso não causar danos emocionais eternos no meu único filho, mas não – começa já sem as crianças na sala. Descolo uma cadeira ao centro e bem na vista da professora, porque quero compensar agora todos os males que provoquei em minha existência como mãe. É hora de brilhar.

Quero prestar atenção. Quero estar atenta. Primeiro assunto é a importância de dialogar com as crianças em casa. Ufa, acho que nessa eu gabarito. Segundo assunto, empatia. Estamos bem, vamos sobreviver, a previsão é de que tudo dê certo.  Mas a pauta vira, e agora é impossível atingir minha meta. Vamos falar de lição de casa e rotina de estudos, convida a professora. E eu tenho alternativa?

Experimente ser mãe solo de filho único, com emprego em tempo integral, sem babá ou faxineira, nem papai nem vovô nem vovó morando por perto. Agora se meta em uma reunião de escola. Você já está deprimida ou ainda falta um pouco?

É muito duro admitir o próprio fracasso em uma ocupação que escolhemos pra nós mesmos. Ninguém me obrigou a engravidar, é verdade, mas também ninguém me avisou que eu ia ficar sozinha desde sempre. E que, por trabalhar até tarde, não ia dar conta de ajudar a criança no dever de casa ou na preparação pra prova.

O menino faz contas e textos sempre sozinho. Aquele 6,5 em Matemática sou muito mais eu que ele. Quando dá dez da noite, ainda falta tanta coisa minha, que eu mal posso ser dele. Será que ele vai passar de ano? Será que se sente diferente dos outros? Será que ele queria ser filho de outra pessoa? Essa infância nunca mais volta. Estraguei tudo pra sempre. O conhecimento é cumulativo, diz na lousa uma frase. Será que ele me perdoa?

A professora ainda fala, e eu acho que quero um abraço. Pode inclusive ser um abraço dela. Surge o aviso de que as vagas para o período da manhã no ano que vem estão quase esgotadas. Que é preciso definir o que se quer. E pagar até dia 30.

Alguém tem alguma pergunta, ficou com alguma dúvida? Sim, prô, eu aqui, de verde, bem no meio, maquiagem borrada, dente remendado e cara de choro.

– Como é que a gente faz pra ser mãe e sobreviver a toda essa culpa?

 

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A sociedade dos meninos https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/07/a-sociedade-dos-meninos/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/06/07/a-sociedade-dos-meninos/#respond Fri, 07 Jun 2019 15:10:22 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/neymar-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=412 Viagem internacional juntos, anel de compromisso, almoço de domingo com os sogros, primeiro Natal em família, sexo anal, ménage, suruba, bondage, pedido de casamento em Paris: nas duas décadas em que venho praticando o amor, nunca houve entre estes tantos assuntos um tabu, fosse para mim ou para o parceiro. Mas experimenta abrir a boca sobre gravidez para ver o que te acontece.

Óbvio que na adolescência um papo sobre filhos faz qualquer um tremer na base, já que trocar estudos por fraldas sujas quebra os planos de homens e mulheres igualmente, mas qual é a do arrepio masculino adulto quando a gente decide jogar conversa fora imaginando nomes para uma criança hipotética, ou mesmo debatendo a sério os desejos a respeito de com que idade se sonha procriar?

Hoje, primeira sexta-feira do mês de junho de 2019, tenho um filho, um ovário, e uma dúvida: se encaro ou não o desafio de engravidar novamente. Depois de um tumor, oito cirurgias e 39 anos, meu corpo se modificou ao ponto de que fazer uma criança sem ajuda médica pode ser algo um tanto complicado. Por isso tudo, pensamos, nada mais natural do que conversar abertamente sobre isso com os pais em potencial deste filho que eu gostaria de ter.

Só que a realidade é bem menos fofa e com cheirinho de talco. Vivemos em uma sociedade que abriga os homens em um status confortável, no qual considerar a existência de seres mais imaturos e sob sua responsabilidade é não exatamente assustador, mas surreal e impensável. Afinal, se eles ainda são – e ainda o serão até os 40 – os eternos meninos, não haveria como transferir o título a um possível herdeiro.

Sujeitos de 27 anos são chamados de meninos ainda que tenham um filho de sete. Delegam a conta bancária e a defesa de sua honra ao pai e à mãe, se abrigam debaixo da imagem de moleques ainda sem condições psicológicas de assumir uma conduta ajuizada porque se encontram em desenvolvimento. Culpam o córtex frontal em formação pelos tropeços de adulto vacilão que cometem. E todo mundo aplaude, e todo mundo acata, e o menino errado continua como herói.

Das mulheres é cobrado o comprometimento total e irrestrito à maternidade depois que nasce o primeiro filho. Que se abra mão de tudo, do trabalho à diversão, se for para focar na criação da sua criança. Depois que engravidamos, não somos nunca mais chamadas de meninas – viramos todas “guerreiras”, “leoas”, potências. Viramos mulheres.

E acho possível dizer que, na maioria das vezes, ainda que depois de uma gravidez inesperada, acabamos abraçando este papel com gosto – e, se não com prazer, com pelo menos um senso de responsabilidade imenso, com a consciência de que chegou de vez a hora de crescer.

Mesmo quando a maternidade não representa um sonho, nem assim se vê uma mulher correr em pânico do debate. É especialmente ali que ela estará ainda mais comprometida com a defesa de seus ideais e preferências.

Eu queria muito poder conversar sobre as possibilidades que tenho para uma segunda gestação, ou sobre os caminhos que me levassem a mais um filho, mesmo depois dos 40 anos. Queria encontrar espaço para, à mesa do jantar, despretensiosa e confortável, debater meu corpo, meu coração e meu futuro. Mas este é um assunto proibido, aprendi. Eu que sonhe discretamente.

Enquanto permitirmos que meninos tenham meninos e nem assim cresçam, ou que suem de nervoso diante de uma conversa sobre reprodução, seremos obrigados a lidar não apenas com sua omissão, mas também com a espetacularização de seus pecados privados. Homens se acertam na justiça, meninos se resolvem nas redes sociais.

A discussão, neste momento atual, tinha que ser muito mais do que nomear crimes e eleger culpados – era hora de a gente entender que, na geração do culto à imaturidade, as vítimas são ninguém menos do que nós mesmos.

 

 

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Mães: onde vivem, quem são, de que se alimentam? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/05/10/maes-onde-vivem-quem-sao-de-que-se-alimentam/#respond Fri, 10 May 2019 16:30:30 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/plantas-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=398 O mercado publicitário compreendeu já há algum tempo que, para se comunicar com – e vender para – as mães, era necessário mudar a forma com que olhava para elas. Deixar de enxergar seres que vivem para servir à família e que, por isso, amam ganhar panelas, para vê-las como mulheres que, além de criar filhos, também têm profissão e ocupam outros papéis na sociedade. Assim, dá-lhe ofertas de bolsas, maquiagem, eletrônicos e tudo mais de que uma mãe trabalhadora precise para ser feliz.

Acontece que, mesmo com o ajuste no foco da propaganda, as marcas ainda seguem ignorantes. Acham que diversificar seu público-alvo basta para mostrar que sabem o que ser mãe significa. Mas, uma fabricante de calçados, por exemplo, que às vésperas do Dia das Mães apresenta, em sua campanha especial, uma “mãe de planta”, afirma sua incalculável ignorância acerca do tema, e prova que estamos ainda a anos-luz da correta visibilidade.

Com o argumento de reconhecer que não é preciso parir para maternar alguém – e, com isso, abarcar acertada e respeitosamente as mães adotivas, e as madrastas e enteados – a empresa sugere que cada um pode ser mãe de quem e do quê bem lhe convier. É linda, sim, a dedicação de mulheres aos seus pets, e agora também aos seus lírios-da-paz, mas equipará-la à vida de alguém que é responsável por outro ser humano só atrasa as conquistas femininas no mundo.

Não se trata de competição nem de possessividade sobre um título, mas, sim, de reconhecer que, depois de ter, adotar ou agregar um filho, a rotina de uma mulher nunca mais será a mesma. Encontrar (e manter) um emprego, pagar as contas em dia, sair com os amigos, arrumar um namorado, zelar pela saúde, educação e, sobretudo, pela sobrevivência daquele outro ser viram prioridades cujo preço às vezes é altíssimo.

Uma samambaia morre se não recebe água por uma semana. E uma criança, o que acontece com ela quando, por um único dia, não ganha cuidados mínimos? Sendo o pai quem falta com a rega, a consequência obviamente não é maior do que um pequeno aborrecimento, mas quando é a mãe quem não agua o rebento, o resultado é muito pior do que folhas murchas e terra seca.

O levante na internet direcionado à marca autora do post equivocado de Dia das Mães não é em nada surpreendente, assim como também não espantam ninguém as queixas indignadas de clientes que se viram representadas na propaganda, por não captarem o centro de toda a questão. De todo modo, certamente a empresa já se deu conta de que, além das desculpas já pedidas, será necessária uma boa administração de crise – afinal, quem precisa de sapatos de alguém que atira no próprio pé?

A campanha desajeitada serve, no entanto, para abrir um importante debate: se a sociedade não entendeu até hoje quem são as mulheres, tentando cercear sua jurisprudência para dá-la nas mãos de quem quer que seja, como é que podemos esperar, então, que o mundo compreenda quem é esse subgrupo tão complexo de mulheres que cedem sua vida pela vida de outra pessoa? E, se o mundo não faz ideia da identidade materna, por que o fariam os diretores de criação das agências?

Em um mercado concorrido e selvagem, ganhará o produto que se der conta de que nós, mães, somos mulheres que, por dentro, à parte o coração completa e irreversivelmente ocupado, ainda carregamos nossos sonhos de criança, nossos romances adolescentes, as frustrações e desejos da juventude. Mulheres que, não fossem as marcas no corpo e as certidões assinadas, a conta bancária devastada e uma permanente sensação de estar fazendo menos que o ideal, passariam despercebidas em meio a uma legião feminina de matizes infinitas.

Não somos “guerreiras”, senhores publicitários. Tirando as fantasias da infância, quando brincávamos assumindo papéis bélicos, temos pouquíssimo interesse na batalha, e, sim, na paz branda da normalidade. Tampouco queremos ser tratadas por “divinas”, deixando, por favor, o manto sagrado e as asas de anjo para quem pela pureza tenha apreço. É que nós, mães, pasmem, não só transamos, como também gozamos quando bem tratadas.

Não temos uma aparência específica, o que não nos permite ser identificadas de cara no comercial de TV ou em um post do Instagram – abandonar as tentativas de nos rotular e conferir um semblante comum seria de bom tom. Não somos “todo mundo”, mas também não somos “aquelas lá”.

Estão nos acompanhando? Somos, se isso bastar, simplesmente mães, aqueles indivíduos para quem a vida das pessoas a quem escolhemos amar desde o primeiro dia juntos virá sempre em primeiro lugar. Temos como objetivo único e universal garantir que nossos filhos vivam até os 200 anos de idade, com poucas quedas e cortes pelo caminho. E se, de quebra, ainda der para eles serem extremamente felizes no trajeto, para nós tanto melhor.

 

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A tal da sororidade https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/01/30/a-tal-da-sororidade/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/01/30/a-tal-da-sororidade/#respond Wed, 30 Jan 2019 13:57:05 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/sororidade-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=334 Além de ter que vestir rosa enquanto eles vestem azul, as meninas também são ensinadas que, em mulher, não dá para confiar – mulher bonita, então, melhor atear fogo, queima queima, deixa arder. Sim, o que divulgamos é exatamente o oposto, que é em homem que a gente não acredita (o que às vezes é verdade), mas, por dentro, a angústia feminina tem como alvo suas iguais. É racha? Nem conheço, mas já odeio.

No colégio, eu detestava qualquer menina que tivesse pernas mais grossas ou narizes menores do que o meu, o que, resumidamente, abrangia todo o contingente de alunos acima do quarto ano do fundamental. No trabalho, repelia aquelas que escrevessem melhor, no prédio, as vizinhas com mais pegada para chamar o elevador, na academia, todas que respirassem.

Daí que não sei dizer o que veio primeiro, meu ódio, ou meu ressentimento. Se porque nunca era convidada a fazer parte de nenhuma turma de meninas, eu ficava puta, ou se eu ficava puta, e por isso não era nunca convidada a fazer parte de nenhuma turma de meninas.

Sobravam, com isso, só os grupos masculinos, onde eu circulava até que bem, rarara que divertido, mas sempre com uma incômoda sensação de que ali excediam testosterona e suas consequências, e faltava alguma coisa importante. Os anos passaram, fui crescendo, amadurecendo, e aqui é aquele ponto do texto em que meu editor prevê uma reviravolta, o leitor se anima, eu conto minha história de superação e garanto que, hoje, sou uma pessoa incrível e integralmente resolvida.

Mas não. Continuo a mesma zona de sempre, e ontem mesmo me peguei fazendo careta para a aluna nova do balé. Crescemos nos comparando às outras, e esquecendo que, até que se prove o contrário, essa aqui é a única chance que temos de estar vivas – neste corpo, com essa mente, desse jeito. O segredo, já aprendemos, estaria justamente em enxergar as semelhanças, parando de focar nas diferenças.

São elas, as simetrias, que nos unem e podem nos salvar de um mundo sem privilégios para quem nasce mulher. É delas que brota uma força fenomenal que, quando encontra espaço para se manifestar, é capaz de mover o mundo alguns centímetros para cima, aquecer o sol, criar novas constelações.

Fácil falar, difícil pôr em prática, eu sei, calma respira, mas é que, se não abrirmos nunca brechas para que o afeto se manifeste nas relações femininas, seguiremos sem aprender nada na vida, isoladas em bolhas de recalque e solidão.

A minha bolha estourou na semana passada. Era mais um daqueles dias típicos que misturam ansiedade com baixa autoestima e elevada auto sabotagem, e uma amiga decidiu que ser incluída no grupo de meninas do WhatsApp poderia me trazer efeitos positivos. Já lá dentro, e achando que nada de melhor poderia acontecer do que ter, pela primeira vez, a minha própria turma, assisti às 22 mulheres integrantes organizarem uma força-tarefa em que a beneficiária era, adivinhe-se, eu.

Em cinco minutos organizaram planilhas, fizeram encomendas, acionaram contatos, tudo para ajudar na compra do material escolar do meu filho, que, àquela altura, não tinha um lápis grafite no estojo. Chegaram à minha casa canetinhas, cadernos, cola bastão, livros. Em uma das sacolas, dois pacotinhos com cosméticos, você mandou certo, amiga, era para mim mesmo?. Claro, ué, porque mãe também é gente.

Eu não sabia exatamente em que consistia a tal da sororidade. A minha turma, no entanto, não me deixa mais ter dúvida alguma.

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Seis conselhos para a felicidade https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/11/seis-conselhos-para-a-felicidade/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/12/11/seis-conselhos-para-a-felicidade/#respond Tue, 11 Dec 2018 16:07:49 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/folhetim-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=316 Em tempos de desengano com gurus demasiado humanos, é importante que se diga que quem sou eu para vir aqui despejar conselhos na timeline de alguém – jornalista nem é gente. Ainda assim, acredito que sobreviver semi-intacta por 38 anos (poucos órgãos perdidos, moderado dinheiro na conta, abundante savoir-faire no lombo) me coloca em uma posição privilegiada enquanto ser humano. Posso não ter relevância, mas alguma coisa de mundo eu entendo.

Desde que me tornei mãe, mais de uma década atrás, espero diariamente uma pergunta que nunca veio. Já fui encurralada para explicar a função das camisinhas, para versar sobre a existência de Deus e o que acontece depois que o coração para de bater, mas, até agora, ainda não precisei responder àquela que considero a questão mais difícil de todas: como, afinal, mãe, a gente pode ser feliz na vida?

Óbvio que já ensaiei todo o invólucro da argumentação. Eu diria, antes de qualquer coisa, que felicidade, filho, é um conceito superestimado pela humanidade, e que ninguém consegue ser pleno o tempo inteiro, e que, veja só que edificante, o sofrimento tem lá sua função na existência. Mas, sejamos francos, que bela bosta de resposta pode surgir de uma abertura deste nível? Se não posso evitar ser evasiva, é certo que a felicidade também tem direito à dissimulação.

E assim surgiu uma lista. Com seis itens. Que pode tanto ser lida e ignorada, como é próprio de todas as listas, como também salva nos favoritos, andar impressa na carteira, virar quadro decorativo para a cozinha, enfim, é tão despretensiosa quanto adaptável. Não espero que seja empregue, tampouco repassada adiante. Tem o propósito único de, estando você em apuros diante da questão mais difícil da raça humana, haja à mão uma saída.

1) Você não tem controle sobre nada. Desista o quanto antes de querer ter.

Um indivíduo médio leva cerca de três décadas para compreender que não tem o poder de regular o que acontece ao seu redor. Estou aqui para encurtar este prazo. Aceite o mais cedo possível que todos os fatos da vida transcorrem à parte qualquer anseio, oração ou praga que se empregue sobre eles. Não controlamos o comportamento dos outros, a opinião deles sobre nós, não controlamos amores, desejos, tempos. Somos sujeitos de um destino, e abraçá-lo, aprendendo com ele, torna a viagem menos turbulenta.

2) Lave a louça suja sempre que acabar de usá-la.

Zero espiritualidade e misticismo, apenas um conselho para a vida prática. Jamais permita que sua louça se acumule na pia, formando pilhas desanimadoras de gordura, colheres de pau e arroz velho no ralinho. Resolva imediatamente após a refeição, de maneira a economizar tempo e bom-humor.

3) Seus pais eram pessoas como você antes do seu nascimento. Esforce-se para enxergá-los assim.

Parece óbvio, mas o pai e a mãe da gente tinham uma vida antes de virar o pai e a mãe da gente. Eles eram, muito provavelmente, pelo que o curso natural indica, adultos jovens com sonhos, rotinas, interesses e talentos. Possivelmente gostavam de se divertir com amigos, de fazer sexo, beber cerveja, assistir TV. E, quando tiveram o primeiro filho – que, se não é você, é uma irmã ou irmão seu -, não tinham a mais vaga ideia de como proceder, de modo que o que tentaram foi no mais puro chute e mirando na mais alta sorte. Compreenda-os. Veja-os. Antes que seja tarde demais.

4) Por falar em filhos: se for ter os seus, escolha fazê-los com alguém de quem você possa ser amigo pela vida inteira.

Amor romântico e casamento acabam. Esposas e maridos são títulos temporários, enquanto pai ou mãe do seu filho, não. Se desejar realmente ter uma família, construa-a com uma pessoa com quem você tenha não necessariamente o desejo, mas, sim, a habilidade de conviver para sempre. Ser amigo de quem divide com você a criação de um ser humano deveria ser obrigatório, já que o clichê de que ninguém pede para nascer é a mais pura verdade.

5) Jamais cancele um compromisso que assumiu com amigos ou namorados por preguiça de sair de casa.

Se combinou de sair com alguém com quem você se importa, não desmarque por nada menos que uma parada cardíaca ou enchente no bairro. O sofá pode parecer tentador na meia hora que antecede a saída de casa, mas o benefício de cumprir com o acordado e desfrutar de momentos de alegria ao lado de pessoas caras é impagável e dá sentido à vida.

6) Não ofereça aos outros menos do que você pode dar.

Ao longo da vida, os encontros com pessoas que nos dão menos do que acreditamos merecer serão mais comuns do que aqueles com quem a troca parece equilibrada: menos amor, menos respeito, menos dedicação. Isso, no entanto, não é justificativa para que você deixe de ser fonte de virtudes para os outros. Pode soar injusto e piegas, mas o tempo vai provar a validade de se sustentar um caráter inabalável. Espalhe o que você tem, e não o que você recebe.

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