Do Meu Folhetim https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br Meias verdades sempre à meia luz Thu, 30 Sep 2021 12:29:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pesadelo de mulher https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/08/25/pesadelo-de-mulher/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/08/25/pesadelo-de-mulher/#respond Tue, 25 Aug 2020 15:30:34 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/sonho-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=780 Cientistas de três grandes universidades brasileiras estão pesquisando os sonhos na quarentena. Parece que a gente tem sonhado mais, de forma mais vívida, e também tido mais pesadelos. Ninguém me perguntou nada, ainda, mas asseguro que eu poderia colaborar bastante com os estudos. Minhas noites têm sido confusas.

De ontem para hoje até que não foi tão mal. Uma espécie de fazenda, mais de 400 pessoas reunidas para um almoço beneficente. A aniversariante faz discurso de agradecimento, e avisa que o ravióli com queijo de cabra que era de graça sairá por um preço amigável. Minha cachorra sumia na multidão, minha gata caía morta de cima do muro. Um sonho tranquilo, na média.

Há algumas semanas, no entanto, o pior de todos. Vinha o aviso de que minha relação tinha chegado ao fim, o que já parecia lamentável o suficiente, poxa, justo agora, mas, enfim, sobrevive-se. Mas porque não era um pesadelo qualquer, e sim um pesadelo pandêmico, a parte que optava pelo término agia com crueldade.

Em resumo, eu era apresentada, a título de tortura, à minha substituta, alguém muito melhor que eu porque mais esperta, jovem e bonita. Ela tinha sorriso de comercial de pasta de dentes. Acho que cheirava a banho tomado, mas talvez essa parte eu tenha inventado já acordada – neurose é neurose em vigília ou no sono.

Ele e ela riam, abraçados. Contavam que tinham se conhecido naquela noite em que eu fui viajar a trabalho, em janeiro, e ele, que havia dito que dormiria mais cedo que o usual, foi ao bar com os amigos. Foi tesão à primeira vista, garantiam os incisivos e molares muito brancos dela. Dois beijos de boca bem molhada. Acordei chorando.

A última vez que isso tinha acontecido, de amanhecer em prantos, foi porque meu filho tinha morrido despencando sem querer da janela do sexto andar – sou mesmo um prato cheio para pesquisadores de sonhos. Preocupado com uma nova morte imaginária na família, meu namorado de pronto se dispôs a novamente me acudir, abrindo os braços para o consolo.

Agora me explica como é que eu vou me jogar no abraço de um adúltero. A ação mais prudente que ele poderia ter neste momento era a de arrancar o próprio pau com faca cega, arremessar descarga abaixo, e se ajoelhar aos meus pés implorando perdão eterno. Só que ele continuava deitado, de pijama, com o pau preso ao lugar de sempre, me olhando confuso e ainda meio sonolento. Não tem como argumentar com um homem desses.

Foram infinitas horas do dia até eu resolver que já dava para ao menos responder às perguntas de ordem prática que ele fazia. Não, eu não quero sobremesa. Não, sua guitarra não está me atrapalhando. Sim, eu desejo que você morra só porque me traiu com uma garota. Oi?

Eu agora vou explicar aqui ao leitor, ao Christian Dunker, e aos amigos dele de pesquisa nas faculdades aquilo que já expliquei ao meu atônito namorado naquele fim de tarde de quarentena. Óbvio que a culpa daquilo que meu inconsciente produz enquanto eu durmo não é de ninguém exceto minha, e que um parceiro tão bacana não merecia que eu passasse um dia inteiro de mal e fazendo cara de vômito toda vez que ele me dirigia a palavra. Aconteceu, ops, me desculpa.

Mas, mais importante que explicar algo que todo mundo já sabe é esclarecer o que talvez ainda passe despercebido: mulher nenhuma sai ilesa de um relacionamento merda. E as consequências da passagem de um pulha pela nossa vida muitas vezes seguem ecoando por anos e anos – e relações e relações – a fio.

É trauma que chama, USP, UFRGS e UFMG?

Eu, por exemplo, além de um marido que me traía e humilhava sistematicamente por uma década, também já tive um namorado que, por dois anos, aproveitava qualquer segundo em que não estivéssemos no mesmo cômodo da casa para assistir pornografia e se masturbar. Não é tarefa das mais fáceis entender depois que nem todos os homens agirão desta maneira.

Claro que não somos isentas da responsabilidade de ativamente buscar ajuda para superar o passado. O vitimismo é tão quentinho que a gente pode esquecer que dá para ir embora dele. Mas às vezes o abalo é grande, e as coisas não se resolvem de uma hora para a outra.

Enquanto homens se reerguem de relações tóxicas com mais facilidade porque são educados a não condicionar a autoestima à opinião alheia, e porque desfrutam de um sistema que ensina que mulheres são apenas números, facilmente descartáveis, nós penamos em uma batalha dupla.

Que começa pela luta para garantir a sobrevivência física, desde o dia um ameaçada, e entender qual o lugar que ocupamos no mundo por direito, e segue pela guerra da construção de uma identidade, de poder se orgulhar dela, e aprender a defendê-la a qualquer custo.

Parece fácil? É por isso que a gente sonha.

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Os abacates da quarentena https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/05/05/os-abacates-da-quarentena/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2020/05/05/os-abacates-da-quarentena/#respond Tue, 05 May 2020 20:53:34 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/abacate-1562276088523_v2_900x506.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=688 Para fazer um suco pra três pessoas são necessários dois maracujás pelo menos, talvez fique aguado e o ideal seja uma fruta por pessoa, não sei, mas, se for para bater abacate, basta escolher um só, dos grandões, e eu acho que isso é por causa da textura cremosa e do leite que a gente adiciona. Rende.

Quando minha avó fazia creme de abacate de sobremesa, tinha que racionar só um potinho por pessoa. No geral eram uns 15 potes. Faço as contas de quantos abacates dos grandões ela tinha que trazer da feira no carrinho pra depois abrir, tirar o caroço, misturar no liquidificador, e servir com gotinhas gostosas de baunilha.

Era um gesto de carinho em forma de comida, como os tantos que ela fez por tantos anos, cozinhando para nove filhos, quase 20 netos, famílias imensas que faziam ao menos uma refeição por dia na sua casa. Ela vivia exausta. E, quando a gente vive exausta, é fácil confundirem nosso cansaço com má vontade.

A quarentena faz a gente viver numa exaustão eterna. Parece, olhando de fora, que todo mundo ganhou mais tempo e que a vida ficou mais fácil, já que ninguém tem que – nem pode – sair para lugar algum. Acontece que a única coisa que mudou foi que a gente trouxe tudo que fazia lá fora para dentro de casa.

Veio o escritório, veio a escola das crianças, veio a academia, a faculdade, e se não vieram os carros trancados no sinal vermelho, foi só porque o destino é muito ágil e a cozinha virou nosso novo trânsito. Ninguém precisa mais se enfiar em engarrafamento ou metrô lotado, mas agora tem três refeições no dia pra preparar pra família toda.

Viramos todos as nossas avós, lá nos anos 1970, 1980, 1990. Todo dia um abacate diferente para bater prum batalhão. E, feito elas, também ficamos exaustos, e, feito o que fazíamos com elas, o que não falta é gente em casa para achar que nosso cansaço é na verdade mau humor.

Pior que às vezes até é. Tem dia em que não dá vontade de nada mesmo, que dá saudade de tudo, que parece que nunca mais nada vai melhorar. E, seja nesses momentos, ou naqueles em que a estafa bate, tudo que se quer é compreensão. Carinho. Duas coisas que, na quarentena, por vezes faltam. A gente ressente não ter, a gente se esquece de dar.

Faço esse texto para não desaprender meus afetos por aqueles com quem a vida houve de me colocar aqui e agora. Quero não ser traída pelo contexto. Quero manter acessíveis os porquês da intersecção que – fundamental lembrar – escolhemos fazer de nós.

Saber, em todos os momentos, até quando a disposição falha, da cor das bochechas do meu filho, e de como, mesmo com o passar dos anos, o tom rosado não desce nem sobe um tom. Evocar os primeiros meses de vida, a textura dos cabelos, não deixar de me espantar diante dos pés que crescem e da voz que muda.

Já do meu amor que escolhi no mundo, quero diariamente reviver a sensação de pousar a mão no peito liso da primeira noite. Evocar as músicas que ganhei. Ter em mente que foi também por causa da ampla variação de timbres que sua voz alcança de manhã que me apaixonei. Isso, e o tamanho das mãos e dos punhos. E os dentes da frente, argumentativos.

Eu amo vocês. Vocês e todos os meus a quem, por ora, não é possível abraçar. São tempos de oferecer carinho de outros modos, e de cuidar de manter o que dá. Aqui em casa, vai ter sempre creme de abacate, a gente pode se revezar no preparo. Nos dias em que todo mundo estiver cansado, é só deitar no sofá e chamar um delivery. E a louça, esquece: deixa que amanhã a gente lava.

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O mito do dedo podre https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/02/o-mito-do-dedo-podre/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/09/02/o-mito-do-dedo-podre/#respond Mon, 02 Sep 2019 20:23:15 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/morango-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=482 Eu tenho uma amiga, que tem uma cunhada, cuja vizinha era prima de uma conhecida de uma moça que, nossa senhora, só se relacionava com homem merda. Essa mulher, coitada, entrava e saía de namoros que, por mais que parecessem bonitinhos no começo, acabavam com ela arrasada na cama, chorando a decepção e a rejeição do amor errado. E sabe o que essa moça conhecida da prima da vizinha sempre ouvia dos amigos? Ela ouvia que tinha o dedo podre.

Pode até parecer que eu estou falando de mim mesma. E estou, realmente. Afinal, de que serve um espaço público em um jornal de circulação nacional se não for para passar vergonha perante a sociedade?

Gastei a vida inteira escutando essa expressão da boca de mãe, de pai, de amigos, de colegas de trabalho. Como uma jardineira que só cultiva adubo, era incriminada pelos fracassos contínuos na minha vida amorosa. Dedo podre.

Se você digitar essa expressão no Google, aliás, vai se deparar com matérias em sites diversos que responsabilizam única e exclusivamente as mulheres pelas escolhas erradas, e pelos relacionamentos malsucedidos.

Dizem os psicólogos entrevistados nas tais reportagens que, ao escolher um homem estragado como companheiro, nós, mulheres, estamos das duas, uma: ou ansiosas para ter alguém a qualquer custo e evitar ficar sozinhas, ou presas à fantasia de que somos capazes de salvar um cara problemático.

Nenhum desses profissionais leva em consideração, no entanto, o fato de que, muitas vezes, aquele morangão bonito exposto na gôndola do supermercado demora um tempo até mostrar seu lado cheio de mofo. Em outras palavras, sem metáforas cafonas de hortifruti, seria bacana que essas pessoas ouvidas nas matérias se lembrassem de que não é sempre que as pessoas se apresentam do jeito que elas realmente são.

Se um homem usa uma máscara poderosa nos primeiros meses de relacionamento, para só depois – e bem aos poucos – revelar sua verdadeira personalidade, será que a culpa continua sendo da mulher que se apaixonou por ele? Será que ela sofre mesmo da maldição do dedo podre?

Óbvio que há os motivos inconscientes que nos direcionam e conseguem, inclusive, antever as tragédias, convidando a conectar nossos buracos emocionais com os buracos emocionais do outro. Longe de mim desmentir analista, até porque sem o meu eu não sobrevivo. Mas a impressão que fica é a de que parece muito mais fácil culpabilizar a mulher do que avaliar o quadro como um todo.

Nesse panorama geral, há fatores como, por exemplo, a raridade que é encontrar um sujeito 100% afinado com o mundo de hoje, e aberto para as mudanças fruto das conquistas do feminismo, por exemplo. Ou esses psicólogos que dão entrevista nunca ouviram falar em esquerdomacho, o tipo que parece fofo no começo, mas que, com o tempo, revela ser uma grande cilada, Bino?

O fato é que nós mulheres estamos sempre nessa posição passiva. Se “conseguimos” conquistar um homem – e eu colocaria aspas triplas aqui se a revisora não fosse me dar um pito -, ele está sendo generoso em nos aceitar como somos. Se ele vai embora, fizemos algo de errado. E, se ele acaba se mostrando um mau partido, o crime é termos o dedo podre, e não ver o problema com antecedência.

Oras, nos poupem. De nada adianta a gente ler, estudar, se informar, se analisar, fazer yoga, assistir todas as temporadas de “O Conto da Aia”, se não se encerrar o padrão em que toda mulher é invariavelmente culpada por tudo que lhe acontece. Quero, sim, toda a responsabilidade que vem com a evolução e o chamado “empoderamento”, mas também seria genial se, ao mesmo tempo, a gente finalmente jogasse luz sobre o que não é despesa nossa nessa conta.

Até porque, se um dedo é mesmo podre, a última coisa que ele sabe ou deve fazer é passar pano.

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Se eu não amasse ninguém https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/se-eu-nao-amasse-ninguem/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/se-eu-nao-amasse-ninguem/#respond Wed, 27 Feb 2019 21:30:31 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/Andre-Ducci-320x213.jpg https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=348 A marchinha de Carnaval, esta, a festa mais libertária do ano, garante que, ainda que todo mundo pense o contrário, legal mesmo durante a folia é estar apaixonado. Quem sabe sabe, conhece bem, e ai que delícia que é gostar de alguém e querer bem e ter um foco só nessa vida, amém.

Pois eu queria era pular em outro bloco. O Unidos do Não Gosto de Pessoa Nenhuma.

Óbvio que da minha mãe eu ainda gosto, do meu pai e do meu filho também, das amigas, dos colegas, e até o meu chefe no jornal eu curto, mas ia ser uma experiência e tanto viver um período curto que fosse sem estar apaixonada por ninguém. Não ter o coração absolutamente entretido e devotado a um grande amor. Com o sinal de livre, porém com zero pressa para aceitar uma nova corrida.

Se eu não gostasse de pessoa nenhuma, eu acordaria cedo como sempre acordo, ao som do despertador de todo dia, e ajustaria o soneca para tocar três vezes e eu então me levantar às sete e meia sem gostar de pessoa nenhuma. Faria o café forte com leite, cortaria o mamão ao meio, assaria três pães de queijo e comeria tudo com calma, porque eu não gostaria de pessoa nenhuma.

Trabalhar talvez fosse até mais fácil se eu não estivesse amando ninguém. Dirigir na Marginal, estacionar na Zona Azul, pedir pra botar trinta de gasolina, deixar aquela forcinha pra nóis, esterçar e vir vir vir vai ver seriam processos mais simples, quem sabe, se fosse o caso de não amar ninguém.

Sem um amor no peito eu iria ao mercado comprar sabão em pedra, banana prata, pedia peixe à milanesa, via peça no teatro, escovava os dentes e ouvia Djavan, tudo sem medo nem dor nem dúvida, porque, de peito vago, ficava tudo mais fácil, ficava leve ter faringite, perder cabelo, ler o Drummond inteiro, o Bandeira todo, a ata do condomínio, o manual da geladeira, o menu do Netflix, a resposta da charada de ponta-cabeça, a coluna do Antonio Prata e o olhar do namorado que não é ninguém e, por isso, não ganha amor, não sente pressão, não muda de ideia, não tem saudade nem sufocamento, simplesmente não o é de modo que não se tem.

Quando eu não gostar de pessoa nenhuma, vou aprender a tocar piano, dançar flamenco, nadar borboleta, virar estrela, usar furadeira, chorar desconto, dizer não quero, aceitar socorro e pedir distância, porque não existe desprezo quando não se tem expectativa e é assim que se move alguém que não gosta de pessoa nenhuma.

Pessoa nenhuma não, redigo, que a mãe e o pai, o filho, as amigas, os colegas e até o chefe no jornal a gente segue adorando. Era só que eu ia manter o coração ocioso, e guardar a calcinha nova, a unha feita e a reverência absoluta a quem mais merece o querer bem, o amor no peito e a escolha superlativa: eu mesma, e só mesmo eu.

* (Texto dedicado à Manu, aluna do meu curso de Redação, que tem boas ideias de temas e de quem é gostoso gostar)

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Gol contra é tendência na Copa e na vida https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/gol-contra-e-tendencia-na-copa-e-na-vida/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/gol-contra-e-tendencia-na-copa-e-na-vida/#respond Thu, 21 Jun 2018 11:00:29 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/polônia-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=202 “Não tem justificatiiiivaaaaa”, se esgoela, todo desalmado, o comentarista na TV. E isso que o único pecado do jogador era ter marcado um gol contra, coitado, imagina se ele fizesse algo muito horrível tipo escrotizar mulheres russas de maneira misógina e criminosa no meio da rua (ainda bem que na vida real ninguém ousa nada disso, ufa).

Acho cruel e injusto esse peso todo que se coloca sobre quem marca ponto sem querer nos próprios amiguinhos. São atletas que ganham milhões para jogar futebol? Sim. Que ocupam um lugar que todo mundo queria? Também. Mas, poxa, sejamos honestos, quem nunca cometeu um golaço contra si mesmo nessa dura dessa vida?

O gol contra nada mais é do que aquele momento em que você pensa “ok, eu sou mesmo um bosta, tomara que eu morra”, e isso seja qual for a circunstância do deslize. Ainda que não se trabalhe batendo bola, por exemplo, tem gol contra no escritório – existe humilhação maior que dar prejuízo à própria empresa ou ajudar um concorrente?

Tem gol contra na política, quando se cai no conto de que primeiro a gente tira uma e depois a gente tira o resto. Gol contra no amor, se o resultado do tão aguardado ménage é sua mulher apaixonada pela mina que você escolheu para transar – do cara com a taça na mão, você, passa, agora, para o divorciado vacilão.

Nada na vida é mais humano que o auto-gol. Somos todos o pobre curitibano-polonês enfiando devagarinho a bola no travessão do país que o acolheu como cidadão. Tamo junto, com as mãos na cabeça, #chateados, tomando do goleiro um tapinha de consolo na bunda.

Foi o quinto gol contra na Copa da Rússia. Estamos, com isso, à beira de bater o recorde da Copa da França, em 1998, quando seis jogadores presentearam suas seleções com uma bola inimiga. Finalizemos o campeonato com qualquer total, o importante é mantermos em mente o fato de que gol contra não é tendência apenas na Copa, mas, sim, uma moda para a vida. Uma prática involuntária, ok, mas algo a ser acolhido e superado. Um negócio que dá e que tem que passar, sem maiores encanações.

Ontem recebi um boy em casa. Não sei se rolou pé alto ou convulsão no vestiário, mas a questão é que, com 90 minutos de jogo, o sexo não saiu. Estava tudo bem, quando, de cueca nos joelhos e olhar cabisbaixo, ele admitiu, sim, o placar adverso, mas culpou a equipe toda pela própria broxada. Chutão para trás, bola entrando, e olha outro gol contra na Copa – e, nesse cenário arrogante, diz o Arnaldo, não há outra alternativa a não ser puxar o cartão.

 

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Dia dos Namorados e o presente de um perfil sincero https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/12/dia-dos-namorados-e-o-presente-de-um-perfil-sincero/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/06/12/dia-dos-namorados-e-o-presente-de-um-perfil-sincero/#respond Tue, 12 Jun 2018 15:59:12 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/orelhão-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=195 Vem ano e vai ano e ninguém toma a coragem de cancelar o Dia dos Namorados. Cadê o Temer quando a gente precisa? Por uma causa dessas os caminhoneiros não param?

É sempre a mesma ladainha. Quem tá em um relacionamento fica se esforçando para dar um presente bosta para a cara-metade, pagando perfume em crediário, chocolate superfaturado, bicho de pelúcia pra encher de poeira na cama, enquanto quem tá solteiro sofre, achando que tá perdendo grandes coisas por não receber um cartão virtual ou um textão com foto no Facebook.

Ninguém fica feliz, basicamente (tirando o dono da Giuliana Flores e do Motel Colonial Palace, mas, enfim, só eles mesmo). E vira meio Copa do Mundo, um grupo contra o outro no Facebook, ah, eu tenho alguém que me coma, segura essa relação estável, você tá aí sozinho, melhor mesmo é amor próprio, antes assim do que com namorada lixo. Preguiça.

A gente simplesmente não sabe se relacionar. Fim.

Quem sou eu na fila da Fluoxetina para falar de psicanálise, mas acredito que um dos grandes problemas dos namoros e casamentos está no fato de que a gente, na ânsia de agradar e ser amado, finge que é alguém diferente, enquanto o outro finge que é outrem, e ficamos os dois ali transando e tentando encontrar a felicidade – que, nesse formato, sorry to say, nunca vai chegar.

No mundo ideal, a gente se apresentaria aos crushes da forma que de fato é. Com os buracos, defeitos, desejos, taras estranhas. Manja anúncio de orelhão? Natália gostosa engole tudo etc? Ou perfil de aplicativo de relacionamento, quando todo mundo mete aquela foto naturalíssima e um resumo mentiroso do seu jeitinho estranho de ser? Imagina se fossem sincerões os perfis.

FABRÍCIO. Moreno, olhos claros. Me acho melhor na cama do que realmente sou. Te ignoro no dia seguinte e pergunto no chat quem é aquela sua amiga gata do Facebook.

JACQUELINE. Baixa autoestima, insegura, me apaixono por todo mundo com quem saio. Durmo com você hoje e amanhã já jogo seu nome no tarô online para saber se você me ama.

DÉBORA. Gata, bem-sucedida, tenho três prêmios internacionais e quatro apartamentos em Pinheiros. Pareço resolvida, mas, já no terceiro encontro, aproveito para fuçar seu celular enquanto você vai ao meu lavabo de mármore.

ANDRÉ. Levo você para comer sushi e conhecer minha mãe. Mês que vem te chamo de vaca.

LETÍCIA. Corpo violão, voz de soprano, preparo um risoto de comer de joelho. Do mesmo jeito que traí meu namorado para dar para você, vou te botar chifre quando pegar seu melhor amigo.

RENATO. Curto crossfit, te convido para treinar junto, vamos rachar um whey no parque. Mas só de segunda a quinta, porque de sexta a domingo eu fico com minha namorada oficial.

PEDRO. Alto. Executivo. Pago assinatura premium do xvideos.

Pois é isso, a vida, uma eterna busca por um match perfeito, ainda que a gente saiba que isso não existe. Um sofrimento para se encaixar nos padrões, para não ser diferente, sendo que todo mundo no mundo é diferente um do outro. Ah, o “serumano”.

De modo que, se posso dar um único conselho nesta terça-feira de sol é o de que todo mundo tenha um feliz Dia dos Namorados, seja solo, seja acompanhado, porque o que importa no 12 de junho (e no 13, e no 21 de agosto, no 9 de outubro, janeiro, fevereiro, 16 de abril, 14 de maio) é a gente gozar e ser feliz. A idealização do amor verdadeiro e eterno, ah, essa a gente resolve depois.

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Sabe quem também gosta de transar? A sua mulher https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/18/sabe-quem-tambem-gosta-de-transar-a-sua-mulher/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2018/05/18/sabe-quem-tambem-gosta-de-transar-a-sua-mulher/#respond Fri, 18 May 2018 22:52:49 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/sexo-320x213.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=176 Tá vendo essa pessoa aí do seu lado no sofá, de perna para o alto, meia grossa e cara de sono? Pois eu tenho uma revelação a te fazer: ela gosta bastante de transar. E não adianta vir com a conversa de que do seu marido ou da sua mulher quem sabe melhor é você, e que é óbvio que o Antônio Carlos ou a Neide já há anos que não tem libido, porque esta coluna, hoje, vem trazendo grandes verdades.

À parte a psicanálise, à qual sou bastante afeita, porém dela muitíssimo ignorante, é senso comum que, em relacionamentos longos, os parceiros se dessexualizem mutuamente, esquecendo que, dentro daquele pijama de flanela, bate um coração e latejam xoxotas e paus. É como se, ao olhar para o ser amado, só sobrasse a imagem que se tem dele no cenário da vida doméstica e da rotina da relação.

Desaprende-se, por exemplo, que aquela figura foi, um dia, a pessoa que trocava mensagens safadas de madrugada, produzia nudes de qualidade, e levava gente para a cama, tudo para ficar pelado e, feliz, apresentar o repertório ao respeitável público (do qual, leitorx, você também obviamente que fazia parte).

Eu realmente não sei por que motivo, além do evidente cotidiano matador, a gente faz isso com as relações. Por que diabos arrancamos do outro todo o caráter sexual que um dia tanto nos encantou. Talvez seja para sobreviver ao pânico irracional de perder quem tanto se ama, de modo que, fingindo cegueira, sublima-se todos os aspectos dele que poderiam ser interessantes aos possíveis rivais.

Aspectos, estes, que foram justamente o quê, no passado, nos atraiu a sair para beber com aquela criatura, der uns beijos nela, transar com ela três vezes, depois transar outras dez, depois comer uma pizza e ver cinco séries, tudo em uma linda escalada que culmina com o sofá de agora, perna para o alto, meia grossa, cara de sono.

É justamente por esquecer que a mulher ou o marido continuam gostando de flertar como antigamente – e que, como qualquer adulto saudável, gosta de se sentir desejado e suspira pela quase sempre utópica perspectiva de um dia poder transar com outra pessoa sem ser considerado um adúltero criminoso digno de pena de morte – que muita gente se surpreende ao entrar em contato com essa porção sexual do parceiro, seja ao flagrar um inocente momento de prazer solo, ou ao rever aquele ser erótico de volta à ativa após um rompimento.

Que legal seria se evocássemos com mais frequência esses seres transantes que tanto nos encantaram no passado, e a quem escolhemos para compartir a vida. Que mantivéssemos em mente o quanto eles são fascinantes, sensuais, libidinosos. E isso não só com o objetivo paulocoelhístico de valorizar e reconhecer o companheiro, mas, também, em benefício próprio. Afinal, ao lembrar que tesão antigo não arrefece, fica mais fácil distinguir a sedução (e a ereção) por baixo da calça de moletom.

 

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Mãe, quer ser minha melhor amiga? https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/13/mae-quer-ser-minha-melhor-amiga/ https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/2017/09/13/mae-quer-ser-minha-melhor-amiga/#respond Wed, 13 Sep 2017 19:37:34 +0000 https://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/files/2017/09/Fotolia_108334370_Subscription_Monthly_M-180x120.jpg http://domeufolhetim.blogfolha.uol.com.br/?p=48 De pé, calçando sandálias sem salto, a cabeça dela alcança meu ombro. Ou meu queixo, talvez, não sei dizer precisamente. Os peitos grandes, que herdei dela e de todas as mulheres da família, em mim ficaram minúsculos, depois de cirurgias e filho. Os cabelos em sua cabeça brotam finos e em abundância, e em mim rareiam, embora grossos. Tenho ossos pontudos e visíveis, enquanto nela as formas se arredondam. De modo que, pode-se dizer, em uma comparação breve e superficial, que minha mãe e eu não nos parecemos em praticamente nada.

Do desequilíbrio físico, possivelmente, veio a relação difícil e muitas vezes distante. Se bem que não sei se pessoas se distanciam ou estranham só porque não se coincidem – será condição para a afinidade a identificação nos espelhos? Os gostos, também diversos, se multiplicavam com o passar dos anos, abrindo abismos que nos punham em extremidades tão distantes a ponto de, em alguns momentos, ser impossível para uma enxergar por onde a outra caminhava.

De todos os vínculos que acumulei na vida, aquele com minha mãe foi o mais complicado e também o que me ensinou uma importante lição sobre relacionamentos: as coisas demoram a crescer, e é preciso aceitar a velocidade do tempo.

Por muitos anos, não fomos melhores amigas. Ficamos sozinhas desde muito cedo – desde o princípio, na verdade, porque ela ainda estava grávida quando meu pai decidiu que era hora de terminar o casamento. Sei – porque me contam e também porque acho que me lembro, já que a mente se encarrega de criar falsa memórias quando uma história é ouvida milhares de vezes – que ela abriu mão de tudo para se dedicar à maternidade. Que deixou de cuidar de si, que se congelou em meu favor.

Eu tinha uns oito anos, e ela precisava trabalhar até muito tarde. Quando se atrasava para voltar, eu corria à janela da sala para procurá-la na rua, buscando seu um metro e meio (ou serão um e sessenta?) lá embaixo na calçada, eu, pendurada, sem tela, no quarto andar do prédio em que morávamos. Se não tinha a sorte de avistá-la, o que com frequência acontecia, gritava, chorando sozinha, chamando “mamãe” muito alto, enquanto, mentalmente, rezava para que a força do desejo infantil tivesse o poder de trazê-la de volta para casa. Falhei incontáveis vezes.

Àquela altura, nossa relação era de dependência mútua, e não de amizade. Éramos ambas pura fragilidade e medo, ainda que disfarçadas de fortalezas, mas, não, ainda não éramos melhores amigas.

Quando ela fez 40 anos, me lembro de pensar “Pronto, agora minha mãe é uma velha”. Pensamentos são só pensamentos, claro, e ninguém podia escutar os meus, mas, culpada só por imaginar que ela pudesse saber que, dentro de mim, havia crueldade capaz de produzir julgamentos até mesmo a seu respeito, me escondi dentro do guarda-roupas. Torcia, lá de dentro, para que o dia seguinte chegasse e, com ele, o perdão por tudo que minha cabeça produzia.

Saí de casa não muito depois daquilo. Hoje sei que larguei para trás uma mãe arrasada, abraçada ao velho cocker spaniel da família em busca de consolo e companhia. Quem cochilaria as madrugadas ao seu lado no sofá, assistindo canais de compras na TV da sala? Quem a acompanharia nos almoços de fim de semana, ou nos cafés da manhã na cozinha ao som das notícias do rádio, sintonizado sempre na mesma estação?

Não éramos amigas ainda, verdade. Mas éramos, já, um exército de duas tentando sobreviver ao mundo lá fora. Juntas. Eu sempre em silêncio, negando, mas guiada pelo amor que ela construiu para nos salvar e sustentar a vida toda.

É preciso tempo, me ensinou minha mãe. Uma árvore daquelas imensas e frondosas talvez tenha crescido mais rápido do que a amizade entre nós duas. Levamos anos, sabemos, quase 30. Foram precisos traumas, brigas, distanciamentos, netos, até que chegássemos aonde – ainda que eu não admitisse – sempre sonhamos chegar.

Minha mãe nos amou por nós duas, enquanto eu ainda relutava, imatura e rebelde, a enxergar que éramos iguais desde o princípio. Sou, agora, minha mãe inteira. Nas fotos, na voz, nos trejeitos, me reconheço e confundo em uma simbiose que amo e espero nunca perder.

As coisas demoram a crescer, e, quando crescem, nos fazem desejar que seja possível desfrutar delas o máximo que nos for permitido. De minha mãe, quero toda a companhia que me possa dar, toda a proximidade e troca. Este é, pois, um pedido de desculpas, e um acerto de contas com a vida. Hoje, o que mais espero é que minha mãe me aceite como sua melhor amiga, e que queira ficar por perto. Torço por nós. E espero, acima de tudo, que tenhamos todo o tempo que o tempo nos der.

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