Sobre aprender a ser mãe e não interferir
Vai ter festa do pijama este fim de semana lá em casa. Após algumas assembleias domésticas para decidir o formato da comemoração do aniversário de nove anos, meu filho escolheu o que parecia ser a opção mais simples de planejar, mais divertida, e, óbvio, fator essencial à fatia adulta do núcleo familiar, com o orçamento mais em conta de todos. Iupi.
Como moramos em um singelo apartamento e não em um imenso complexo hoteleiro, foi preciso limitar a lista de convidados a um número de crianças que a sala e o quarto pudessem comportar.
Desejei, eu, por alguns segundos, dando vazão àquele sentimento humano que teme o caos, que morássemos em uma quitinete e fosse possível convidar apenas meio menino? Sim. Chorei internamente prevendo pilhas de louça suja e uma madrugada em claro com vontade de fugir? Também. Mas, obviamente que não se trata de contentar a mim, e, com isso, quatro garotos receberam a convocação.
Quatro, mas que deveriam ser cinco. A lógica infantil por vezes age torto por linhas mais tortas ainda, e, ao fazer a escolha, meu filho deixou de fora um dos melhores amigos da escola – “ele tá de mal de mim, mãe, nem adianta eu insistir”, justificou, sem nem tentar.
Aqui em casa, depois que as crianças ultrapassaram aquele limite de idade em que conseguem antever minimamente as consequências das suas escolhas, a lei é deixar o baile seguir até que seja preciso intervir para socorrer alguém – e, na maioria das vezes, nem precisa.
Claro que, com isso, ninguém bota a vida de ninguém em risco. Óbvio. Mantendo as circunstâncias de temperatura e clima sempre estáveis, o nosso circo – bate na madeira – nunca pegou fogo. Produziu, no máximo, uma ou duas simples faíscas.
A filosofia do “soltar” faz, para mim, parte do que compreendo como uma das tarefas mais difíceis e essenciais do ser mãe. Assistir a cria de uma distância segura, sem interferir, exige mais que desprendimento: é preciso segurança, maturidade, altruísmo, bem como uma boa dose de fé e, por vezes, um modelo bacana de camisa-de-força.
Que mãe não sofre para não ceder aos ímpetos de segurar o banco da bicicleta para sempre, até que a Terra acabe, enquanto o filho aprende a pedalar sem rodinhas? Qual de nós não chora secretamente quando é preciso deixar um bebê tão novinho na creche, já que alguém aqui tem que trabalhar?
Conheci, uma vez, a mãe de uma coleguinha de classe que não permitia que a menina fosse aos passeios programados pela escola. Morria só de pensar que o ônibus tombasse e matasse todos os alunos. Por dentro, eu sentia o mesmo que ela. Mas preferia acreditar que, se fosse para um acidente acontecer, ele se daria de qualquer maneira conosco em um carro, ou voltando a pé da feira, mesmo que fosse na esquina de casa.
No caso da festa do pijama e do convidado esquecido, era importante que o anfitrião compreendesse que na vida há dois tipos de pessoas – aquelas que fazem cagadas e se imobilizam, lamentando o próprio erro, e aquelas que fazem cagadas e correm logo em seguida para solucioná-las. A vida, filho, repeti, é esta mesmo, cheia de tropeços, e crescer envolve presumir que nossos remendos são os que melhor poderíamos ter escolhido.
Ele vai completar nove anos, e foi posto diante do desafio de resolver a armadilha em que ele mesmo havia se colocado. E não há verbetes suficientes em dicionário nenhum que definam o orgulho que senti ao vê-lo desatar o nó e seguir em frente. Serão cinco crianças, neste fim de semana. A casa, provavelmente, vai ruir com tudo dentro, incluindo os brigadeiros e o bolo Floresta Negra. E nós, responsáveis pelo aniversariante, não poderíamos estar mais felizes com o caos que está por vir.
Ser mãe, pelo que vejo, é resumidamente confiar. Confiar, sobretudo, em si mesma e nas escolhas que fazemos ao longo desta infinita jornada. É confiar nos nossos filhos e na capacidade que eles devem ter de sobreviver até os cem anos, quiçá 150. Ser mãe é, por fim, confiar no poder do universo, e na certeza de que ele nos será leve e afável enquanto nos for permitido.