Seis lugares em que toda mãe pode dormir sem culpa

Marcella Franco

Quando nasce um filho, nasce também uma mãe com sono. A alegria de criar um ser humano, vê-lo crescer feliz e saudável, cobra um preço chamado noites em claro.  Seja na fase do recém-nascido, com sua amamentação e troca de fraldas, seja quando eles viram adultos e vão para a balada com o celular desligado, as mães destas criaturas não dormirão normalmente nunca mais em suas vidas, o que faz de nós pessoas com olheiras tão profundas quanto nosso desejo de dar uma cochilada nem que seja por dez minutos.

E toda mãe sabe o quanto esses cochilos são utópicos. Primeiro porque é impossível ficar sozinha depois que se tem filhos – ser mãe é fazer cocô com companhia até que um dia a gente morre e não precisa mais ir ao banheiro, eu costumo avisar às amigas. Segundo porque, ainda que se consiga ajuda de alguém para olhar as crianças um instantinho, haverá sempre a culpa de estar fazendo algo para si mesma, bem como o telefone tocando com o papai ou a vovó do outro lado da linha: “E aí, querida, que horas você volta?”.

Pois saibam que há luz no fim do túnel. Elaborei, nesta uma década de maternidade, um breve guia de truques para dormir um bocadinho sempre que a rotina me esgota, e agora resolvi apresentá-los à humanidade. São seis lugares maravilhosos, em que é possível descansar alguns minutos, e voltar para casa renovada, cheia de vontade de mandar todo mundo escovar dente e fazer xixi antes de ir para cama.

1) Aparelho de ressonância magnética

Excelente opção, exceto para mães claustrofóbicas. Se você acha que fica de boa enfiada em um tubo com o diâmetro pouco maior que o das suas coxas, sem pensar que vai morrer por absoluta falta de oxigênio, este talvez seja o seu lugar. A máquina, toda alva e gigantesca, fica em uma salinha muito limpa, sem peças de LEGO nem farelos de biscoito espalhados pelo chão, o que, a meu ver, já é um imenso atrativo. Enfermeiras cordiais colocarão você deitada em uma espécie de maca móvel, com colchãozinho e travesseiro, e cobrirão seu corpo vestido em um avental com uma manta quentinha e felpuda, tudo esterilizado, bem mais limpo que o edredom cheio de manchas que nem o Omo Multiação dá mais conta lá em casa. Depois de tudo preparado, a maca desliza suave para dentro do tubo, uma penumbrinha confortável, e o exame, em si, começa. A princípio, a barulheira pode parecer um pouco assustadora, especialmente nos momentos em que parece que a máquina grita DIE DIE DIE (e eu não vim aqui para morrer, honestamente, tenho sono, ok, mas preciso resolver um montão de coisas antes de partir), mas é só relaxar por alguns minutos, imaginando que se está, sei lá, em um show de música eletrônica, e tudo ficará bem. Em alguns casos, talvez seja preciso manter um acesso venoso no braço direito, a fim de injetar substâncias durante o exame, mas não é nada que incomode – dói menos que acordar de madrugada para trocar fralda, isso eu garanto. O processo todo leva, em média, uns 40 minutos, tempo suficiente para dar aquela renovada na disposição. Recomendo agendar o exame para o fim de tarde, a fim de coincidir seu término com o horário da saída da escola das crianças.

2) Maca da depiladora

Já falei algumas vezes aqui sobre meu trauma com depilação do buço com linha, e sobre como prefiro dar à luz 25 filhos antes de entregar meu bigode àquele poderoso instrumento de tortura. No entanto, usar cera quente para depilar outras partes do corpo é, para mim, algo tranquilo, pelo que passo, muitas vezes, até dormindo. De modo que, vejam a ocasião: agende no salão um horário extenso, a fim de arrancar fora cada folículo capilar presente em seu corpo. Deite-se, relaxada e nua, naquela confortável toalha de papel. A depiladora cuidará do seu corpo com todo o carinho, enquanto você cochila profundamente, recuperando as energias gastas nas últimas horas defronte à pia esterilizando mamadeiras, bicos e chupetas. Quando acordar, além de bem-disposta, você também estará careca – tudo bem, nada que um mês longe da gilete não resolva.

3) Fila de banco

Veja bem, é preciso que seja um banco, especificamente, e não um Poupatempo, por exemplo, que é uma das poucas instituições públicas que realmente funcionam, e de onde você sai com tudo resolvido antes mesmo do horário agendado. Pois bem, um banco. Escolha o de sua preferência, seja porque a palheta de cores do logotipo é agradável segundo os preceitos da cromoterapia, seja porque é uma bandeira que tem agências mais perto de casa. Certifique-se de esvaziar a bolsa de todos os metais desnecessários, bem como de deixar na gaveta pulseiras, anéis, relógios e cintos que contenham peças que possam apitar na porta giratória, evitando, assim, a necessidade de ficar pelada para conseguir entrar, algo que certamente acabaria com o sono, eliminando automaticamente a razão de se ir a um banco.  Uma vez lá dentro, pegue sua senha, e prepare-se: a espera será extrema. Assim que encontrar uma cadeira disponível, de preferência perto de uma parede, acomode-se. Se possível, encoste a cabeça, para não ficar ricocheteando e dando vexame. Assegure-se de colocar o celular para despertar, já que, obviamente, atendente nenhum vai chamar sua senha antes do fim do expediente. Às quatro da tarde, quando os seguranças já estiverem impedindo novos clientes de entrar, você finalmente será convocado à boca do caixa, onde pode, inclusive, aproveitar para pagar contas que realmente precise, ou, senão, trocar uma ideia com o simpático funcionário sobre quantas mensalidades da escola é possível quitar com sua restituição do imposto de renda.

4) Sala de espera de consultório do médico do convênio

Ginecologistas costumam ser uma das especialidades com maior procura e tempos maiores de consulta, especialmente aqueles que são também médicos obstetras. Suas chances de ficar por último na prioridade de atendimento aumentam consideravelmente se você não estiver grávida, já que pessoas preparando outras pessoas têm mesmo é que passar na frente de todo mundo. Outra boa opção para garantir uma espera severa também são os otorrinolaringologistas, já que, com esse clima estúpido, não há quem não fique com um probleminha de garganta, e também os gastroenterologistas, porque o estresse da vida moderna é capaz de dar dor de estômago até mesmo no Dalai Lama. Um truque que uso bastante quando quero ter certeza de que vou passar horas esperando minha vez é marcar horário em consultórios localizados em prédios, que tenham em seu endereço o complemento “conjunto não-sei-das-quantas” – por serem espaços menores, a chance de haver apenas um médico atendendo cresce, e, consequentemente, cresce também a demora até chamarem meu nome. Não levo livro, e deixo o celular desligado. Escolho entre uma daquelas revistas maravilhosas disponíveis na mesa de centro, folheio por cinco ou dez minutos, e bingo!, desmaio cansada no sofá de courino. Seja forte e não aceite as gentis ofertas da secretária, que pode mencionar palavras como água, café, e até mesmo biscoitos – perder tempo degustando alimentos no período em que se poderia estar cochilando é um erro comum e que deve ser evitado.

5) Cadeira do dentista

Mãe que é mãe está sempre com algum problema na boca que vai resolver “assim que tiver tempo”. E, se não sobra tempo nem para respirar, que dirá para visitar o dentista a fim de trocar aquela restauração quebrada, conter o sangramento na gengiva, tirar o tártaro da arcada inferior, ou remover os sisos que nasceram na adolescência e lá ficaram até os dias de hoje. Pois agora é a hora de resolver tudo. Se você é daquelas que dormem de boca aberta normalmente, há grandes chances de que, na cadeira do consultório, também encontre a paz tão merecida. Cheque com o profissional se é possível tomar uma anestesia geral junto com a da boca – ele dirá não, mas, né, não custa tentar. E, ainda que sem sedação, é possível repousar o suficiente e garantir as forças necessárias para a hora de ajudar na lição de casa depois do jantar. Dentistas têm a estranha mania de tentar se comunicar com pacientes que claramente estão impossibilitados de executar essa ação, dados os 19 instrumentos pendurados em sua boca durante o tratamento. Não se preocupe. Responda “aham” para tudo, ainda que não seja verdade – ele é seu odontologista, e não seu psicólogo. Feche os olhos e, mesmo já antes de cair no sono, finja adormecer profundamente. Isso ajuda na indução do cérebro, e corta definitivamente a conversa desnecessária. Acorde para cuspir.

6) Delegacia

Não sei o quanto você é familiarizada à legislação do estado de São Paulo, mas há, aqui, uma resolução interessante: é proibido fritar ovo com gema mole. Em casa, minhas gemas são sempre líquidas, para que eu molhe meu arroz e meu pãozinho nelas, mas, nos restaurantes, padarias e afins, os cozinheiros são proibidos de servir qualquer coisa que não esteja em seu estado mais sólido possível. O que é uma pena para o paladar, pode, no entanto, se transformar em uma grande oportunidade para mães que buscam uma noite de sono fora de casa. Quebre as regras, viole o estatuto, entre na cozinha da padaria mais próxima, quebre aquele ovo maroto sobre a chapa e retire-o logo em seguida para botar no prato. Com sorte, alguém chamará a polícia, e você passará uma noite na delegacia a fim de prestar explicações. Na manhã seguinte, pague a fiança e, refeita, corra para casa para preparar o café da manhã das crianças – com gema mole, óbvio.