Segredo do casamento é valorizar o outro em meio ao caos

Marcella Franco

Namoro é um negócio tão legal, mas tão legal, que a gente não tolera que algo tão legal esteja acontecendo com a nossa vida, e, então, a gente vai lá e destrói o namoro. E como é que a gente destrói o namoro? Transformando-o em casamento. E, na verdade nem precisa casar de verdade para destruir o namoro, envolver as famílias, a Justiça, Deus – não, só precisa mesmo é ir morar junto e dividir o mesmo espaço. A tal união das escovas de dentes tem poder explosivo igual ou maior que o da certidão lavrada em cartório.

A ver: agora a gente vai brigar não só por aquelas coisas todas que a gente já brigava. Agora, a gente vai brigar também por mais um montão de coisas novas, sendo algumas delas coisas que a gente nem sabia que existiam, que dirá que dava para brigar sobre. Mal posso esperar. Vai ter discussão por causa da louça suja. Da lista de mercado. Do rolo de papel higiênico para frente ou para trás.

A gente vai se controlar bem mais, também. Não só o controle daquelas coisas que todo casal tem ciúme, tipo saídas com os amigos com voltas no dia seguinte, ou o celular que não para de apitar com mensagens chegando em todos os aplicativos possíveis. Essas já são de praxe. Agora, a nova modalidade de ciúme vai ser sobre o tempo passado em frente à TV sem inclusão do parceiro. Ou mesmo o inédito controle sobre o tempo do banho ou do cocô alheios. Como se a TV, a privada ou o chuveiro fossem assustadoras ameaças à ordem e à felicidade de um relacionamento.

O problema maior do morar em uma mesma casa é que, com toda uma carta de assuntos para se bater boca novinha em folha à disposição, é uma tentação ao casal deixar de prestar atenção nas coisas divertidas. Se ficarem de muita picuinha, deixarão de ver que aqueles momentos pelos quais costumavam ter que esperar a semana inteirinha para acontecer agora estão ali, à disposição, para serem vividos todos os dias. Dividindo o mesmo teto, toda noite é noite de maratona Netflix. Qualquer hora é hora de campeonato de quem faz o outro ter mais orgasmos.

Ninguém está dizendo que vai ser fácil o tempo todo. Fora os desentendimentos, tem-se os outros pequenos ônus da convivência diária com um ser diferente (e talvez não tão evoluído quanto) de você. As escatologias, por exemplo. Quem já dormiu comigo, vestido ou pelado, sabe que sou uma pessoa que tem gases – e este é um assunto tabu em qualquer casamento, sejamos honestos. É praticamente o Voldemort da vida conjugal, aquele-de-quem-não-falamos-o-nome.

Tenho a sorte de que, desde que fui habitar o mesmo espaço que minha alma gêmea, vim parar em um bairro onde aviões passam voando muito baixo. O que, por um lado, atrapalha o sono de maneira impensável, por outro facilita o alívio e o desconforto intestinais de maneira praticamente incógnita. Aqui em Moema, a gente aproveita os pousos e as decolagens a cada três minutos para, sempre que se faz necessário, mixar o som de um pum com o do Airbus na janela. Só vi vantagens.

A perda de privacidade também pode ser outro ponto de tensão entre noivo e noiva, afinal, quem é que um dia sonhou com este momento, em que é preciso depender da agenda do outro para realizar tarefas tão mundanas quanto cortar as unhas do pé, escutar sertanejo ou mesmo se masturbar em frente ao computador? “Olha, amor, como eu sou legal, marquei para você esse curso de uma semana no interior, enquanto eu prometo ficar aqui morrendo de saudade”. Sorriso escroto, risada maligna.

Morar junto é tão desafiador que, ao invés de balde de gelo e abridor de vinho, as pessoas deveriam dar de presente ao novo casal alguns itens muito mais úteis no dia a dia, tipo: incentivo, serenidade, maturidade. Porque não há nada tão gostoso e trabalhoso ao mesmo tempo em todo o mundo. Por trás de uma fechadura em comum, é necessário expandir e estreitar o foco, simultaneamente – primeiro, para que a relação não se perca em discordâncias miúdas, e, segundo, para que não se mate o amor maior, perdido diante de um cotidiano tão vasto.

O segredo do casamento talvez esteja em valorizar tudo aquilo que no outro nos satisfaz, e que também nos enlouquece. Na alegria, na tristeza, no caos, no dia de faxina. É ir deitar, constantemente e lado a lado, e analisar as horas vividas como um bônus perto de quem deliberadamente escolhemos, sendo que havia tantas outras opções à disposição. É sentir-se, vez ou outra, apavorado, com profundo medo de perder aquela pessoa, porque não existiria, em todo mundo, ninguém com quem morar junto funcionaria tão bem.