No aniversário do amigo, postar selfie com textão é pretexto para aparecer
Desejar feliz aniversário a alguém nunca foi tão simples. Hoje em dia, é praxe aceitar sem qualquer traço de frustração até o mais preguiçoso dos parabéns, escrito às pressas, mecânico, em uma caixa de texto de rede social, em duas linhas nada inventivas em um aplicativo de conversa no celular. Instituiu-se a displicência, e ninguém se deu ao trabalho de se queixar – pô, cadê minha festa surpresa, meus balões, minha serenata urbana?
E, estava tudo assim, macunaimamente acertado, até que alguém decidiu questionar a ordem vigente e chacoalhar o mundo das felicitações impessoais. Agora ia, parece. Novos moldes para celebrar virtualmente um aniversário nasciam, e a humanidade finalmente tinha uma chance de salvação. Isso, se não fosse nosso herói um representante da geração mais aparecida e autocentrada já registrada. Um sujeito que, ao reformular os parabéns muxoxos, lançou uma modalidade infernal e sem volta: o textão-dissimulado-com-selfie-dupla.
Óbvio que você já se deparou com um exemplar em sua timeline – bobear, tem um dando sopa agora mesmo no seu feed do Facebook ou Instagram. Facilmente identificável e abominável, o textão-dissimulado-com-selfie-dupla traz, inevitavelmente, uma imagem das duas pessoas envolvidas no processo antes tão singelo de felicitar um amigo pela ocasião de seu aniversário.
É importante dizer, aliás, que a escolha deste retrato que ilustrará a legenda narcisista passa por uma curadoria detalhada, a fim não só de parecer fruto despojado de uma triagem descontraída, mas também de, em particular, fazer com que o autor do textão esteja bem na fotografia – é ele, afinal, o foco das atenções da parada toda, por mais que a ideia seja fazer parecer o contrário.
O aprendiz de poeta, agora que já está bem posicionado, com dentes brilhantes e pele boa, não importando que seu objeto de homenagem, por sua vez, pareça cansado e em um mau ângulo, fará jorrar dos dedos algo que, aposto aqui três membros, começará pela linha de como se conheceram, ambos, ele e o amigo da foto.
Foi no verão de dois mil e algo, arriscará, ciente de que ninguém vai mesmo conferir as datas. Ou, caso este modelo já tenha sido esgotado recentemente em outros textos-legenda, como pretexto para o literato aparecer usando de escada outros conhecidos, poderá, casualmente, abrir o parágrafo dizendo que essa aqui não é nossa melhor foto (fato; para o aniversariante não é realmente), mas ela mostra direitinho o que a gente mais… argh, basta.
Para a geração na qual nada existe se não envolve a si mesma, é difícil mesmo conceber um aniversário alheio que não precise do “eu” para acontecer. Como assim “hoje é seu dia, amiga”, se eu não sou parte fundamental para fazer com que ele seja real? E, mais que isso, que relevância tem a sua comemoração se não está exposta aos nossos seguidores, comigo intencional e desesperadamente buscando a admiração de quem nos lê e assiste, e a quem espero impressionar com meus dotes de escriba emotivo e de boa memória?
O textão-dissimulado-com-selfie-dupla é tão constrangedor quanto a selfie diante dum caixão no velório da celebridade. É tentar beliscar um naco da fama e do momento glorioso do outro em prol de si mesmo. Fica feio, é cafona.
Mais dignos são os usuários de pau de selfie para quem todos os autores de textões-dissimulados-com-selfie-dupla torcem o nariz. Têm mais honra, sim, porque não disfarçam a si mesmos nem ao ponto turístico no retrato. Está tudo ali, pornograficamente oportunista. Mirem-se no exemplo deles, cronistas do Facebook, e, no próximo aniversário de alguém, inovem: passem a mão no telefone, liguem, e pelo amor de deus parem de fazer dos seus amigos a sua versão particular da Torre Eiffel.