Clubinhos dos adultos são exemplo perfeito para quem quer aprender a fazer bullying

Marcella Franco

Não faz muito tempo meu filho me contou que, em sua sala de aula na escola, há um grupo de amigos que, tal qual as grandes organizações, conta com chefia, ajudantes e subordinados. E, também igual ao que acontece nas organizações, tem aqueles a quem é permitido participar, e aqueles que, barrados por critérios injustamente subjetivos de seleção, são mantidos excluídos.

A declaração não caiu de maneira muito suave em casa. Entre todas as dezenas de fatores que consideramos preocupantes na história toda, o fato de que um garoto de nove anos se encontre conectado a um sistema que comanda outros colegas e, pior de tudo, rejeita outros, nos pareceu o principal prenúncio de um desastre.

Sim, clubinhos sempre existiram e continuarão a existir, da pré-história até o final dos tempos. E, sim, pais ingênuos e cegos, como eu, também seguirão deixando sua marca na humanidade de a.C até sabe-se lá quando – ou vai dizer que algum de nós não reluta em crer que seu tesouro de criança esteja metido em uma tão cruel maquete de sociedade? Foi assim comigo, vai ser assim com você quando chegar o momento.

Mesma coisa acontece com o bullying, que, sempre que tragédias como a de Goiânia se apresentam, vira foco do debate com opiniões óbvias relembrando que a prática é intrínseca à infância, e que, por isso, não haveria nada a ser feito para remendá-la. Se é assim tão fatalista a situação, melhor cruzarmos os braços e apenas aguardar os próximos tiros, certo? Nem devo me debater, mas, sim, apenas assistir e esperar que meu filho, o subordinado número 3 do clube da escola, seja vítima – ou, pior, o algoz – de um massacre na zona sul.

Não é porque determinado comportamento infantil se repete desde que o mundo é mundo que não precisamos fazer nada com ele. Também não deve haver espaço para aceitarmos o discurso asqueroso de que antigamente as coisas se resolviam sozinhas, e que, hoje em dia, a “patrulha do politicamente correto implica com tudo”. Apoiados nestas muletas, rumamos direto ao fracasso como seres humanos.

Quando desapegarmos da preguiça de fazer alguma coisa como pais, e pararmos de terceirizar não só a responsabilidade pelos desvios dos nossos filhos, mas, também, a criação destas crianças que nós mesmos decidimos colocar no mundo, talvez haja espaço para investigar de perto não só o bullying em si, mas também tudo aquilo que já se provou ineficiente, nocivo e supérfluo para a evolução.

Será neste momento, inclusive, que provavelmente todos os pais olharão sem hipocrisia para seus próprios umbigos e enxergarão as falhas que cultivam dentro de casa e que se recusam a reconhecer. Talvez vejam como, em seus clubinhos de adultos tão crescidos, isolam aquele parente próximo só porque ele se veste diferente ou não usa desodorante.

Quem sabe percebam também, enfim, que a péssima maneira com que tratam funcionários, ou seu preconceito de raça ou classe social, talvez sejam, sim, repugnantes, e que são nada menos do que uma matriz perfeita para o comportamento que seus filhos reproduzem em seus círculos sociais em formação.

Quando uma criança abre fogo contra outras crianças, a culpa não é exclusiva de seus pais que deixaram passar indícios de que havia algo de errado a caminho. A culpa é também da sociedade como um todo, que não promoveu espaço para a diversidade, a culpa é de quem não acolheu, de quem se omitiu, de quem achou que as coisas se resolveriam sozinhas. A culpa é sua, minha, de todos nós em conjunto.

Um filho aparecer em casa falando que faz parte de um clubinho é sinal amarelo para que pais, mães e toda a família tomem urgentemente uma atitude – e atitude nestes casos não significa nunca punição, mas, sim, uma conversa franca, com espaço para que todos se expressem e, especialmente, questionem de maneira corajosa os exemplos transmitidos de uma ponta a outra. Se sempre há tempo para diálogo, sempre haverá tempo para evitarmos o pior.