Sonda é tendência para a próxima estação

Marcella Franco

Eu poderia estar correndo, eu poderia estar dançando, eu poderia estar dando um duplo twist carpado mortal para trás com cobertura extra de chantilly, mas estou só com um cano enfiado na uretra por decisão médica depois que minha bexiga parou de funcionar por conta própria. Longa história. Uns dias no hospital, cirurgia, morfina, a tão sonhada alta, e a escrota da sonda veio embora junto para casa.

De longe, meu adendo passa por uma bolsa de mão. Daqueles modelos de plástico, um tanto cafonas, sim, porque transparente, e deixaria ver, em situações normais, seu conteúdo clássico – uma carteira, celular, documentos, caneta, talvez um bombom. Mas, na minha bolseta de alça, não, nela só uma coisa fica à vista: meu xixi. Límpido, amarelo lusco-fusco, saudável, até, mas, né, mijo, ainda. Meio eca.

A enfermeira gentil ofereceu, na saída da internação, uma sacola plástica com o logotipo do hospital e sugeriu “Guarda dentro, boba”, o que também já despertou nos parentes presentes ideias de criativos invólucros para disfarçar o transporte da sonda por onde me for necessário ir nos próximos meses. Uma tia imaginou uma trouxinha de tricô com ponto reforçado, a outra, uma daquelas roupas como as de botijão de gás ou filtro d’água, mas, agora, numa versão diminuta para esconder apenas o xixi que ninguém quer ver.

Agradeci muito, têm todos sido tão gentis comigo, mas expliquei que, no que depender de mim, a sonda permanecerá assim, como veio ao mundo. Nua, explícita, esfregando na cara da sociedade toda sua função coletora e medicinal. Se não escolhi que me introduzissem um tubo nas partes pudendas, que se acostumem todos com o desfile da bolsa. Vai ter sonda, sim, e, se reclamar, vai ter sonda cheia de 2 mil mililitros.

E que se use essa oportunidade para reconhecer e quiçá louvar, até, não apenas a necessidade da sonda, mas também sua profunda utilidade nas mais diversas situações. Se o mundo se despisse dos preconceitos e se abrisse para o novo, lá estaria a sonda como acessório em shows de rock daqueles superlotados.

A fim de não perder o lugar na fila do gargarejo apenas por conta de uma inconveniente micção, os fãs portariam, felizes, suas sondas anexas à coxa, junto com o celular, o documento e o ingresso – as mãos estariam livres para os inúmeros copos de cerveja que se desejasse, afinal, ninguém tem que sair no meio daquela música boa só para se aliviar e fazer xixi.

Vejo, ademais, imensa oportunidade de uso de nossa colega plástica agora, em tempos de Enem. Lápis grafite número 2, borracha, identidade e garrafa d’água, e resolve-se o problema das fraudes e colas de estudantes que vão ao banheiro. Pode ter sonda no réveillon de Copacabana, pode ter sonda na descida para o litoral em véspera de feriado, sonda no Carnaval na Vila Madalena e sonda na fila da vacinação contra febre amarela.

À minha já me apeguei num tanto que ai de ginecologista que venha com conversa de voltar a usar a bexiga normalmente. Bora de sonda customizada de Yves Saint Laurent na reunião de trabalho, e com glitter e estampa de sereia na balada de amanhã à noite.

Não dou dois meses para a sonda surgir no próximo catálogo da Farm, e para chover tutorial de sonda em forma de donut em mil canais do Youtube. Não está aí Michel Temer aderindo à moda, para não me deixar mentir? Pois é essa a tendência do verão vindouro, meninas: cateter na uretra e bom-humor ante a própria desgraça. Confiem e mim e arrasem.