O dia em que infartei
Eram oito da noite quando mandei mensagem para o meu pai.
– Pá, acho que tô infartando.
Do alto de sua experiência como cardíaco quatro vezes infartado, safenado, mamária, mais pontes que o Maluf, sabia que ele poderia me ajudar a descobrir se aquela dor insana nas costas era, de fato, um ataque do coração ou só um pum preso, não sei, um arroto querendo se libertar.
– Entre as omoplatas. Não, mais pra direita. Isso, isso. Não, sai do meio e caminha para o lado. Vai descendo. Isso.
Meu WhatsApp de flanelinha guiou Papito em direção à luz, e, tranquilo, ele me avisou.
– Ainda vou ter que te aguentar bastante, não é hoje que você morre.
Aparentou segurança, não sei se porque de fato era o que ele sentia, ou se só queria não me apavorar demais, especialmente porque denunciou um ligeiro cu na mão ao mandar mensagens checando o quadro pelos 20 minutos seguintes. Completa meia hora do princípio da gangrena cardíaca, sentenciou:
– É muscular. Toma um remédio e dorme.
Muscular como?, se o único esforço que fiz hoje foi pendurar roupa no var… OH WAIT. Lembrei. O cisne. Maldito cisne. Na aula de balé de ontem, a professora esqueceu que somos uma turma de dançarinas da terceira idade e mandou copiar os braços enlouquecidos da coreografia do Cisne Negro. Natalie Portman, manja?
Eu, que já procurava um local adequado para depositar meu corpo em processo de morte, a fim de que meu filho, que tomava banho durante o suposto ataque, não se chocasse demais ao se deparar com o cadáver da mãe na saída do chuveiro, pude, enfim, me acalmar.
Hoje de manhã, apita de novo o celular. Correio de voz.
– E aí, morreu? Preciso cancelar o risoto de domingo? Porque ou eu compro camarão, ou eu pago seu velório. Beijo, Papito.