O Papa que me desculpe, mas o inferno são eles

Não tem mais inferno, avisou o Papa. Esqueça tudo que você aprendeu sobre tridentes, caldeirões calientes, gente pelada fazendo intriga e beliscando a bunda dos recém-chegados (uma pena, eu sei, também lamentei). Parece que agora está decretado que apenas o céu é uma possibilidade, e, por isso, serão disponibilizados mutirões de aulas gratuitas de harpa e clarinete, para que todo mundo desembarque lá podendo contribuir para o ambiente calmo de alguma forma.

Alguns dizem que já não era sem tempo de a Igreja reconhecer que o inferno é, na verdade, isso tudo aqui, pelo que prega há milênios o Budismo, ou que o inferno, na real, são os outros, conforme atentou o existencialista. Eu discordo de todo mundo. Para mim, o inferno continua existindo, e se chama GRUPO DE FAMÍLIA NO WHATSAPP.

Não sei o seu celular, mas o meu está silenciado pelas próximas cinco décadas – que é quando meu primo deve parar de enviar mensagens fascistas, porque, com 90 anos, certamente ele estará morto. Enterrada e em decomposição também se encontrará, sem dúvida alguma, a tia distante, que posta provocação política diariamente, e a quem seria deselegante eu mandar à merda em um momento de descontrole.

Francisco fala que feneceram as trevas só porque não fica recebendo imagem fofa de gatinho às seis da manhã, ou piada em forma de vídeo que consome todo o pacote de dados de qualquer cristão. Aposto que o sobrinho dele também não usa o grupo da Família Bergoglio para debater groselha nem disseminar boato sobre os vendedores de bala no Vaticano, botando drogas nos doces, para viciar as criancinhas.

Aliás, Vossa Santidade, gostaria de aproveitar o ensejo para, mui respeitosamente, caso V.S. venha a ser um dos fiéis leitores desta coluna, lhe perguntar como é que raios a gente faz para sair da seita virtual sem que os parentes percebam. Sem ofender à avó, nem ao Senhor, nem ao Zuckerberg, a ninguém, enfim.

O ideal, imagino, deve ser o sujeito evadir no meio da madrugada, quando o grupo inteiro dorme, e antes de começar o bombardeio de GIFs de “bom dia”. Ou, então, provocar uma fuga em massa, batendo em retirada junto com mais alguns seis congêneres, para que, na hora da excomunhão, se confundam os números de telefone ali misturados, e não sobre castigo para um blasfemo específico.

De todo modo, é Páscoa (“é”, não, “foi”, porque, a essa altura, todo mundo já comeu ovo e se lembrou de Jesus, que eu sei), e eu não gostaria de parecer ingrata ou herege em tão importante momento, e, por isso, compreendo que seja recomendável aguardar a próxima comemoração em família para pedir pelo amor do Papa que se mude o teor das conversas naquela pocilga, ou que, segura essa ameaça, eu vou, sim, pedir para sair.

Basta. Chega de me esconder atrás do “silenciar notificações por um ano” só porque não tenho coragem de dizer que as fotos dos filhos dos primos de terceiro grau de Tocantins não são tão adoráveis quanto eles imaginam, e nem que o boneco de crochê do Lula que o tio-avô de Santa Catarina está vendendo se parece com aquele que vem circulando na internet.

Espera só chegar o feriado de Tiradentes para você ver, como é que eu não desisto deste inferno.