Redes sociais são um golpe na autoestima dos adolescentes

Marcella Franco

Debaixo d’água rolam festas, eu estrelo videoclipes de bandas famosas, danço em câmera lenta com pares invisíveis, sou cobiçada por 20 pretendentes. Tem dias em que finalizo treinando os discursos que farei quando ganhar o Jabuti com um livro que nunca escrevi. No box do chuveiro, enfim, eu sou a versão mais bem-sucedida de mim.

Meu primeiro beijo foi no azulejo frio debaixo da prateleira de shampoo. Transei com todos os crushs em orgias quiméricas antes mesmo de perder a virgindade. Na infância, era filha de pais famosos, grandes atores da TV, e não me faltava nada, não tinha carência de ninguém.

A vida fantasiosa que eu reproduzia naquela época era o fruto de um mundo que ainda nem sonhava com internet, e que passava fax ou telegrama quando tinha uma necessidade urgente. Eu cobiçava o pouco que me chegava às mãos por meio de revistas de adolescente e filmes românticos na televisão.

Isso significa, sobretudo, que o abismo entre quem eu era e quem eu gostaria de ser não era assim tão monstruoso. No entanto, basta que pulemos duas décadas pra frente, e a catástrofe se estabelece: da vida real das garotas e garotos para o delírio das vidas no Instagram e Facebook, a desproporção é enorme.

Se eu sonhava com utopias baratas tipo namorar o astro da banda de rock do momento, e ter, no máximo, peitos menores ou sobrancelhas curvadinhas, hoje em dia não dá para sonhar com menos do que um corpo perfeito e firme, saldos astronômicos no banco, guarda-roupas de atualização diária, celulares, maquiagens, tênis, bonés, viagens a continentes distantes com praias paradisíacas em que se possa exibir em fotos todos os nossos corpos perfeitos e firmes, nossos saldos astronômicos no banco, nossos guarda-roupas de atualização diária, nossos celulares, nossas maquiagens, nossos tênis, nossos bonés, nossas viagens, nossos continentes.

Imagino o golpe na autoestima das crianças e jovens de hoje em dia, constantemente se comparando a figuras e vidas postiças inalcançáveis nem como todo o dinheiro do mundo, nem com toda a sorte do mundo. Vocês percebem, meninos, que nada daquilo existe? Que todo mundo que ostenta na tela do seu celular também faz cocô, fica doente, tem bafo, pereba, lombriga, ameba (inclusive a bailarina)?

Fui uma menina com sérios problemas de autoestima, e sou uma adulta que luta em frente ao espelho todos os dias. Porque este é um dado importante de se debater: o amor próprio não é um negócio fixo, inabalável. Ele flutua de acordo com as condições de tempo, temperatura e pressão, e pode sumir completamente, inclusive, se sofrer um baque muito grande.

Qual garota nunca se achou a mais feia da turma por não ter silicone na alma? Qual menino não ponderou a possibilidade de jamais conseguir conquistar alguém que ama só porque não tem os músculos e o carro da moda? E quais desses jovens não foi do inferno ao céu quando se viu remotamente parecido com os grandes ícones dessa espelunca chamada universo virtual?

Se o avanço das redes é inevitável, está na hora de pensarmos um modo de elucidar aos mais jovens que a vida real vai muito além dos stories e recebidos, e que, sim, também é ok experimentar vez ou outra uma dor de cotovelo. Só não dá para deixar nossos moleques crescerem sob a sombra de uma biografia inatingível, cegos para o que a tão valiosa diversidade que eles invariavelmente já trazem dentro de si mesmos.