Os solitários da praça de alimentação

Marcella Franco

Adultos são meninos e meninas altos, de terno, salto alto, que caminham pela Paulista, Copacabana, pegam ônibus e fila de mercado, todos com seus buracos no peito encobertos por roupa de gente grande, contas e crachás de empresas importantes. A gente se esbarra nos caminhos, deixa cair uma pilha de livros, a bolsa, e corre para tapar de volta o rombo antes que alguma outra criança grande perceba.

Acho sempre, enfim, que a gente cresce só em tamanho, e que tudo que se era com cinco, dez anos, talvez, continua para sempre existindo. O gosto por pudim furadinho ou liso brilhante, o talento com as figurinhas no bafo, o nojo de sabonete de aveia no banho e o prazer em desfiar o cobertor de chenille até pegar no sono – preferências se misturam aos desconsolos e moldam uma personalidade que, a exemplo das orelhas, já nasce praticamente do tamanho que terá até o fim da vida.

Muito por isso, tenho dó de adultos que comem sozinhos em praça de alimentação. Porque meu raio-x desnuda uma menina sem amigos atrás do uniforme da enfermeira mastigando mecânica um filé de frango com batatas. E o garoto avacalhado por ser ruim de futebol agora almoça todo dia em silêncio, mesmo quando racha a mesa de maneira tão próxima com desconhecidos que, se esticarem a mão, beliscam um pedaço do seu pastel de carne.

Um amigo diz que é justamente esse senso de coletividade que o fascina nas áreas dos restaurantes em centros comerciais. Que elas o fazem lembrar e rememoram, resistentes, o clima das tavernas, e isso com muito mais poder que os restaurantes, onde os espaços físicos são claramente delimitados, e socializar de maneira tão íntima parece algo impensado e até mesmo constrangedor.

E eu, que não consigo enxergar os shoppings da mesma maneira que ele, com essa perspectiva otimista e bonita de garoto bem criado em família amorosa, entendo que é esta justamente uma prova do meu argumento de que, seja sentados à beira do Giraffas ou apertando o passo para fugir da chuva, a gente só cresce para cima – para os lados, às vezes – e escolhe, discretamente, um jeito diferente de disfarçar uma angústia. Tenho 1,68m, ombros largos, porte de nadadora e uma forte tristeza de infância. Flagro solidão onde não tem.

Outro dia trombei em um menino-homem de tênis brancos. De alguma forma pareceu que a dor dele se conectava à minha, sei lá se por parecidas ou porque opostas, e ele, armando cabaninha com as mãos como fazíamos na infância, mostrou bem cuidadoso seu buraco no peito para mim.

Eu quis enfiar o dedo para sentir a textura, ou cobrir com gaze e deixar respirar para formar casquinha. Mas ele me deu as costas e saiu correndo, decerto achando que eu pudesse querer combinar sua fresta na minha, procriar de nós um monte de fendas pequenininhas. Correu com os tênis brancos pisando as poças, e de cadarço desamarrado perigando cair. Nunca mais o vi.