Não há nada mais inconveniente do que um filho doente

Marcella Franco

Fabinho vai chacoalhando no banco de trás do carro, sem cinto de segurança porque o do meio quebrou e ninguém consertou até agora, e, enroladinho na toalha felpuda emprestada, disfarça as extremidades congelando à beira da gangrena. “Puta que pariu”, grita a mãe do Fabinho pelo telefone, quando descobre que o moleque escorregou e caiu na piscina da festinha da amiga.

Ainda é sábado, mas a mãe já faz uma previsão sagaz e pessimista sobre o futuro de Fabinho nas próximas 72 horas. Ao que parece, a água gelada resfriou de maneira irreversível o corpinho de 1,40m do garoto, de modo que, a partir de agora, os problemas de saúde virão na sequência febre, tosse, gripe, vômito, pneumonia, morte. E, convenhamos, não há situação mais inconveniente a uma mãe sozinha do que um filho doente.

Fodeu, fodeu, repete, conclusiva, enquanto tira Fabinho do carro do carona, checando os sinais vitais e dando três esfregadinhas da toalha nos pulmões do menino – quem sabe assim, de modo mágico, ela ativa os leucócitos, hemácias, plaquetas, qual mesmo que protege o corpo, enfim, não importa, só mesmo que trabalhem com violência todos e quaisquer componentes do sistema de defesa de Fabinho.

Este garoto tem que ir para a escola na segunda, tá me ouvindo, e ninguém sabe direito quem tem que estar ouvindo, mas todo mundo balança a cabeça, se compadece, a gente que também é mãe sabe o perrengue de precisar sair para trabalhar e não ter o que fazer com o filho moribundo no sofá. Meter o louco e largar lá? Dá, também, para preparar um miojo, botar no tupperware, ensinar a usar o micro. Ou levar junto pra reunião, distribuir álcool gel a toda a equipe, todo cuidado é pouco na hora de evitar uma epidemia.

O telefonema clássico da enfermaria da escola não é assustador porque a gente acha que o filho caiu de cabeça e está em coma, mas, sim, porque passa na nossa frente aquele filme – trailer, no caso – revelando o pesadelo dos próximos dias úteis. Quem eu posso acionar para ficar com o Fabinho? Meu RH aceita atestado de acompanhante? Será que o diretor da empresa será compreensível? Quanto tá pagando cada parcela do seguro-desemprego? O Temer já acabou com os benefícios todos?

Telefonei há pouco para a casa da mãe do Fabinho, amanhã é dia de aula. Com voz rouca, quem atendeu foi o garoto, menos mal, pensei, ao menos ainda parece estar respirando. Oi, querida, como é que ele tá, e o prognóstico é animador, porque Fabinho deve, sim, ir para a escola nesta segunda. Amém, amém, nessas horas qualquer ateu vira devoto, mas, escuta, tá mesmo 100%? Zero febre, nada de tosse, certeza que não vai transmitir para ninguém? Sacumé, né, amiga, se o meu menino cair de cama, quem vai se ferrar sou eu.