Por que uma mãe tem que sofrer mais que todo mundo?
Eu não sei o que é morar na rua. A polícia nunca me perseguiu. Fotos minhas em que apareço nua nunca foram espalhadas sem controle ou sem minha permissão. Minha casa não pegou fogo. Desconheço a fome. Como é ser negro. Ou velho. Homem.
Minha mãe nunca morreu. Meu pai também não. Nunca fui presa nem tomei tiro. Minha mente nunca falhou, tampouco minhas pernas, que ainda me levam aonde quero. Não há, aliás, lugar aonde eu queira ir e não possa. Não sei como é não ter recursos. Passar grandes vontades.
No entanto. Ainda assim.
Conheço o vício. Perdi amores. Um órgão, dois. Olhei na cara da morte, e ela me levou pessoas. Sei o que são dois estupros. Assédios. Perdi casas, desmontei outras, invejei muitas. Senti o peso do ódio e da mão do homem. O gelo da arma de fogo na pele. Cresci sem pai. Tenho doenças incuráveis. Sonhava em ter voz, mas tenho apenas medo.
De modo que. Portanto.
Quero crer que o universo. Deus. Oxalá. Buda. Alguém. Que distribui cotas de dor em um sistema a princípio equilibrado e justo. Que ninguém vem com todas. Ou sem nenhuma. Que não há critério de acordo com gênero, idade, classe, cor. Força. Que é roleta-russa. E que a única certeza é de que a vida vai pesar em algum momento. Em muitos.
Todavia.
Tem dias de pane. Intervalos de equívoco. A inexatidão do universo. De Deus, Oxalá, Buda. Em que a partilha falha e alguém herda mais que pode. E passa a saber mais do que consegue. Quando a carga de humanidade estorva e não mais se vive, se padece.
Daí é a mãe que enterra o filho adolescente baleado. E a manchete replica a pergunta. Não viram que eu estava de roupa da escola, mãe? Mãe. Eu. Você. As nossas mães todas. Juntas beijando a testa de um menino no caixão, porque beijamos os nossos filhos e não entendemos onde foi que tudo deu errado. A conta extravasou. E ela agora precisa sofrer mais que todo mundo.
Por quê?