Foi na volta do cafezinho que Linhares viu o papel em cima da mesa. De plantão num domingo, aquele bode de pós-almoço, quase que o alvará passa despercebido em meio à tralha da escrivaninha. Mas que caralha é isso agora, meio-dia, se isso é coisa que se faça, eu fui feliz e não sabia.

Toca acionar gente por telefone, confirmar com três ou quatro autoridades, vai que é pegadinha, o Souza que gosta de pregar dessas. Mas era sério: ferrou-se. Agora é trabalhar, e paciência. Onde é que fica mesmo o formulário padrão para soltura de ex-presidente? Escreve o quê no campo “profissão”? Alguém lembra se tem que anexar comprovante de residência?

Boto o triplex ou boto Curitiba? Ô, Felipe! Felipe, ajuda aqui. Estagiário não presta para nada, que praga.

Acho bom avisar Portugal, atenta Linhares, preparando o fax. Enfio o papel antes ou depois que dá o sinal? Não seja imbecil, Souza, volta lá para os seus sudoku, aqui é papo de gente grande. Ninguém falou em Dom Pedro, essa piada nem tem mais graça.

Em qual hotel está ficando o Moro, gente? É no do Porto ou de Coimbra? Ele continua na presidencial? Alguém falou que tinha pego um AirBnb bem em conta, não sei se procede.

Começou a apitar aqui o bagulho, o que é que eu faço agora, cadê a folha de rosto? Como assim ninguém mais usa fax, nem folha, nem rosto?

E “por favor”, em Português, é “por favor” igual normal ou o que é que muda? É tudo a mesma lá do que é aqui?

Ai, que se não sou eu nessa repartição nada acontece, impressionante.

O que é que foi, Felipe, dá para falar mais alto? Morão já agilizou? Mas o cara não está de férias? Como é que pode trabalhar se na folha diz que é recesso? Olha, não quero ser o chato, mas, da última vez que a Margarida contratou motoby durante o afastamento deu ruim num tanto que não gosto nem de lembrar. E a Margarida nem juíza é, né, e motoboy nem chega perto de liminar. Enfim. Não está mais aqui quem falou.

Vixe, a Folha lá em São Paulo já está dando a notícia. Que soltou, mas não soltou mais. O Globo também, atualiza aí os gringos para ver se alguém deu. E eu que queria ir embora cedo hoje.

Vamos fazer o seguinte: vou deixar dois papéis aqui e vocês se viram. Um dizendo que pode ir, o outro mandando o cara sossegar na cela e deitar e dormir que amanhã é outro dia. Assim eu vejo se chego em casa a tempo do Fantástico. Quem sabe o Tadeu fala da gente.

Cacete. Tá me dando dor de barriga. Vocês resolvem aí enquanto corro no banheiro? Não sou de fazer cocô fora de casa, mas acho que hoje não consigo segurar. Ô, Souza, supervisiona o Felipe aí? Margarida, se o telefone tocar, você atende?

Quem foi o puto que não puxou essa descarga? Eu não devia ter vindo de cinto, ai, Senhor, me acode. Não tem papel. Certeza que foi o cafezinho. Ou o alvará. Ou o Moro, ou o motoboy, ou a folha de rosto. Talvez se eu assobiar bem alto ninguém escute. Vou cantar o hino, um sonho intenso, um raio vívido… Argh. Perdão, repartição, perdão. É que não tem intestino que aguente esse prende-solta, acaba que no final dá merda inevitavelmente.