Se precisar de respeito, chame um homem de aluguel

(Reprodução)
Marcella Franco

De tanto buscar quem montasse um guarda-roupas, quem pendurasse na parede um armário de cozinha, quem pregasse prateleiras, suportes de plantas, cortinas, o Google acabou resumindo em uma única proposta todas as sugestões que tinha para mim: por que é que eu não contratava, de uma vez por todas, um marido de aluguel?

Um homem poderoso, com uma furadeira potente, 25 brocas dos mais diversos tamanhos e ranhuras. Com sua maleta cheia de ferramentas, seus conhecimentos profundos nas áreas de elétrica, hidráulica, marcenaria, serralheria. Como não cair de tesões – e necessidades – por um homem deste calibre?

Acho que me lembro vagamente. Era 1950 quando ainda tínhamos bem definidos esses papéis na família. Os maridos operam máquinas, as mulheres conduzem vassouras. E olha que tinha cônjuge que nascia com zero de aptidão para consertar coisas, mas, ainda assim, era função dele dar um jeito na resistência do chuveiro. Problema seu, amigo, você era um ma-ri-do.

O ano agora já é de 2018-e-feminismo-bombando, e o sistema de busca propõe que um marido resolva todos os meus problemas. A ideia de um único profissional solucionar sozinho um conjunto de pepinos me parece ótima, mas marido mesmo, nessa vida, eu só chamo quando a ideia for alguém com quem ver Netflix, rachar as contas, fazer uns filhos. Não tem que casar para pendurar samambaia, nem tem que ser homem para manjar de chave-inglesa.

A dureza, no entanto, é que, ainda que tenhamos cada vez mais essa consciência, ainda há momentos de incoerência da nossa parte. Vamos admitir: tem vezes em que tudo que a gente mais quer é chamar um homem e pedir ajuda. E danem-se os parafusos e extensões – a gente inconscientemente cogita a presença de um cara em situações imensamente mais delicadas.

Sonho em ligar para o meu primo forte quando preciso fazer algo sozinha na rua à noite. É no meu ex-namorado tatuado e com cara de mau que eu penso quando sei que preciso negociar coisas com alguém truculento e abusivo. Se é preciso encarar um motorista de táxi ou aplicativo, imagino como seria fazer isso tendo ao meu lado meu pai ou um irmão.

Só nesta semana, por exemplo, aspirei ter um pinto no meio das pernas duas vezes, no dia em que o porteiro do prédio novo menosprezou minha capacidade de compreender o funcionamento da companhia de luz, e quando o eletricista apareceu em casa para um conserto e, alcoolizado em meio ao serviço, foi debochado e agressivo.

A verdade é que, aqui neste instante, macho nenhum vai respeitar mulher de graça. A regra geral é entender que são eles os donos da furadeira, e nós, aquelas que não sabem operar coisa nenhuma. Por isso, ainda vai ser preciso, infelizmente, vez ou outra, contratar o homem de aluguel não para instalar um lustre, mas para sanar contextos ameaçadores. Incomoda, a gente sabe, mas é o que vamos ter para hoje.

A igualdade, eu acho, pode não chegar nunca, como preveem alguns, por se tratar de uma utopia, mas nem por isso desisto de cobiçar a paridade de tratamento. Não precisar ter bolas para ganhar apreço. Enquanto isso, a gente segue, assim, chamando reforços sempre que preciso, e vai lutando para construir um mundo em que não precise mais ter medo de lidar com homem, e em que eles temam, de verdade, o insuportável hábito de levantar a voz para nós.