Cuidado com o banheiro que você deseja
Mandam tomar cuidado com o que a gente deseja. Que basta fazer muita força com o pensamento e, olha só que sorte, o negócio vai lá e acontece. Pois aqui são três décadas de puro desejo, três pequenas realizações, e a constatação de que, para mim, o ditado talvez não valha.
Depois que me divorciei, no mês passado, aluguei um apartamento no mesmo bairro, em um prédio antigo. Prefiro sempre as coisas velhas às mais modernas. E, como são quase sempre urgentes estes processos de separações, a busca por uma casa que combinasse localização, tamanho, charme, conservação, idade e, sobretudo, bom preço se transformou em uma gincana imobiliária na qual é permitido ter apenas três destes itens – e nem é a gente quem escolhe. Acabei com um apê pequeno, em uma excelente esquina, e caindo aos pedaços de maneira extrema.
Era algo apenas poético e solucionável nos dois primeiros dias. Algo como “olha que encantador esse disjuntor à beira da combustão”. Aqueles 60 metros quadrados me seduziam e estavam quase todos me conquistando, mas tinha o banheiro que, embora imenso, ainda me dava bode. Azulejos cinza do chão ao teto faziam dele um lugar escuro, sem graça e sobretudo cafona. Sejamos honestos: foi ódio à primeira vista.
Dei para maldizer meu próprio lar. Sujar seu nome, lhe humilhar. Do caixa do mercado aos amigos na mesa do boteco, não houve quem não me ouvisse reclamando do banheiro feio, coberto de azulejos medonhos. Cogitei demãos de tinta, quadros, colagem de tecido e até mesmo a interdição completa. Não havia saída.
E foi logo no terceiro dia de aluguel que o milagre se deu. De madrugada, alguns estalos sugeriam que, ou as gatas se divertiam pulando nas caixas da mudança, ou algo mais sério acontecia. Caguei, não há de ser nada, e, pela manhã, sentada na privada pude contemplar a bênção do desejo realizado: um por um, os azulejos, ofendidos, tinham rachado e caído no chão.
Cuidado com seus desejos. Eles podem conduzir você a uma interminável quinzena de obras e destruição, espalhar poeira de argamassa pelos tacos e obrigar a banhos no chuveiro de serviço. Só que, ao mesmo tempo, são também os desejos que têm o poder de abrir caminhos, encerrar ciclos, romper vícios. Será mesmo que a gente deve ter medo deles?
Sou movida a desejos. Segui todos, invariavelmente, desde que tenho memória da sensação de por eles ser tomada. Desejei coisas, pessoas, trabalhos, mudanças, e obedeci, cega, costurando uma história. E, ainda que isso signifique partir alguns azulejos pelo caminho, não vai ser nessa existência que vou podar meu querer – que venham todos, eu estou pronta para a reforma.