A romantização do mal

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Marcella Franco

O ser humano é apegado a tudo, especialmente ao sofrimento. Somos todos uns masoquistas. Curtimos a lama a ponto de lutar para não abandoná-la, e, uma vez libertos dela, a batalha vira voltar para lá a todo custo.

Brincam os iluminados mestres espirituais que até mesmo a bosta tem seu valor, exatamente por ser quentinha e confortável – e, ainda que o conceito de iluminação de mestres seja subjetivo, talvez valha dar um crédito à definição dos budas apenas pelo fato de que, nunca antes na história desse país, algum deles foi visto chorando diante de algum perrengue.

Amamos até mesmo o mal, quando é ele o conhecido. Porque a rotina da baixa autoestima, da depressão, do abuso, do papel de vítima e até mesmo da ameaça parecem bem menos assustadoras do que o abismo do desconhecido. E mergulhamos na violência de peito aberto, cegos e iludidos de novo. Somos todos uns românticos.

Dentro dessa ótica distorcida e viciada do sentimentalismo, é permitido sentir saudade até mesmo do que perversa e lentamente nos matava. Uma época da vida, um emprego longevo, um relacionamento duradouro – ainda que fossem nocivos, romantizamos todos, um por um, apenas pelo costume do apego. Preferimos a morte de novo e sempre, porque um assassinato conhecido parece ter mais valor que o mistério da vida.

Em lampejos de lucidez, é possível que se sonhe com a libertação. Quando, por um momento, a ficção que criamos para não escapar ganha os contornos do que na realidade é – o mal romantizado – e planejamos a fuga, um Deus ex machina, um resgate ou um justiceiro que pegue em armas para combater o que tanto amamos, mas de que não podemos – nem queremos – escapar sozinhos.

Acontece que, neste conto de fadas, não há quem vá nos salvar da torre. Os vilões até existem, mas, nessa história, não há príncipes em cavalos ou Quixotes de espada e escudo. Não porque faltem heróis dispostos a salvar a trama, mas, sim, porque a alforria é simples e não exige derramamento de sangue nem operações mirabolantes.

Sair do sofrimento, aqui, significa simplesmente caminhar pela porta e seguir em frente. Quando o mal é uma opção, a maior arma contra ele é não só a coragem de tomar uma atitude, mas, sobretudo, o poder pessoal de decisão.