As mulheres vão salvar o país, mas alguém me perguntou se eu topo?

Circula na internet: as mulheres vão salvar o país. Meu porteiro, inclusive, me parabenizou no sábado, e o cantor do show que fui ver naquela noite também deu o grito de guerra ao microfone, viva a gente, porque chegamos para acudir a pátria. Agradeci Raimundo, aplaudi Pedro Luís, mas, se me permitem uma ligeira opinião – sou mulher, às vezes a gente ainda tem que pedir licença -, acho importante dizer que não estou muito a fim de abraçar essa responsabilidade sozinha.

É incrível, sem dúvida, ver todas nós marchando nas ruas e tomando uma atitude. Se queremos ou não queremos algo, penso que não há nada mais legítimo e proativo do que reunir forças e ir às ruas para sugerir uma mudança. Mas, quando sobre essa luta recai uma incumbência desse vulto, o peso da expectativa não só incomoda e é injusto, como tem poder para se virar contra as heroínas em algum momento.

Eu não quero salvar Brasil nenhum sozinha. Nem com minhas amigas. Nem com as amigas delas e todas as parentes e vizinhas e conhecidas que elas levarem junto para o Largo da Batata e à Cinelândia. Não consigo nem salvar direito minhas matérias aqui no publicador do jornal, volta e meia perco tudo que escrevi, então que dirá tirar uma nação inteira da merda. Óbvio que vou ficar exausta.

Eu quero, isso sim, que a gente rache essa obrigação cinquenta-cinquenta. Topam meiar? As mulheres metem, sim, a mão na massa, clamando pelo despertar da consciência política, mas os homens também se comprometem a participar. Eu mesma, por exemplo, sei de muitos caras com pernas, braços, cabeça e tudo direitinho no lugar, conheço vários, e caras que podem tranquilamente marchar na avenida, propagar argumentos racionais sobre o porquê das coisas, dar aquela força na defesa da democracia.

Ao clamar que nós, mulheres, vamos salvar o rolê eleitoral que se aproxima, os homens podem até intencionar nos prestar uma linda homenagem, mas varrem, também, com isso, a responsabilidade que eles próprios também têm de se envolver na situação. Repete-se, assim, um formato estabelecido dentro do patriarcado, em que homens resolvem tudo na força bruta, e chamam a mamãe para quitar os processos de sensibilidade fina.

Por isso, aproveitemos o momento não só para unir os braços, mas também para quebrar padrões. Até porque, quando o resultado chegar, que os méritos possam ser partilhados, ou, se por qualquer motivo que seja a gente venha a não dar conta de solucionar, que a cobrança caia sobre todo mundo junto, e não só sobre as minas que se propuseram ao esforço. Neste momento, o movimento é elas, sim, mas eles todos também, faz favor.