Chegou o boleto do Dia das Crianças

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Marcella Franco

O ruim de datas comemorativas que envolvem crianças caírem em véspera de fim de semana é que fica oficializado que aquele bloco de tempo inteiro há de ser dedicado a elas, sem descanso, sob pena de a sociedade inteira concluir que você é uma péssima mãe ou pai porque ousou ser feliz em um feriado prolongado de uso exclusivo do público infantil.

Daí chega fim de domingo, depois de uma maratona exaustiva de diversão compulsória, e tudo que se pode desejar é aquele momento em que os filhos finalmente irão para a cama sem sonhar com o compromisso de amanhã – porque criança nenhuma anseia pela escola, obviamente -, e vai ser hora de botar algo adulto no Netflix, tomar um copo de gim tônica, quem sabe transar, se não for pedir demais.

Mas sexta-feira passada foi Dia das Crianças, como esqueceríamos, e até seria capaz de me deitar no sofá já com o controle remoto na mão, não fosse o fato de que, imediatamente, o celular apita e me lembra das despesas que fiz de lá até hoje, três dias de puro hedonismo mirim. A inconsequência estampada na fatura online do cartão de crédito.

O presente, na verdade, aproveitei para comprar alguns dias antes, prevendo que o ideal seria não amontoar o gasto de um salário mínimo no bolo dos outros vários pagamentos miúdos (naquele momento eu ainda pensava que eles seriam miúdos) que viriam ao longo da programação extrema.

Optei pela onda atual, os brinquedos surpresa. Algo no esquema do ovinho de chocolate com coisa dentro, mas, nesse caso, ao invés de custar pouco menos de R$ 10, o negócio custa muito mais que R$ 70, e você compra sem ter ideia do que vai vir dentro, muito menos se vai ser um brinquedo repetido ou um brinquedo merda.

(Quer dizer, brinquedo merda vai ser sempre, porque, enquanto que a expectativa era de que, por este preço, a surpresa viria cravejada de diamantes, a realidade é que ela é apenas uma bolinha de esponja com olhinhos.)

É tipo uma amostra para as crianças de como vai ser a vida adulta, com surpresinha todo mês. Cada boleto, um presente inesperado. Tem vezes em que o boletinho é fofo e custa só algumas centenas, mas tem vezes em que ele é ruim ou repetido, e, pelo segundo mês consecutivo, a fatura do cartão de crédito ultrapassa os R$ 2 mil. Como não amar?

Pois obviamente a criança amou o embrulho, a embalagem, o mimo lá dentro, tudo. Curtiu também o cinema com balde de pipoca e tonel de refrigerante, o parque com água de coco inflacionada e aluguel de patins, o sorvete, o gibi, o uber, o almoço com o amigo da escola, os ingressos da peça, o milho cozido na porta do teatro.

E, por mais que, nesse momento, quando bato as linhas finais desse texto – três horas depois que bati as iniciais, vale dizer, porque, enquanto tentava desenvolver uma ideia, também mandava jantar direito, escovar os dentes, arrumar a mochila sem esculacho -, o celular apite cobrando minha alma como entrada de todas as dívidas contraídas no fim de semana, sei que vou dormir tão ou mais feliz que o menino que agora ressona abraçado ao brinquedo.

Porque danem-se os boletinhos surpresa, que neles a gente dá um jeito depois. O que eu quero manter na cabeça agora e não me esquecer nunca é do espanto satisfeito de olhar para o meu filho, e pensar também na sorte que é a gente ainda ter pela frente muitos feriados e dias normais para passar juntos. Feliz dias, crianças.