Aos meus homens, um feliz Dia do Professor

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Marcella Franco

Todo domingo de manhã, depois da Fórmula 1, rolava a vitrola lá em casa, e o hit mais pedido na parada era a poética “Deixa Eu te Amar”. Cresci cantando Agepê, sabendo o pódio de cada grande prêmio, e sempre por dentro da escalada das novelas das seis, das sete e das oito. Uma verdadeira surra de sabedoria semanal.

Sou filha de jornalistas, gente que escreve direito, mas leitura, por exemplo, era um quesito deficitário na família. As edições da imprensa do dia forravam, à noite, o chão das gaiolas dos canarinhos que meu pai colecionava, e alguns poucos livros enfeitavam a estante da sala junto com a vitrola. Na paralela, eu devorava gibis e livros infantis que serviam mais para me distrair do que educar, e nada que tivesse passado por um crivo da ABL na hora da compra na livraria.

Eu era, portanto, um prato cheio para a mediocridade cultural. Sem instrução nem referência, inclusive na escola rasa e amarrada ao currículo básico, passaria a vida sem saber que havia vida além da obrigação de ler Luís de Camões. A sorte foi que os mestres me salvaram, cruzando meu caminho com seus discos, seus livros e muito, mas muito mais.

Eles não eram educadores. Ao menos não oficialmente. Eram jornalistas, músicos, atores, escritores, e me transformaram na mulher que sou ao me ensinar tudo que sei sobre canções, livros e filmes, e também ao construir junto comigo toda a minha cultura sexual. Meus homens foram meus professores.

Eu não tinha nem 20 anos e deitava no tapete da casa de um deles ouvindo Cartola, Edu Lobo, Tom Jobim, enquanto era beijada e ditada a lição de casa. Com outro, o programa era me enroscar nos lençóis brancos da cama de frente para a jabuticabeira do quintal e escutar Thelonious Monk e John Coltrane – na saída, levava na bolsa as resenhas do Camus que deveria estudar para a chamada oral da semana seguinte.

Enquanto amei um veterano, assistia pelada Monty Phyton, para aprender os caminhos do humor sarcástico, e houve um que, por um inverno inteiro, e também sem roupa, me deitava no seu peito e lia poesia. A cada estrofe, um beijo molhado, e, quando findo um livro inteiro, nos esquentávamos um em cima do outro.

Que saudade, queridos mestres, de todos vocês e das nossas aulas. Na nostalgia de hoje, quando se comemora seu dia, repassei cada um dos nossos anos letivos e o quanto – acho – sempre me formei com extremo louvor. Vocês ainda se lembram de mim, será? Cogitemos um reencontro de formandos algum dia desses, quem sabe, queria saber como vocês andam.