Gente trouxa
Meu analista é um cara ponderado. Costuma dizer, sessão sim, sessão também, que poucas coisas no mundo são de todo mal ou de todo bem, e que a máxima valeria inclusive para meu ex-marido, continue vindo aqui até você aprender. Torço o nariz, quase discordo, mas, aplicada, volto.
Gosto de procurar o equilíbrio das coisas. Ao sair de lá, aplico – ou ao menos tento – a sensatez lacaniana, e olho a luz e a sombra das pessoas e situações. É tenso, confesso, mas recomendo. Especialmente em tempos de eleição com tendência à polarização extrema, quando parece mais fácil cuspir na cara dos parentes que, dane-se o terapeuta, são, sim, absolutamente péssimos e sem qualidades.
Mentira. Desculpa, me exaltei. Eles não são integralmente ruins, talvez só um pouquinho. Assim como também talvez não seja completamente horrível a ideia que eles têm de que entendem suficientemente bem do tema, e que estariam gabaritados a palestrar a respeito. A intenção é ótima.
O aumento do interesse pelo debate sobre partidos, posicionamentos e ideologias como um todo tem, sim, um grande valor. Deixamos de apaticamente apertar os botões da urna para refletir um pouco antes de decidir quais números digitar dentro da cabine. E, assim, seria natural que fizéssemos escolhas menos catastróficas (teoricamente, vamos lá, boa vontade).
Estamos profundamente envolvidos com o processo eleitoral, e falando dele pelos cotovelos? Sim. Importante? Também. Só que somos coerentes quando nos exaltamos e vomitamos besteira em cima dos outros? Absolutamente não, e é aqui que mora o problema.
Quando você banca o mestre em ciência política baseado em postagens de Facebook e correntes de WhatsApp, quando espalha fake news, quando justifica seu voto pela aparência de um candidato, quando faz montagem tosca para distribuir para os amigos, quando tenta ridicularizar o outro lado e, sobretudo, quando você entende que apenas uma parcela da população vai se dar mal no final das contas, você corre o risco de passar atestado de analfabeto em história do Brasil. Você vira alguém 100% imbecil.
Se um candidato caótico subir a rampa no dia primeiro de janeiro, e provocar uma crise já no primeiro mês de governo, trago um recado importante a você, amigo: não são só aqueles que votaram no outro partido que vão sofrer. Tamo junto também nessa.
Diante de um cenário econômico falido, você também vai perder seu emprego, panaca. Não vai ser só o dinheiro do pessoal da bandeira rubra que vai desvalorizar – o seu também, tonto, vai perder prestígio. Se rolar repressão, fica ligado que torturador não pergunta em quem você votou, não, pastelão. Nem esquadrão de extermínio, para quem preto é preto e mulher é tudo igual, dane-se o comprovante eleitoral.
Ou acha que o agora cidadão armado e puto no trânsito vai lembrar das suas postagens de apoio e poeminhas no Instagram quando te apontar a pistola no meio da briga? Sabe de nada, inocente.
Isso aqui não é futebol. É bom começar a torcer pelo país como um todo, que política não é futebol e aqui não é Corinthians. Não pense nem por um minuto que seu voto contra-tudo-isso-que-está-aí vai salvar sua alma quando o bicho começar a pegar. Estaremos todos no mesmo barco, um barco ruim à beça e impiedoso com geral. Portanto, pare de falar besteira e disseminar ignorância. Apenas pense. Estude. Gente trouxa.