Uma mãe exausta

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Marcella Franco

Vivem dizendo que ninguém é insubstituível. E que as mães, estas criaturas arrogantes que pensam que só elas sabem fazer o trabalho todo direito, também poderiam muito bem ter um time imenso de suplentes e a vida dos filhos ia bem ficar igualzinho ao que sempre foi.

Ah tá.

Você já veio aqui em casa me visitar? Recomendo. Passe um dia em minha agradável companhia, eu peço, e depois quem sabe a gente volta a conversar. Começaremos a manhã em um horário razoável, algo entre 6h30 e 7h, a fim de dar início à rotina de manter todos os seres vivos da família ainda dentro desta categoria de vivos, se Deus quiser.

Passa-se ao menos meia hora em uma sequência que inclui a ração dos gatos, a água dos gatos, a areia dos gatos, (a remoção, no chão e móveis, dos) pelos dos gatos, a água das plantas, o sol das plantas, (a remoção das infelizmente já falecidas) folhas das plantas. Daí vem a criança, né, que, de todos estes, é quem mais espero que permaneça com vida, mantenhamos esta meta, depois quem sabe ela dobra.

E nisso eu nem vou listar tudo que precisa ser feito até o instante em que saímos de casa em direção à escola, primeiro porque, se você é mãe, já está ligada na imensidão do rolê e, segundo, porque, se você não é, vai desistir de ler meu texto e abandonar minha audiência. Digo apenas, para resumir, que é duro.

Passa por momentos de profunda diversão como o de implorar a todos os orixás que a criança pelo amor do santo daime coma ao menos uma porção do café da manhã, os ralhos pelo embaço na execução das tarefas, e a dor de barriga seguida de pânico diante da lição de casa não feita, ou do trabalho que teve um mês para ser concluído e agora precisa ser preparado em três minutos – será que a professora aceita um miojo na maquete?

Desovada a criança no colégio, restam oito horas (aqui cabe meu profundo agradecimento ao inventor do período integral) para produzir textos. Muitos textos. Para apurar matérias, para redigir notas, reportagens, críticas, para ler os livros resenhados, para entrevistar os personagens, para a reunião com os chefes, para levar bronca, para chorar no banheiro, para tomar uma xícara de café com lágrimas e voltar à cadeira porque está quase na hora de correr para buscar o filho de volta.

De noite se faz jantar, se dá jantar, se brinca com o menino, que não é só com esporro que se educa um cidadão, também se lê uma história, se roga novamente a ajuda do plano astral – agora quiçá um zodíaco – para que ele entre no banho, que lave direito a cabeça para não ficar com cheiro de frango molhado, olha esse pinto, capricha no sabonete, sai logo daí que não somos sócios da Light.

Quando ele dorme, tem início a faxina, que aqui não é Alphaville e a gente não tem empregada doméstica, as contas não fecham. Vassoura, pano, lustra-móveis, um aspirador de pó até que o síndico reclame, lava louça, lava roupa, pendura, recolhe, passa, dobra, guarda. Daqui a pouco já são 6h30 e eu preciso dormir um pouco.

Sábado vou levá-lo para cortar o cabelo. Tomara que a dentista também abra a agenda. Tinha vacina, também, eu acho, onde botamos a carteirinha? Se der tempo visitamos algum amigo. Se sobrar dinheiro, visitamos um cinema ou restaurante. Você teve um bom fim de semana?

Vivem repetindo que nem as mães são insubstituíveis. Os blogs, os pediatras, os parentes todos concordam que qualquer um conseguiria cumprir com a rotina de educar alguém. Torço para que estejam certos, porque eu ando cansada, e tenho tanto medo… Medo de não dar conta, medo de esquecer a ordem das coisas. De esquecer as coisas em si. Já pensou acordar um dia e não se lembrar mais de nada? Tomara que daí então me ajudem. E tomara que, desmemoriada e vulnerável, eu ao menos ainda me recorde de que não havia paz que pudesse superar a alegria exausta de se criar um filho.