Toda garota tem o seu Silvio Santos

Divulgação/SBT
Marcella Franco

Na TV, até pouco tempo atrás Silvio Santos era basicamente aquele cara que abria as portas da esperança, arremessava avião de dinheiro no auditório, dava risada engraçada e vendia produto de beleza de qualidade contestável. Simpatizar por sua figura não era complicado. Mas, de alguns anos para cá, Silvio virou o estereótipo do homem machista e inconveniente, transformando qualquer simpatia que ainda se tivesse por ele em asco e desprezo absolutos.

A situação vivida pela cantora Claudia Leitte ao vivo no palco do Teleton no último sábado (10) ganhou a proporção que ganhou porque envolveu duas figuras conhecidas do grande público, mas é importante, aqui, que pontuemos duas coisas que podem não ser tão óbvias assim.

A primeira é que, infelizmente, Claudia não está sozinha nessa situação. O alento é que a denúncia desses assédios constantes experimentados por nós, mulheres, em situações diversas do cotidiano, tem sido uma constante, e é graças a essa exposição e à união que resulta dela que vimos conseguindo talvez não evitar que os episódios se repitam, mas que, ao menos, não passem impunes como era praxe antigamente.

Ainda assim, passará bastante tempo até que toda garota acima dos dez anos de idade deixe de ter um Silvio Santos em sua história. Seja um parente, um amigo, um companheiro de trabalho – todas nós, mulheres, somos obrigadas a lidar diariamente com homens que entendem seu desejo como soberano. Ficou de pau duro ao olhar uma moça bonita? Ora, o mundo merece saber disso! Tem vontade de ejacular na roupa daquela gata no metrô? Pois que se libere o gozo, um macho não pode ter seu tesão reprimido!

A segunda coisa fundamental a se frisar aqui é que, não, Silvio Santos não está nem um pouco senil, como defende seu séquito. E não, ele também não merece um desconto. Um apresentador que comanda programas de auditório como ele o faz, que encadeia as ideias em frente às câmeras, e que toma atitudes brutalmente racionais – porém imbecis – de retomar slogans da época da ditadura em comemoração à eleição de um novo Presidente da República não pode ser classificado como gagá em hipótese alguma. Silvio sabe exatamente o que está fazendo.

De modo que gastar preciosos minutos de uma transmissão ao vivo de uma atração voltada a arrecadar dinheiro para crianças com deficiência física com comentários violentos e invasivos dirigidos a uma de suas convidadas é um ultraje não só à vítima que foi exposta no palco, mas, também, a todas as mulheres que, um dia, já sintonizaram seus televisores no canal que este petulante senhor coordena.

Em sua longa trajetória na televisão brasileira, foi o público feminino quem fez o sucesso de Silvio Santos – ou você se lembra de algum homem na caravana de Mogi das Cruzes? Junto com sua mulher Íris, o apresentador teve quatro filhas. Estes dois dados já seriam motivos suficientes para que ele se dispusesse a respeitar da maneira devida toda e qualquer mulher que pisasse seu palco, estivesse ela vestida de tubinho cor de rosa ou burca negra e luvas.

No entanto, Silvio opta por continuar se escondendo detrás de uma permissiva caduquice para pintar e bordar diante de uma plateia em sua maioria atônita, e, se não já cansada de suas insistências, no mínimo embaraçada diante do que parece ser seu comportamento padrão toda vez que fareja a proximidade de uma fêmea em idade reprodutiva.

Porque é assim que Silvio Santos age, e é como agem os tantos Silvios espalhados pelo nosso caminho em nossas famílias, trabalhos, círculos de amigos, na rua, nas redes sociais: procedem como verdadeiros machos no cio, incontroláveis e ainda assim em busca de anistia. Sinto em dizer, Silvios, que o tempo de vocês acabou. Somos agora uma legião de Claudias, e vai ficar difícil de a gente deixar barato as barbaridades que vocês fizerem.