O que realmente vale comprar na Black Friday

Paulo Whitaker/Reuters
Marcella Franco

Um amigo me conta pelo WhatsApp agora à tarde que aproveitou a semana para comprar pneus. Ele trabalha em um grande magazine, e, como acontece sempre com quem tem acesso a informações confidenciais, soube me dizer se, ao menos lá na sua loja, os descontos da Black Friday desse ano eram pra valer ou pura enganação.

Ele me garantiu, deste modo, que, sim, talvez seja esse o momento em que finalmente eu possa adquirir meu tão sonhado micro-ondas. “Deixa que já vou vendo os preços aqui para você, querida, me diga apenas de quantos litros você deseja”, e óbvio que eu nem sabia que micro-ondas se mede em litros, e avisei que tudo que preciso esquentar são minhas marmitas e minha caneca de café. Acho que em um litro cabe.

A essa altura ele está, como sempre, colocando em prática sua dedicação extrema quando o assunto é me ajudar, e eu, enquanto aguardo o levantamento comparativo de valores dos aparelhos, me pus em devaneios a listar o que também seria de grande uso caso entrasse, uma vez ao ano, em liquidação.

Porque, veja, é fato que requentar pratos de comida e estourar uma pipoca de vez em quando é de uma praticidade sem tamanho, mas tenho vivido bem nos últimos meses pós-divórcio e separação total de bens, sem algo que me proporcione calor imediato por meio da rotação das moléculas de água.

Cozinhar ovo firme e rápido é ótimo, mas você já experimentou, por exemplo, a sensação deliciosa que deve ser quitar o advogado de uma só vez? Matar aquelas duas ações parceladas em 30 anos com um boleto ligeiro, na Black Friday da vara da família?

Queria também promoções odontológicas, que me permitissem colocar os dois implantes de dentes que me faltam, caídos feito fruta madura depois de tumores brabos que me tomaram o corpo no ano passado. Imagina que sonho o dentista anunciar no seu Instagram um banner oferecendo dois molares pelo preço de um incisivo? Óbvio que eu pagava.

Também pagava, claro, por uma sessão da faxineira mais bacana do pedaço, um diazinho inteiro só para mim, pra deixar minha casa um brinco como há anos não acontece. Tem quem ame as composições do Chopin, enquanto eu gozo só de pensar em ouvir aquele aspirador de pó ligado, aquela escova esfregando a privada e os sacos de lixo descendo a escada tranquilos, tudo por mãos que não sejam as minhas uma vez na vida.

Se a faxineira da Black Friday não topasse lavar, nesse dia especial, toda a minha louça, porque é realmente muita e eu tenho consciência disso, eu bem podia também consultar meu amigo do magazine sobre quanto custa uma máquina daquelas de gente rica que faz todo o serviço sozinha, joga água, joga sabão, gira tudo, esquenta mil graus e pronto, devolve tudo limpo 40 minutos depois. Será que ela também guarda de volta no armário?

Podia ter a Black Friday dos antibióticos na farmácia, amoxicilina pra garotada a preço de paracetamol, levofloxacino para as mães com problema renal. Se bem que, nesse caso, era preciso que houvesse, antes, a Black Friday das receitas médicas, né, os médicos de convênio de repente abrindo agenda em uma promoção de horários com a mesma disponibilidade com que fazem na hora de marcar consulta particular.

Repare como o mercado não sabe mesmo ler nossos desejos. Nos ofertam celular novo, quando o que a gente precisa mesmo é de desconto na depilação da axila, na análise para superar o vazio exitencial. Faltam marqueteiros, analistas de oportunidades, não sei qual o nome dessa bagaça, mas é latente a falta de visão desse povo diante da nossa demanda. Porque a gente pode até sonhar com eletrônicos de última geração, mas precisar mesmo a gente precisa de muito pouco – cabe tudo em um micro-ondas de meio litro.