Socorro, saudade, camarão
O telefone toca, é meu filho a 2.600 quilômetros de mim. Distingo três palavras entre os soluços: socorro, saudade, camarão. Explica que jantou uma empada, agora a barriga dói, tudo parece confuso, quer voltar para casa. Hoje é o primeiro dia da primeira viagem que faz sozinho com o pai para sua terra natal, e tomar um avião de cá para lá ou de lá para cá de volta nos deixaria quatro horas e R$ 3 mil mais pobres. Inviável.
Pergunto sobre o dia, os passeios, as comidas além da empada – nada funciona. Apelo para a música de ninar. Mas eu não sou daqui, marinheiro só, socorro, mãe, muita saudade, será meu Deus que a Gol tem promoção para Recife a essa altura do ano, quem sabe se eu parcelar em doze vezes, se acalma, filho, vai ficar tudo bem, é verdade que desse apartamento dá para ver o mar?
Mãe é tão contraditória. Não tem 24 horas que eu torcia por alguns momentos de paz para trabalhar e escrever sem o barulho do videogame, os comentários pedindo atenção para cada chefão derrotado, e agora o que eu mais quero é o corpinho magrelo por perto, o cheiro da cabeça quente suada colada na minha boca. Socorro, saudade.
Termino a ligação com uma sutil impressão de sucesso. Tomara que ele durma, que ponha a camiseta para não pegar friagem do ar condicionado. Recomendei cuidado com as janelas sem tela, com o sol forte, com os tubarões, em Pernambuco também tem que usar cinto no carro, ouviu? Mãe faz curso de chatice e pós-graduação em exagero, só pode.
O jornal conta que um garotinho de três anos caiu nos trilhos do metrô em São Paulo e morreu atropelado pelo trem. Outro menino, adolescente, se afogou dentro do carro do avô que atravessou a balsa de Santos sem frear. O pesadelo maior de perder um filho. Será que mãe tem descanso de ter medo em algum momento?
O dilema de querer para si e ansiar que se ganhe o mundo. Mãe é expert na arte de querer fugir de casa e se deprimir com o ninho vazio. Trocamos um abraço apertado antes de ele entrar no táxi de manhã – você tá chorando, mãe? A gente acha que disfarça, se segura, desaba sozinha trancada no banheiro, escondida. Coisa mais difícil do mundo isso de criar filho, socorro. Saudade.
O telefone toca. Sou eu, 40 anos, ligando para minha velha no litoral. Como é que você consegue, mãe, me ensina?