Moça, você está sendo machista

Uma revista feminina posta a imagem de uma jovem com pelos nas axilas. Chovem comentários negativos, alguns mandam emojis de vômito, duas ou três frases felizes são engolidas pela maré de nojo e insatisfação. O post viraliza. Do outro lado do mundo, Xuxa faz uma selfie de biquíni para mostrar a linda cor do mar em que mergulha, mas tudo que os seguidores veem são a ausência de maquiagem e os sinais de idade no rosto da apresentadora.

Nada novo no front se fossem apenas homens criticando mulheres e suas decisões, aparências, comportamentos – nos acostumamos (mas não acomodamos) a ser tratadas como mercadoria ou propriedade de alguém, sob jurisdição masculina 24 horas por dia. Com o que não dá para se habituar, no entanto, é a reprodução do discurso machista vindo de quem deveria justamente rechaçá-lo: nós mesmas.

“Mulher com sovaco cabeludo é falta de higiene”, escreveu uma das leitoras do post da revista, certa de que os pelos dos homens são mais evoluídos e autolimpantes que os femininos. A colega abaixo não teve dúvida: “Eu não gastei R$800 em depilação a laser para vocês virem me dizer que axila peluda é bonita” (traduzindo, ela queria saber quem são vocês para me mostrar que coisas fora do “comum” também deveriam ser socialmente aceitáveis, humpf, oras).

Xuxa ter 55 anos e aparentar ter 55 anos também, ao que parece, é um absurdo sem tamanho. “Nossa, como você está acabada” e “A falta que uma maquiagem faz” podem, de longe, ser eleitos os comentários mais suaves na postagem original, que mostra uma pessoa pública, compartilhando por espontânea vontade um momento de sua vida privada, e que, no meio deste processo, cometeu o crime hediondo de ser mulher e envelhecer.

Mas não era para sermos, todas, brancas, loiras, cara de adolescente, peitos firmes e grandes, bunda sem celulite e xoxota cor de rosa, sempre-sempre até a morte, do início ao fim de nossas vidas? Não. Nem é nossa obrigação permanecer jovens até os 90 e manter o corpo depilado de uma atriz pornô diariamente? Não de novo.

Quem nos ensinou a pensar assim foi uma sociedade baseada em padrões irreais de beleza, estabelecidos por – e para – homens. Há séculos, o corpo feminino é tido como algo que tem como função primeira servir ao desejo e gosto masculinos, independentemente do que a moça que habita este mesmo corpo tenha sonhado para si mesma. Disseram que devemos estar dentro do que é esperado ou não seremos aceitas, amadas, então, muito menos.

É uma realidade milenar, e que, para ser modificada, depende de uma reforma imensa na educação das novas gerações, bem como do estímulo ao diálogo constante e aberto com quem compõe a sociedade contemporânea. Estamos engatinhando, mas em breve daremos grandes passos.

O que não podemos, no entanto, neste caminho, é emitir o padrão patriarcal de dentro do nosso núcleo feminino – pelo contrário, precisamos nos manter unidas e cuidar umas das outras, sem julgamentos. Gosto pessoal é uma coisa, mas reprodução de discurso jocoso masculino é outra completamente diferente.

Defender que uma mulher não pode ter pelos nas axilas porque não é isso que é esperado dela, assim como argumentar que outra só pode aparecer publicamente se maquiada e fingindo juventude mesmo depois dos 50 são falas que têm raiz clara no que os homens nos ensinaram e esperam que, educadas, continuemos obedecendo.

Pois aproveitemos a oportunidade brilhante que é estar juntas e vivas em uma época como esta, consciente e conectada, para mostrar o quanto somos insubordinadas, livres e criativas. Bem-vindas sejamos à era do pensar diferente.