A tal da sororidade

Sororidade
Marcella Franco

Além de ter que vestir rosa enquanto eles vestem azul, as meninas também são ensinadas que, em mulher, não dá para confiar – mulher bonita, então, melhor atear fogo, queima queima, deixa arder. Sim, o que divulgamos é exatamente o oposto, que é em homem que a gente não acredita (o que às vezes é verdade), mas, por dentro, a angústia feminina tem como alvo suas iguais. É racha? Nem conheço, mas já odeio.

No colégio, eu detestava qualquer menina que tivesse pernas mais grossas ou narizes menores do que o meu, o que, resumidamente, abrangia todo o contingente de alunos acima do quarto ano do fundamental. No trabalho, repelia aquelas que escrevessem melhor, no prédio, as vizinhas com mais pegada para chamar o elevador, na academia, todas que respirassem.

Daí que não sei dizer o que veio primeiro, meu ódio, ou meu ressentimento. Se porque nunca era convidada a fazer parte de nenhuma turma de meninas, eu ficava puta, ou se eu ficava puta, e por isso não era nunca convidada a fazer parte de nenhuma turma de meninas.

Sobravam, com isso, só os grupos masculinos, onde eu circulava até que bem, rarara que divertido, mas sempre com uma incômoda sensação de que ali excediam testosterona e suas consequências, e faltava alguma coisa importante. Os anos passaram, fui crescendo, amadurecendo, e aqui é aquele ponto do texto em que meu editor prevê uma reviravolta, o leitor se anima, eu conto minha história de superação e garanto que, hoje, sou uma pessoa incrível e integralmente resolvida.

Mas não. Continuo a mesma zona de sempre, e ontem mesmo me peguei fazendo careta para a aluna nova do balé. Crescemos nos comparando às outras, e esquecendo que, até que se prove o contrário, essa aqui é a única chance que temos de estar vivas – neste corpo, com essa mente, desse jeito. O segredo, já aprendemos, estaria justamente em enxergar as semelhanças, parando de focar nas diferenças.

São elas, as simetrias, que nos unem e podem nos salvar de um mundo sem privilégios para quem nasce mulher. É delas que brota uma força fenomenal que, quando encontra espaço para se manifestar, é capaz de mover o mundo alguns centímetros para cima, aquecer o sol, criar novas constelações.

Fácil falar, difícil pôr em prática, eu sei, calma respira, mas é que, se não abrirmos nunca brechas para que o afeto se manifeste nas relações femininas, seguiremos sem aprender nada na vida, isoladas em bolhas de recalque e solidão.

A minha bolha estourou na semana passada. Era mais um daqueles dias típicos que misturam ansiedade com baixa autoestima e elevada auto sabotagem, e uma amiga decidiu que ser incluída no grupo de meninas do WhatsApp poderia me trazer efeitos positivos. Já lá dentro, e achando que nada de melhor poderia acontecer do que ter, pela primeira vez, a minha própria turma, assisti às 22 mulheres integrantes organizarem uma força-tarefa em que a beneficiária era, adivinhe-se, eu.

Em cinco minutos organizaram planilhas, fizeram encomendas, acionaram contatos, tudo para ajudar na compra do material escolar do meu filho, que, àquela altura, não tinha um lápis grafite no estojo. Chegaram à minha casa canetinhas, cadernos, cola bastão, livros. Em uma das sacolas, dois pacotinhos com cosméticos, você mandou certo, amiga, era para mim mesmo?. Claro, ué, porque mãe também é gente.

Eu não sabia exatamente em que consistia a tal da sororidade. A minha turma, no entanto, não me deixa mais ter dúvida alguma.