Se eu não amasse ninguém
A marchinha de Carnaval, esta, a festa mais libertária do ano, garante que, ainda que todo mundo pense o contrário, legal mesmo durante a folia é estar apaixonado. Quem sabe sabe, conhece bem, e ai que delícia que é gostar de alguém e querer bem e ter um foco só nessa vida, amém.
Pois eu queria era pular em outro bloco. O Unidos do Não Gosto de Pessoa Nenhuma.
Óbvio que da minha mãe eu ainda gosto, do meu pai e do meu filho também, das amigas, dos colegas, e até o meu chefe no jornal eu curto, mas ia ser uma experiência e tanto viver um período curto que fosse sem estar apaixonada por ninguém. Não ter o coração absolutamente entretido e devotado a um grande amor. Com o sinal de livre, porém com zero pressa para aceitar uma nova corrida.
Se eu não gostasse de pessoa nenhuma, eu acordaria cedo como sempre acordo, ao som do despertador de todo dia, e ajustaria o soneca para tocar três vezes e eu então me levantar às sete e meia sem gostar de pessoa nenhuma. Faria o café forte com leite, cortaria o mamão ao meio, assaria três pães de queijo e comeria tudo com calma, porque eu não gostaria de pessoa nenhuma.
Trabalhar talvez fosse até mais fácil se eu não estivesse amando ninguém. Dirigir na Marginal, estacionar na Zona Azul, pedir pra botar trinta de gasolina, deixar aquela forcinha pra nóis, esterçar e vir vir vir vai ver seriam processos mais simples, quem sabe, se fosse o caso de não amar ninguém.
Sem um amor no peito eu iria ao mercado comprar sabão em pedra, banana prata, pedia peixe à milanesa, via peça no teatro, escovava os dentes e ouvia Djavan, tudo sem medo nem dor nem dúvida, porque, de peito vago, ficava tudo mais fácil, ficava leve ter faringite, perder cabelo, ler o Drummond inteiro, o Bandeira todo, a ata do condomínio, o manual da geladeira, o menu do Netflix, a resposta da charada de ponta-cabeça, a coluna do Antonio Prata e o olhar do namorado que não é ninguém e, por isso, não ganha amor, não sente pressão, não muda de ideia, não tem saudade nem sufocamento, simplesmente não o é de modo que não se tem.
Quando eu não gostar de pessoa nenhuma, vou aprender a tocar piano, dançar flamenco, nadar borboleta, virar estrela, usar furadeira, chorar desconto, dizer não quero, aceitar socorro e pedir distância, porque não existe desprezo quando não se tem expectativa e é assim que se move alguém que não gosta de pessoa nenhuma.
Pessoa nenhuma não, redigo, que a mãe e o pai, o filho, as amigas, os colegas e até o chefe no jornal a gente segue adorando. Era só que eu ia manter o coração ocioso, e guardar a calcinha nova, a unha feita e a reverência absoluta a quem mais merece o querer bem, o amor no peito e a escolha superlativa: eu mesma, e só mesmo eu.
* (Texto dedicado à Manu, aluna do meu curso de Redação, que tem boas ideias de temas e de quem é gostoso gostar)