Máscara de Fábio Assunção é o maior papelão do Carnaval

Enquanto eu como meu acarajé pós-bloco, o casal na mesa ao lado se diverte garfando uma moqueca e tirando da sacola as bugigangas que comprou para a folia. Confete, serpentina, tiara de flores para ela, e, para ele, uma máscara com o rosto barbudo do ator Fábio Assunção. Fábio, para quem passou o último ano em missão na Lua e não está sabendo, é dependente químico, e luta contra o problema falando abertamente sobre o assunto. Mas, nos blocos, virou o maluco que merece ser zoado em forma de fantasia de Carnaval.

O Fábio da máscara tem os cabelos muito claros, que até combinam bem com os brancos do cara da moqueca. Ainda assim, é grotesca a imagem de um homem por volta dos 60 anos que, ao prender no rosto um pedaço de papelão, embarca voluntariamente no deboche a uma doença séria. Como se rir das falhas dos outros fosse importante para a diversão.

Infelizmente, o senhor de máscara não está sozinho na galhofa. Nesta semana de Carnaval, os blocos de São Paulo estiveram apinhados de ambulantes vendendo o adereço, como eu mesma presenciei, e os comércios populares do Brasil todo, contam os jornais, também faturam com as vendas da impressão da cara doente de Fábio, com os olhos furados e um elástico preso de uma ponta à outra. Compram a fantasia: velhotes ridículos fãs de moqueca, moças de flor na cabeça, rapazes suados sem camisa.

Nenhum estudo demográfico foi realizado, ainda, para definir quem é o cliente médio deste tipo de negócio que perverte coisa grave em piada, e, por isso, fica para mim a dúvida de como seria a reação deste desconhecido freguês/freguesa se, pendurados no mostruário do camelô, também estivessem outros modelos infames de máscara.

A saber, por exemplo: uma com a cara do seu pai desempregado e deprimido, que já há dois anos toma Prozac tentando ajustar a vida, mas não consegue sequer sair da cama de manhã. Ou da sua melhor amiga, que, em um relacionamento sério há quase uma década, sabe que vive um namoro abusivo, mas não tem recursos emocionais para sair dele. Máscara da sua mãe alcoólatra, e uma do seu amigo que fuma maconha o dia inteiro todos os dias e até gostaria de ter uma vida mais solar, mas não está conseguindo.

No Instagram, Fábio até garantiu que entendia a zoeira, embora não endossasse, de maneira nenhuma, a glamourização da sua dor. Por causa desse posicionamento, antes de começar a folia tentamos, aqui na Folha, entrevistá-lo para falar sobre o assunto, mas, dada a repercussão de tudo, o ator, via sua assessoria de imprensa, explicou que, no momento, prefere ficar em silêncio.

Compreensível. Eu, que já vivi uma série de relacionamentos abusivos, incluindo um de nove anos do qual custei a ter forças para sair, talvez também optasse por me calar caso meu rosto covarde e abatido de adicta ao amor doente estampasse qualquer tipo de gozação nacional. É um silêncio que obviamente passa pela vergonha da própria fragilidade, mas também pela decisão de não compactuar com a mania de ver os transtornos mentais como doenças menores.

Dependência não tem graça. Quem converteu um vício em máscara – e sobretudo quem a vestiu – merece 10 no quesito de maior papelão desse Carnaval.