No caso Danilo Gentili, eu fico com Reinaldo Azevedo

Entre lacrações no Facebook e opiniões na imprensa, devo ter lido, de ontem para hoje, três dúzias de textos sobre a condenação de Danilo Gentili. E, ainda assim, saio da maratona exatamente como entrei: sem saber o que achar dessa história toda. Queria ser como os colegas Tony Goes e Nina Lemos, por exemplo, que, cada um à sua maneira e em lados contrários, souberam se posicionar com clareza. Ou como a galera da caixa de comentários dos portais, essa nação sempre tão incompreendida, mas que, pela primeira vez, me causou inveja profunda – eles ao menos têm uma opinião. Eu não tenho nenhuma.

Conheci Danilo dez anos atrás. Eu fazia uma reportagem sobre o início do stand-up comedy no Brasil e (olha que visionária) sobre os variáveis limites do politicamente correto dentro do humor. Além de Danilo, entrevistei naquela mesma semana Fábio Porchat, Rafinha Bastos e Marcelo Tas. Danilo foi o único dos quatro que considerou apropriado fazer um comentário seboso a respeito da minha aparência.

Corta para 2019. Salvo raras exceções em seu início de carreira, com alguns shows e a performance no CQC, sempre entendi que Danilo Gentili é um cara talentoso, mas que, em algum ponto da estrada, perdeu a mão no jeito de debochar da vida que tanto já o provocou. E, assim como aconteceu lá naquela época, por não me identificar com o tipo de graça que ele faz, preferi me manter longe. Sem opinião. Sem curtir pra caralho, mas sem desejar que ele morra.

Penso que uma das principais raízes do mal-estar geral que vivemos hoje é que não se pode mais não achar nada. É exigido que tenhamos, para tudo, um ponto de vista muito firme e declarado, sem titubear ou precisar de tempo pra pensar. Uma questão polêmica surge e, automaticamente, já é necessário que se tenha assim, à queima-roupa, 1) um juízo de valor sobre o assunto, 2) fundamentos para tal juízo, 3) e um textão bonito para postar nas redes.

Nem mesmo em conjunturas complexas como a da condenação de Danilo Gentili é permitido hesitar. Como assim você não tem uma leviana opinião formada sobre algo que envolve um assunto tão solene quanto a legislação criminal? Como você não acha que foi censura? Como você não quer que ele vá preso? Quem ousa vacilar o pensamento assim? De que lado você está, afinal? E, se a gente não consegue ter nem mesmo serenidade para aguardar um posicionamento, fica difícil achar que vamos ter tolerância quando todo mundo resolver falar.

Na mesma semana em que somos todos obrigados a ou defender ou a crucificar um humorista, também precisamos estar a postos para declamar resenhas críticas da final do BBB, da expulsão um dia antes da final do BBB, das chuvas no Rio de Janeiro, do prefeito do Rio de Janeiro, do clipe k-pop do BTS, da bissexualidade da Anitta, da prisão do Assange, da Reforma da Previdência.

E gente como eu, que se sente pressionado diante de escolhas boçais como responder se a senhora quer batata frita média ou grande no drive-thru, morre um pouquinho por dentro diante de tanta pressão e urgência para assumir partido nas tretas diárias do noticiário. Assim como a Sandy, eu também tinha resolvido esperar – mas hoje em dia não pode mais.

Vivemos tempos tão confusos que diariamente me surpreendo comigo mesma. Dá o fim de tarde e fico ansiosa para ouvir o que Reinaldo Azevedo tem a dizer em seu magnífico programa “O É da Coisa”, na Band News FM de São Paulo. Quem diria: eu, a esquerdista imunda (para qualificar jornalistas na internet o povo também tem pressa), ávida pelos comentários do Reinaldo, que muitas vezes me ajudam a formar uma opinião mais redonda.

Só que na vida real não tem “O É da Coisa” a cada 20 minutos, ajudando a gente a analisar o mundo com maior clareza. De modo que quero viver em um cenário em que seja autorizado demorar para responder. Quero ter liberação para pensar antes de falar e, sobretudo, de escrever. Quero, se assim precisar, poder ouvir o que o Reinaldo pensa, o que minha prima pensa, ler o que meus colegas escreveram sobre, e só depois abrir a boca e o computador para dar meu parecer. Quero de volta a época em que a lacração não era obrigatória, e ficar às vezes em cima do muro não era crime capital. I have a dream – e, nele, todo mundo deixa todo mundo em paz para pensar.