Mães: onde vivem, quem são, de que se alimentam?

O mercado publicitário compreendeu já há algum tempo que, para se comunicar com – e vender para – as mães, era necessário mudar a forma com que olhava para elas. Deixar de enxergar seres que vivem para servir à família e que, por isso, amam ganhar panelas, para vê-las como mulheres que, além de criar filhos, também têm profissão e ocupam outros papéis na sociedade. Assim, dá-lhe ofertas de bolsas, maquiagem, eletrônicos e tudo mais de que uma mãe trabalhadora precise para ser feliz.

Acontece que, mesmo com o ajuste no foco da propaganda, as marcas ainda seguem ignorantes. Acham que diversificar seu público-alvo basta para mostrar que sabem o que ser mãe significa. Mas, uma fabricante de calçados, por exemplo, que às vésperas do Dia das Mães apresenta, em sua campanha especial, uma “mãe de planta”, afirma sua incalculável ignorância acerca do tema, e prova que estamos ainda a anos-luz da correta visibilidade.

Com o argumento de reconhecer que não é preciso parir para maternar alguém – e, com isso, abarcar acertada e respeitosamente as mães adotivas, e as madrastas e enteados – a empresa sugere que cada um pode ser mãe de quem e do quê bem lhe convier. É linda, sim, a dedicação de mulheres aos seus pets, e agora também aos seus lírios-da-paz, mas equipará-la à vida de alguém que é responsável por outro ser humano só atrasa as conquistas femininas no mundo.

Não se trata de competição nem de possessividade sobre um título, mas, sim, de reconhecer que, depois de ter, adotar ou agregar um filho, a rotina de uma mulher nunca mais será a mesma. Encontrar (e manter) um emprego, pagar as contas em dia, sair com os amigos, arrumar um namorado, zelar pela saúde, educação e, sobretudo, pela sobrevivência daquele outro ser viram prioridades cujo preço às vezes é altíssimo.

Uma samambaia morre se não recebe água por uma semana. E uma criança, o que acontece com ela quando, por um único dia, não ganha cuidados mínimos? Sendo o pai quem falta com a rega, a consequência obviamente não é maior do que um pequeno aborrecimento, mas quando é a mãe quem não agua o rebento, o resultado é muito pior do que folhas murchas e terra seca.

O levante na internet direcionado à marca autora do post equivocado de Dia das Mães não é em nada surpreendente, assim como também não espantam ninguém as queixas indignadas de clientes que se viram representadas na propaganda, por não captarem o centro de toda a questão. De todo modo, certamente a empresa já se deu conta de que, além das desculpas já pedidas, será necessária uma boa administração de crise – afinal, quem precisa de sapatos de alguém que atira no próprio pé?

A campanha desajeitada serve, no entanto, para abrir um importante debate: se a sociedade não entendeu até hoje quem são as mulheres, tentando cercear sua jurisprudência para dá-la nas mãos de quem quer que seja, como é que podemos esperar, então, que o mundo compreenda quem é esse subgrupo tão complexo de mulheres que cedem sua vida pela vida de outra pessoa? E, se o mundo não faz ideia da identidade materna, por que o fariam os diretores de criação das agências?

Em um mercado concorrido e selvagem, ganhará o produto que se der conta de que nós, mães, somos mulheres que, por dentro, à parte o coração completa e irreversivelmente ocupado, ainda carregamos nossos sonhos de criança, nossos romances adolescentes, as frustrações e desejos da juventude. Mulheres que, não fossem as marcas no corpo e as certidões assinadas, a conta bancária devastada e uma permanente sensação de estar fazendo menos que o ideal, passariam despercebidas em meio a uma legião feminina de matizes infinitas.

Não somos “guerreiras”, senhores publicitários. Tirando as fantasias da infância, quando brincávamos assumindo papéis bélicos, temos pouquíssimo interesse na batalha, e, sim, na paz branda da normalidade. Tampouco queremos ser tratadas por “divinas”, deixando, por favor, o manto sagrado e as asas de anjo para quem pela pureza tenha apreço. É que nós, mães, pasmem, não só transamos, como também gozamos quando bem tratadas.

Não temos uma aparência específica, o que não nos permite ser identificadas de cara no comercial de TV ou em um post do Instagram – abandonar as tentativas de nos rotular e conferir um semblante comum seria de bom tom. Não somos “todo mundo”, mas também não somos “aquelas lá”.

Estão nos acompanhando? Somos, se isso bastar, simplesmente mães, aqueles indivíduos para quem a vida das pessoas a quem escolhemos amar desde o primeiro dia juntos virá sempre em primeiro lugar. Temos como objetivo único e universal garantir que nossos filhos vivam até os 200 anos de idade, com poucas quedas e cortes pelo caminho. E se, de quebra, ainda der para eles serem extremamente felizes no trajeto, para nós tanto melhor.