A sociedade dos meninos

Mauro Pimentel/AFP
Marcella Franco

Viagem internacional juntos, anel de compromisso, almoço de domingo com os sogros, primeiro Natal em família, sexo anal, ménage, suruba, bondage, pedido de casamento em Paris: nas duas décadas em que venho praticando o amor, nunca houve entre estes tantos assuntos um tabu, fosse para mim ou para o parceiro. Mas experimenta abrir a boca sobre gravidez para ver o que te acontece.

Óbvio que na adolescência um papo sobre filhos faz qualquer um tremer na base, já que trocar estudos por fraldas sujas quebra os planos de homens e mulheres igualmente, mas qual é a do arrepio masculino adulto quando a gente decide jogar conversa fora imaginando nomes para uma criança hipotética, ou mesmo debatendo a sério os desejos a respeito de com que idade se sonha procriar?

Hoje, primeira sexta-feira do mês de junho de 2019, tenho um filho, um ovário, e uma dúvida: se encaro ou não o desafio de engravidar novamente. Depois de um tumor, oito cirurgias e 39 anos, meu corpo se modificou ao ponto de que fazer uma criança sem ajuda médica pode ser algo um tanto complicado. Por isso tudo, pensamos, nada mais natural do que conversar abertamente sobre isso com os pais em potencial deste filho que eu gostaria de ter.

Só que a realidade é bem menos fofa e com cheirinho de talco. Vivemos em uma sociedade que abriga os homens em um status confortável, no qual considerar a existência de seres mais imaturos e sob sua responsabilidade é não exatamente assustador, mas surreal e impensável. Afinal, se eles ainda são – e ainda o serão até os 40 – os eternos meninos, não haveria como transferir o título a um possível herdeiro.

Sujeitos de 27 anos são chamados de meninos ainda que tenham um filho de sete. Delegam a conta bancária e a defesa de sua honra ao pai e à mãe, se abrigam debaixo da imagem de moleques ainda sem condições psicológicas de assumir uma conduta ajuizada porque se encontram em desenvolvimento. Culpam o córtex frontal em formação pelos tropeços de adulto vacilão que cometem. E todo mundo aplaude, e todo mundo acata, e o menino errado continua como herói.

Das mulheres é cobrado o comprometimento total e irrestrito à maternidade depois que nasce o primeiro filho. Que se abra mão de tudo, do trabalho à diversão, se for para focar na criação da sua criança. Depois que engravidamos, não somos nunca mais chamadas de meninas – viramos todas “guerreiras”, “leoas”, potências. Viramos mulheres.

E acho possível dizer que, na maioria das vezes, ainda que depois de uma gravidez inesperada, acabamos abraçando este papel com gosto – e, se não com prazer, com pelo menos um senso de responsabilidade imenso, com a consciência de que chegou de vez a hora de crescer.

Mesmo quando a maternidade não representa um sonho, nem assim se vê uma mulher correr em pânico do debate. É especialmente ali que ela estará ainda mais comprometida com a defesa de seus ideais e preferências.

Eu queria muito poder conversar sobre as possibilidades que tenho para uma segunda gestação, ou sobre os caminhos que me levassem a mais um filho, mesmo depois dos 40 anos. Queria encontrar espaço para, à mesa do jantar, despretensiosa e confortável, debater meu corpo, meu coração e meu futuro. Mas este é um assunto proibido, aprendi. Eu que sonhe discretamente.

Enquanto permitirmos que meninos tenham meninos e nem assim cresçam, ou que suem de nervoso diante de uma conversa sobre reprodução, seremos obrigados a lidar não apenas com sua omissão, mas também com a espetacularização de seus pecados privados. Homens se acertam na justiça, meninos se resolvem nas redes sociais.

A discussão, neste momento atual, tinha que ser muito mais do que nomear crimes e eleger culpados – era hora de a gente entender que, na geração do culto à imaturidade, as vítimas são ninguém menos do que nós mesmos.