Tem coca aí no bagageiro

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Marcella Franco

Junto com os gafanhotos e a gripe espanhola, a maior desgraça da humanidade é quando vaza o vidrinho de xampu dentro da mala e fica tudo melecado. Não importa o que você precise usar naquela viagem, se é roupa limpa, sapato, livro ou remédio, vai estar tudo contaminado com a gosma do Colorama Nutre Ovo.

Por isso tem tanta gente que ensina na internet a organizar uma mala direitinho, prevenindo acidentes e ainda otimizando o espaço pra acomodar mais coisas que a gente realmente vá usar enquanto estiver fora de casa. Mais ou menos o que a japonesa Marie Kondo faz nas residências, só que aqui são especialistas em bagagem.

Já tem alguns anos que aprendi, por exemplo, a confeccionar rolinhos com as blusas e calças, porque parece que assim, tipo salsicha, elas cabem mais e cabem melhor. E a transferir os produtos de higiene para frascos minúsculos, com a contagem exata daquilo que vai ser necessário durante os dias viajando (e, ainda assim, compactos, eles às vezes insistem em explodir mini explosõezinhas desgraçadas).

Uma coisa que ninguém nunca me ensinou até hoje foi a arrumar mala com drogas. Nunca havia sofrido muito por causa disso, até porque eu achava que era ilegal, mas agora que a gente viu que dá pra sair fácil do Brasil com 39 kg de cocaína, sem arcar com taxas nem ser preso na revista, poxa, achei que ficou faltando o módulo entorpecente nos vídeos dos influenciadores de viagem no Instagram.

Algo na linha Marie Kondo mesmo, não carregue excessos, leve apenas aquilo que for consumir – ou comercializar. Pense que é possível repetir os looks. Que ninguém usa nada além de chinelo quando é verão. Que a maioria dos hotéis tem secador de cabelo. E que a cocaína vai sempre melhor se embalada em saquinhos plásticos e dissimulada nos fundos falsos.

Além de pensar que era proibido, eu também imaginava que estava definido pelo governo que só podia levar mala com 10 kg no máximo, então gostaria de uma ou outra aula no Youtube sobre como ajeitar padê na bagagem sem ter que pagar excesso no guichê.

Até porque tem pouca coisa mais humilhante na vida do que se ajoelhar na frente do atendente para abrir a Sansonite e escavar de lá de dentro suas intimidades, decidindo qual sapato vai, qual sapato fica, qual droga vai, qual droga fica, e isso que a gente já era obrigado a botar tudo no ziplock pra mostrar na imigração (neste caso, se eu levar cristal já dissolvido na água ela vai pro saquinho, pro frasquinho minúsculo ou jogo tudo fora?).

Os oficiais da revista e da alfândega me deixam em pânico, e eu nem 1 kg de cocaína transporto nas férias. Fico nervosa quando vou passar no raio x, ainda que não tenha dinheiro pra contrabandear nem meia garrafa de uísque, mas porque sempre acho que, de algum modo surreal, os policiais vão encontrar a ponta daquele cigarro de maconha que fumei com os pescadores em Caraíva no reveillón de 1998.

Ou mesmo a caixinha de Rivotril, que levo inteira diante da ameaça de insônia perpétua causada pelo jet lag, e que reconheço que tem toda cara de tráfico, mas que se me derem cinco minutos para achar a receita médica aqui na bolsa vou poder mostrar que é pra consumo pessoal mesmo.

Podiam ensinar a gente não só a sair com drogas, mas também a voltar com elas. Sou continuamente tão contida nos souvenirs, no máximo um chaveiro local ou chocolates do freeshop, que seria interessante aprender a voltar pra casa com tóxicos típicos de cada carimbo do passaporte. Minha tia, por exemplo, ia amar provar uma carreirinha de pó colombiano.

Mas confio piamente que tal pauta já esteja no radar do governo, isso de orientar melhor nós, os passageiros. Afinal, quem já extinguiu o horário de verão e a tomada de três pinos não faz nada além de zelar ininterruptamente por sua nação.