Às mulheres, só é permitido envelhecer no FaceApp
Assim como a sua timeline, a minha também anda repleta de senhoras e senhores. Foram poucos os amigos que não entraram na onda de se envelhecer via FaceApp, um aplicativo que simula rugas, muitas rugas, e ralos cabelos brancos em fotografias atuais, na tentativa de adivinhar como vamos parecer na hora em que a idade chegar.
Dado que por aqui a idade já chegou, e chegou bem, adiei minha entrada na brincadeira. Ri bastante das caras velhas de todo mundo mais corajoso que eu, e fiquei na miúda só imaginando como seria o estrago quando finalmente chegasse a minha vez. Tenho 39 anos, e um medo ridículo de envelhecer.
Há pouco mais de um mês, tive a comprovação de que não estou sozinha. Como mulher, a gente até cresce sabendo que, honestamente, nenhuma de nós encara a velhice com serenidade – são tantos os padrões de beleza que nos são impostos que existe até um nome para este especificamente, o etarismo. Mas, mesmo sabendo que somos uma legião de apavoradas, acho que eu não tinha, ainda, a real dimensão do problema.
Foi quando conheci o trabalho de Mirian Goldenberg. Também colunista da Folha, a antropóloga é especialista no tema “felicidade”, sobre o qual vem realizando pesquisas já há anos. Tivemos recentemente três profícuos encontros para entrevistas, matérias e debates. Em todos, falamos sobre o tal pânico feminino de envelhecer. Em todos, Mirian me deu não só uma aula, mas também um bocado de esperança.
Recomendo fortemente a leitura de seu livro mais recente, “Liberdade, Felicidade e Foda-se”, bem como sua palestra do TEDx, disponível no Youtube. Em ambos, Mirian comprova que no mundo todo há uma faixa etária em que ser feliz parece um conceito bem distante, mas que, entre nós, brasileiras, este período parece ainda mais doloroso de enfrentar.
É entre os 40 e 50 anos de idade que somos mais infelizes no geral. Em comparação a outros países, como a Alemanha, por exemplo, Mirian mostra que, aqui, o desânimo – comum a todos que estão na fase, por exemplo, de criar filhos adolescentes e tentar encontrar novos objetivos de vida – é ainda maior porque somos cobradas para nunca envelhecer. Para não ficarmos feias. Para não parecermos imprestáveis.
O máximo que a sociedade nos permite é brincar de definhar. Com as rugas e imperfeições apenas forjadas no aplicativo, podemos todos dar risada e relaxar – afinal, tudo não passa de uma diversão sem maiores consequências. Mas experimentemos ficar velhas de fato, e Deus e o mundo nos viram as costas, a começar por nós mesmas diante do espelho.
Permanecer jovens e bonitas, aponta Mirian, é o maior capital que as brasileiras têm. Acabado, ele deixa para trás mulheres invisíveis não só aos desejos masculinos, mas também a tudo que nos era direito no mercado de trabalho, na cama, e na rotina fora de casa. “Velha ridícula de minissaia”, resume a antropóloga, ao falar sobre como, depois dos 40, somos julgadas e escanteadas.
O terceiro elemento no título do livro é uma pista sobre uma possível saída desta enrascada que um dia nos meteram, e que seguimos propagando ao não nos aceitarmos em nossas inevitáveis formas envelhecidas. Para Mirian, ou nos descolamos publicamente de um ideal impossível de juventude eterna, ou a nenhuma altura da vida seremos capazes de ser feliz.
Em suas palestras, quando alguém pergunta sua idade, Mirian responde que tem desproporcionais 93 anos. Muito antes da febre do Face App, a antropóloga já havia encontrado uma maneira de se aceitar como mulher, tão mortal e tão bela quanto todas nós aqui reunidas, compartilhando desta existência.
Hoje, ao finalmente respirar fundo e apertar o botão da transformação no aplicativo, pude me deparar com o palpite do que será minha aparência daqui a – como saber? – alguns 30 e poucos anos.
Ainda é um choque, inegável, mas, apreendidos os conselhos de Mirian, pude não só rir como fazemos todos ao nos considerar ainda distantes da simulação, mas também consegui pensar que, se de fato, se trata de uma fotografia do futuro, é importante que desde já eu possa abraçar a mulher que nela aparece.
Seja bem-vinda, Marcella, você sempre foi e sempre será preciosa em qualquer idade.