Das seis às nove, mulheres só correm atrás de homem

Divulgação/TV Globo
Marcella Franco

São 912 opções, mas a TV lá de casa vive sintonizada em apenas dois canais de criança, com programações que meu filho alterna assistir. Centenas de reais pagos no fim do mês para ver “iCarly” e “Jovens Titãs”. Mas a sensação de fracasso econômico se resolve de vez em quando, sempre que minha mãe resolve vir a São Paulo nos visitar. Egressa de uma geração que só desliga a TV ao sair de casa – e às vezes nem isso – ela acompanha a grade da hora que acorda até quando dorme. Mas que fique claro: a grade inteira, sim, só que apenas a da TV Globo.

Quando eu era criança e a gente morava juntas, me lembro de que ainda eram permitidos um ou outro SBT, TV Cultura, e até mesmo aqueles canais de compras com promoções, e a gente deitada no sofá à noite brincava que um dia seria rica e compraria muitos móveis, roupas e eletrodomésticos. Hoje, no entanto, depois de décadas morando sozinha, ela desenvolveu o apego imenso aos horários de uma semana ditada inteirinha por uma única emissora de TV.

E com essa rotina vêm, claro, as novelas. Na semana passada, mamãe aportou por aqui e eu havia me esquecido de quantas novelas a Globo produz por dia. Impressionante, não há como negar. E, pelo que eu achava que sabia de antigamente, o teor das tramas ia pesando de pouquinho conforme o horário – pepinos adolescentes na novelinha, um ou outro perrengue na das seis, boletos maiores na das sete, até culminar com a vida como ela é às nove em ponto.

O que eu vi nesses últimos dias, porém, não tem mais qualquer semelhança com isso. As novelas agora são monotemáticas, da tarde até a noite. Não há mais uma escalada. Hoje em dia, o sol nem bem se pôs lá fora e, na tela, as mulheres já estão correndo atrás de homem.

Não importa o tema central. Invariavelmente, as cenas vão mostrar uma mina ou chorando por um cara, ou agarrando um cara, ou passando a perna na amiga por causa de um cara, ou planejando como será encontrar um cara mais tarde. Na novela das nove atual, por exemplo, a filha trai a mãe com o padrasto, e trama roubar sua fortuna para viver melhor ao lado dele. Jura?

Estamos em 2019, e a Globo ainda nos vê – e nos retrata – como personalidades rasas e clichês. Modifica o cenário, para dar uma arejada, mas nos coloca sistematicamente como mulheres que vivem suas vidas para conseguir e manter homens ao seu lado. Não temos outras grandes ambições. Até podemos ser bem-sucedidas, formar famílias, ter amigos. Mas, por trás disso tudo, sempre haverá um ego focado no sexo oposto.

Daí viramos heroínas, antagonistas, participações especiais e figurantes correndo atrás de macho no Leblon, correndo atrás de macho em Portugal no século passado, correndo atrás de macho nas Índias, na colônia italiana, em São Paulo, na Grécia.

É um engano dizer que essa visão deturpada é um problema exclusivo de novelas. Até pouco tempo atrás ríamos de enredos como “Friends” que retratavam, na TV por assinatura, mulheres concentradas em poucas coisas além dos métodos que usariam para levar um homem pra cama.

Os anos se passaram, os roteiristas perceberam um movimento no eixo da Terra, e começaram a produzir séries contemplando o que sempre fomos: figuras complexas, com desejos, nuances e sonhos que até abrangem relacionamentos, mas que não se atêm apenas a isso. Nasceram, assim, joias como “Big Little Lies”, que retrata o poder construtivo da amizade feminina.

Há quem defenda que as novelas entregam aquilo pelo que o público anseia. Não sou estudiosa do tema, mas fico com a impressão de que esta é uma desculpa fácil de quem busca audiência a todo custo, entregando scripts surreais a quem também se interessaria por histórias mais cuidadas, com personagens mais densos e ajustados à época que vivemos. Isso não é menosprezar a plateia?

Estreou, nesta segunda-feira (29), a nova novela das sete da Globo, “Bom Sucesso”. Minha mãe já foi embora, e a TV de casa, com isso, voltou à programação normal de Cartoon Network e Disney Channel. Não me prestei a assistir ao primeiro capítulo. Em vez disso, busquei no site a sinopse, e me animei quando li que a protagonista é apaixonada por livros e manterá uma amizade com um homem mais velho, com quem deve aprender bastante sobre a vida.

O site dizia, no entanto, que já está prometida para a primeira semana a apresentação de um triângulo amoroso, envolvendo a mesma personagem, que tinha tudo para ganhar minha simpatia. Desisto. Pena. Planejo me esquecer de pagar a conta da TV a cabo quando minha mãe me fizer uma nova visita.