Pena que eu não sou assinante
A caixa do supermercado foi passando as compras, pouco volume, só três litros de leite, duas frutas, pão, tomates e Listerine. Deu R$ 29,90, senhora, e tive que lamentar. Poxa, moça, eu queria muito, muito mesmo, comer essas coisas e enxaguar minha boca depois, mas eu não sou cliente da sua loja, então vou ter que ficar sem. Né? Né? Nééééé? Ou agora você tem pena de mim e vai me dar esses itens de graça?
Mais tarde, nos Correios, com a embalagem toda pronta, etiquetada e linda, a nota fiscal anunciava que o Sedex para Brasília, onde mora meu melhor amigo, ia custar R$ 29,90. Amanhã no máximo às 10h ele recebe, sorriu a Elizângela do guichê 6, e eu sorri ainda mais rasgada, certa de que minha simpatia a convenceria a enviar o presente sem custos. É que eu não sou sua cliente, Gegé. Quebra essa?
Vejo que, amanhã, o pacote de serviços do Bradesco vai descontar R$ 29,90 do saldo da minha conta-salário. Passo pelada pela porta giratória, pego a senha, espero quatro horas, e tento explicar para o gerente que, como não me considero correntista oficial, gostaria de desfrutar dos produtos do banco sem precisar pagar por eles. E, veja, Rubens, você sabe que eu sou fã do seu trabalho.
Ai, Marcella, quanto exemplo absurdo. Precisa falar assim comigo? Mas é que só assim pra vocês entenderem o que acontece toda vez que publico um novo texto na Folha. É chuva de joinha, é o pessoal achando o título bom, mas sempre tem alguém comentando embaixo que quer muito, muito me ler, mas infelizmente não pode porque não é assinante.
Cê jura? Se você me amasse mesmo, seguidor, não ia pedir para eu quebrar meu contrato com a firma e, na miúda, te enviar prints da matéria ou coluna via WhatsApp. Você não paga todo mês seu Netflix, seu Spotify, sua manicure, academia, psicólogo? Por que não deveria, então, pagar para acessar o trabalho da sua amiga?
Poderia enumerar aqui dezenas de despesas que todo mundo abraça sem pensar e, digo mais, sem praguejar contra o canhotinho da máquina de débito – você é do time “não precisa da minha via”, que eu sei. O banho no cachorro. A cerveja com os amigos. O McDonald’s da madrugada, o Starbucks com o pessoal do trampo, o Uber que fica só um pouquinho acima do preço do metrô.
Mas de que adianta, se você não entende o produto do jornalismo como algo que merece seu dinheiro? E R$ 29,90 é a partir do sexto mês, hein, se fosse uma gravidez você já estaria com uma pança enorme e quase parindo.
São de início 30 dias pagando R$ 1,90, coisa que não dá nem pra comprar um Trident no farol. Depois de não só não ficar cheio de cárie, mas, sim, lotado de conhecimento, o assinante passa para R$ 19,90, equivalentes aos primeiros 45 minutos de um filme no cinema – na outra metade ou você levanta e vai embora, ou você paga de novo a mesma quantia, porque o diretor do filme não vai te mandar prints do desfecho, mesmo que você peça.
Eu adoro você, leitor, de verdade. Sem você, meu trabalho não tem função. Mas também amo que meu emprego como jornalista ainda exista, que a gente ainda tenha liberdade de imprensa, que ainda se possa apurar e escrever boas matérias, e que meu cérebro ainda seja precioso o suficiente para valer um blog aqui no jornal.
Não sei como você chegou ao final desse texto. Se já é assinante, obrigada por isso e perdão pela perda de tempo tomando bronca. Mas, se não é, e agora lê o último print que alguém compartilhou, fique com meu último pedido: não me dê likes, me dê valor.