Desculpa mandar áudio

Só Deus sabe o quanto eu já xinguei família e amigos a cada áudio de WhatsApp recebido. Não pelo áudio em si, porque aprendi a enxergar as vantagens desse tipo de comunicação, mas, sim, por causa do prólogo que vem sempre acompanhado dele.

“Oi, Má, desculpa mandar áudio, é que eu estou fazendo alguma outra coisa importante ou relevante, tanto faz, e por algum motivo qualquer que mesmo que eu te conte você não vai se interessar, ficou mais fácil eu gravar meu recado em vez de digitá-lo, e eu espero muito que você possa nessa vida ainda me perdoar”.

Que pena. Não te perdoo.

Sua mensagem é lá a ”Bohemian Rhapsody” para precisar de introdução? E sabe o que é pior? Ao contrário do que podem fazer entender as caprichadas preliminares, o que vem em seguida é broxante. Porque, não, ninguém nunca anuncia via áudio que você ganhou na loteria, que é você a escolhida para aquele emprego incrível, que nasceu o seu sobrinho, ou que morreu a sua avó. É sempre algo banal e breve.

E eu vivia ali, como uma deusa no Olimpo, me achando muito melhor que todo mundo não só porque havia brilhantemente detectado um padrão escroto da humanidade, mas também porque julgava que eu não era esse tipo de pessoa.

Quanto mais alta a gente se acha, maior a queda, e qual não foi minha surpresa quando me flagrei ao volante cometendo dois crimes: o primeiro, de usar o celular na direção, e o segundo, de usar o celular na direção para gravar um áudio com introdução para meu editor.

“Oi, Gá, desculpa por mandar áudio, é que eu estou dirigindo e fica mais fácil assim, e eu imagino que você deva detestar esse tipo de coisa, já que você é esse homem ocupado e importante, enfim, obrigada por me ouvir até aqui, e o que eu tinha para dizer é que ainda não evoluiu aquela pauta, mas quando algo mudar eu te procuro, e eu espero muito que você possa nessa vida ainda me perdoar”.

Que pena. Ele não me perdoa.

Me diz qual é a dificuldade em gravar algo de no máximo cinco segundos dizendo o essencial? E ninguém ensina a gente a ser assim, prolixo e inconveniente – é uma tradição passada em silêncio de geração para geração, incrustrada em caps lock e negrito no imaginário coletivo dos usuários de WhatsApp.

Há quem defenda que este hábito execrável seja, de todo modo, um sinal de educação, já que o emissor pede desculpas ao remetente por seu comportamento odioso. Já eu penso que não temos nada de legais uns com os outros, e que formamos no fundo um bando de ególatras exibicionistas.

A gente gosta de se mostrar muito atarefado, donos de agendas ridículas, impossibilitados de usar as digitais para nos comunicar de tão assoberbados que andamos. Até parece.

Em uma próxima atualização do aplicativo, podiam reduzir a duração dos áudios a, no máximo, 30 segundos, e eu queria ver a gente desperdiçar esse sopro de vida com qualquer tipo de enrolação narcisista. Ou, então, em uma atitude mais drástica, podiam também banir de vez os áudios, para punir a gente de maneira mais inesquecível.

Se bem que, diga aí, talvez não demorasse muito para as nossas mensagens digitadas começarem sempre com um “pois é, cara, agora que eles acabaram com a ferramenta de gravação ficou tudo mais difícil, ENTER, segundo parágrafo, mas o que eu ia te falar, na verdade, era que”.

Somos uns boçais.