O mito do dedo podre

Eu tenho uma amiga, que tem uma cunhada, cuja vizinha era prima de uma conhecida de uma moça que, nossa senhora, só se relacionava com homem merda. Essa mulher, coitada, entrava e saía de namoros que, por mais que parecessem bonitinhos no começo, acabavam com ela arrasada na cama, chorando a decepção e a rejeição do amor errado. E sabe o que essa moça conhecida da prima da vizinha sempre ouvia dos amigos? Ela ouvia que tinha o dedo podre.

Pode até parecer que eu estou falando de mim mesma. E estou, realmente. Afinal, de que serve um espaço público em um jornal de circulação nacional se não for para passar vergonha perante a sociedade?

Gastei a vida inteira escutando essa expressão da boca de mãe, de pai, de amigos, de colegas de trabalho. Como uma jardineira que só cultiva adubo, era incriminada pelos fracassos contínuos na minha vida amorosa. Dedo podre.

Se você digitar essa expressão no Google, aliás, vai se deparar com matérias em sites diversos que responsabilizam única e exclusivamente as mulheres pelas escolhas erradas, e pelos relacionamentos malsucedidos.

Dizem os psicólogos entrevistados nas tais reportagens que, ao escolher um homem estragado como companheiro, nós, mulheres, estamos das duas, uma: ou ansiosas para ter alguém a qualquer custo e evitar ficar sozinhas, ou presas à fantasia de que somos capazes de salvar um cara problemático.

Nenhum desses profissionais leva em consideração, no entanto, o fato de que, muitas vezes, aquele morangão bonito exposto na gôndola do supermercado demora um tempo até mostrar seu lado cheio de mofo. Em outras palavras, sem metáforas cafonas de hortifruti, seria bacana que essas pessoas ouvidas nas matérias se lembrassem de que não é sempre que as pessoas se apresentam do jeito que elas realmente são.

Se um homem usa uma máscara poderosa nos primeiros meses de relacionamento, para só depois – e bem aos poucos – revelar sua verdadeira personalidade, será que a culpa continua sendo da mulher que se apaixonou por ele? Será que ela sofre mesmo da maldição do dedo podre?

Óbvio que há os motivos inconscientes que nos direcionam e conseguem, inclusive, antever as tragédias, convidando a conectar nossos buracos emocionais com os buracos emocionais do outro. Longe de mim desmentir analista, até porque sem o meu eu não sobrevivo. Mas a impressão que fica é a de que parece muito mais fácil culpabilizar a mulher do que avaliar o quadro como um todo.

Nesse panorama geral, há fatores como, por exemplo, a raridade que é encontrar um sujeito 100% afinado com o mundo de hoje, e aberto para as mudanças fruto das conquistas do feminismo, por exemplo. Ou esses psicólogos que dão entrevista nunca ouviram falar em esquerdomacho, o tipo que parece fofo no começo, mas que, com o tempo, revela ser uma grande cilada, Bino?

O fato é que nós mulheres estamos sempre nessa posição passiva. Se “conseguimos” conquistar um homem – e eu colocaria aspas triplas aqui se a revisora não fosse me dar um pito -, ele está sendo generoso em nos aceitar como somos. Se ele vai embora, fizemos algo de errado. E, se ele acaba se mostrando um mau partido, o crime é termos o dedo podre, e não ver o problema com antecedência.

Oras, nos poupem. De nada adianta a gente ler, estudar, se informar, se analisar, fazer yoga, assistir todas as temporadas de “O Conto da Aia”, se não se encerrar o padrão em que toda mulher é invariavelmente culpada por tudo que lhe acontece. Quero, sim, toda a responsabilidade que vem com a evolução e o chamado “empoderamento”, mas também seria genial se, ao mesmo tempo, a gente finalmente jogasse luz sobre o que não é despesa nossa nessa conta.

Até porque, se um dedo é mesmo podre, a última coisa que ele sabe ou deve fazer é passar pano.