Dá-se um jeito

Quando isso tudo aqui ainda era mato, e nada estava definido, eles disseram pra gente que aquele era o único jeito que havia. Não tinha mais nenhum outro jeito, concluíram brilhantemente, e, diante disso tudo, a gente ia ter que achar um novo jeito. Pois acharam.

O jeito foi dar uma cambalhota pro abismo, segurando três facas na boca e uma tesoura na mão, do jeito que a mãe da gente gritava para nunca fazer. Mas era um jeito. Um jeito de mudar, e também de devastar, discriminar, ameaçar, humilhar. Só que, se ninguém explicou que tinha um jeito específico, que mal havia? Importante é que deram um jeito, e era disso que a gente sabia.

Daí, depois que o jeito todo foi dado, tudo ficou de um jeito esquisito. Passou a não ter mais jeito de achar emprego, de ir para a escola, de fazer pesquisa, de comer direito e limpo, de escolher a cor da roupa, de respirar, de pagar conta, de falar livre. Nem mesmo jeito de beijar quem a gente quisesse, do jeito que a gente desejasse, tinha mais jeito de acontecer. Fomos virando todos uns sem jeito.

Ficamos sem jeito de admitir as coisas. De reconhecer que, de um jeito ou de outro, tinha o dedo de todo mundo naquele jeito que escolheram dar lá no começo. A gente realmente nunca levou jeito para me culpa, fosse do lado que fosse, mas talvez um jeito de começar a resolver as coisas era a gente, agora, passar a ao menos se desculpar pelo mau jeito.

Foi mal, gente, foi mal, nós mesmos, perdão por estar tudo desse jeito. Sabemos muito que, tivesse sido feito tudo com mais jeito, o jeito que a gente estava hoje era seguramente diferente. E agora, diante do caos, o que mais se escuta é que eles confiam na gente, e que a gente vai dar um jeito. Não importa o que te falte, eles dizem, mas algum jeito é certo que se dá.

Dá medo, fato, e parece que não tem, de novo, mais nenhum jeito.

Mas eu confio que, sim, nós daremos um jeito na escuridão das tardes, no desânimo generalizado, na falta de respeito e de educação. Com jeito, manteremos os pés firmes no chão e a cabeça acima das nuvens de fumaça e tóxico. O coração no céu e a boca no sol, um jeito de comer e engolir luz. Adotaremos novo posicionamento, que não mais o que nos põe em jeito de dominó, uns na frente dos outros. Agora, os ombros se escoram com jeito, e, emparelhados, ninguém mais cai.

Este será o nosso jeito pelos próximos três anos. Até chegar a hora em que, de algum jeito, a gente possa dar um jeito em tudo e reconstruir a nossa casa. Vamos cuidar para que nenhum de nós esmoreça, achando que do jeito que está tudo parece o fim das coisas mais uma vez.

De jeito maneira. Afinal, aprendemos que pra tudo “dá-se” um jeito, sim.