Pegar mulher amadurece
Na palestra do psicólogo, o tema era como as famílias vêm terceirizando a educação dos filhos, impedindo sua autonomia, estimulando competições injustas e o consumismo desenfreado. Um baita trabalho porco, esse nosso, e eu me vi à beira de vestir a carapuça aos prantos quando o terapeuta, um homem na casa dos 40, deu como exemplo uma conversa hipotética entre um pai e um moleque adolescente: “Sou melhor que você, filho, que ainda nem pegou mulher na vida”.
Parece que o jogo virou, doutor. Eu, que estava quase topando rachar com a humanidade esta culpa pelo fracasso absoluto na criação de seres humanos, agora não só continuo me achando uma mãe excelente, como passei a duvidar da sua capacidade como analista, palestrante, humorista e adulto. Ou essa colocação aí não é coisa de moleque?
Na tentativa de fazer graça, diante de um público majoritariamente feminino, o psicólogo aponta relações sexuais como índice de medição do sucesso, e ainda escolhe um vocabulário tão ultrapassado quanto asqueroso. Meu filho de 11 anos não faria melhor.
Uma amiga compartilhou uma imagem que diz que a prova de que sexualidade não é escolha é que ainda gostamos de homens (e isso não tem relação alguma com nos acharmos superiores por qualquer motivo, se você ainda não entendeu o feminismo volte 30 textos no blog e muitas casas na vida).
Acho que essa sensação – genuína – vem do fato de que nós, mulheres, vimos nos esforçando tanto para evoluir, é yoga, é análise, é tantra, é mapa astral, é ciranda para a lua, Freud, Lacan, livros, é coração aberto, e do outro lado vemos tão pouco esforço em prol de entrar em reforma para melhor atender-nos. Desanima.
Assistir figuras escolhidas para compartilhar conhecimento optarem por se comportar de maneira imatura, ainda que em um lapso de segundo, faz pensar que talvez haja uma autorização silenciosa e coletiva para que homens sigam sendo meninos eternamente.
Isso sem falar nas instâncias superiores, ocupadas por indivíduos que parecem recém-egressos do Ensino Fundamental II. A já exaustivamente comentada República da Quinta Série. Óbvio que uma parcela considerável da população constata e se incomoda com a conduta pueril de quem foi escolhido para liderar as decisões máximas da nação, mas em muitos casos os que apontam o dedo se esquecem de seus telhados de vidro.
A prática comum de rotular companheiras como um empecilho à felicidade e à independência, por exemplo, uma receita clássica dos comerciais de menos de uma década atrás. É um costume malandro que não se dá nem ao trabalho de uma retrospectiva histórica. Afinal, se há um sexo que passou séculos sendo podado e diminuído, e que por isso teria direito a todo o ranço do mundo, este sexo definitivamente não é o masculino.
Escolher aquelas que são para casar e as que valem para trepar – e depois reclamar da própria escolha -, classificar-nos com base apenas na subjetiva qualidade dos nossos atributos físicos, alimentar uma rotina de flerte constante com futuras candidatas à vaga já preenchida em uma relação mutuamente acordada como monogâmica: são ou não são práticas idênticas à de, em 2019, falar que o filho ainda não cresceu simplesmente porque ainda não “pegou mulher”?
Ninguém cresceu, parece. E, deste modo, fica realmente difícil imaginar que as próximas gerações se apresentem melhoradas, tendo como exemplo adultos estacionados bem antes do colegial. O problema pode até ser as famílias terceirizando a educação, impedindo autonomia, estimulando competições injustas e o consumismo desenfreado, mas é importante que a gente fale sobre essa imaturidade masculina normatizada e tente de algum modo trabalhá-la.
Em uma sociedade em que um psicólogo propaga em público discursos machistas arcaicos, em que nossos parceiros nos enxergam como bruxas castradoras, e o presidente da República chama a filha de fraquejada para, depois, se fantasiar de imperador-mirim ameaçando levar a bola embora depois que suas regras egocêntricas não são seguidas, é preciso redobrar o foco e a ponderação. O preço da liberdade é mais do que nunca a eterna vigilância.