O verdadeiro amor de mãe
O repórter do programa de variedades entrevista o elenco da nova novela, e pergunta a uma das atrizes principais como ela tem feito para conciliar gravações e maternidade. Para o protagonista, pai de dois, a questão foi sobre expectativa de sucesso, porque não é obrigação masculina conciliar filho com coisa nenhuma, e alguma mulher vai resolver isso por ele.
“Amor de Mãe” é a história que estreia hoje, e, na propaganda, já dá pra ver que o que não vai faltar é matriarca de família gigante passando perrengue. Mas voltando à entrevista. A estrela, uma mulher talentosa e bonita, mesmo que pressinta a armadilha da questão não pode mandar o repórter à merda, já que trabalham juntos na mesma emissora. Ela sorri. Explica que consegue, sim, levar à escola, mas que conta com ajuda para a hora da saída.
Sutil atmosfera de julgamento. Corte rápido. Comercial.
Aos 41 anos e há mais de duas décadas na TV, certamente a atriz já se acostumou a conversas desse tipo, tão comuns quanto antiquadas. E se eu, que nunca dou entrevista pra ninguém, mas que volta e meia sou perguntada sobre como faço para dar conta de criar sozinha um menino e ainda exercer minha pouco glamourosa carreira jornalística, já bocejo de tédio e ódio, imagino como Taís Araújo se sente.
A resposta mais honesta do mundo ali, além de um introdutório e breve sermão pelo fim de análises tão rasas, seria um “tá foda”, assim, à queima-roupa. Como ela faz para conciliar duas crianças e vários trabalhos? Não faz. “Só torço pra dar certo e sigo a vida, moço. E, ao final de cada dia, eu me deito na cama e me sinto exausta”.
Quando uma mãe admite publicamente que está cansada, outra centena de mulheres suspira em alívio e identificação em alguma parte do mundo. E, se este já seria um imenso passo em direção ao acolhimento universal caso se tornasse mais frequente, imagino o valor que teria se a gente desse nomes ainda mais reais aos nossos sentimentos.
Mais do que abrir o jogo e assumir este esgotamento tão genuíno, a gente precisa ir um pouco além, reconhecendo que há motivos para ele existir. Sinalizar que não é à toa que chegamos até aqui ajuda a eliminar a culpa que sentimos, sim, às vezes por iniciativa própria, mas que, em grande parte das vezes, nos é arremessada até que estejamos soterradas pelo último fio de cabelo, nadando encabuladas em penitência eterna.
É hora de nos libertarmos do combo promocional de patriarcado e religião que nos coloca neste lugar em que todo mundo sabe o que todo mundo está sentindo, mas onde ninguém tem autorização para falar sobre isso, que dirá para se queixar sem ter que pedir desculpas.
Não sei quais as causas específicas da exaustão maternal de uma atriz famosa, mas sei que, independentemente do padrão econômico de uma mulher e do quanto de ajuda prática ele permite que ela contrate, a dedicação emocional que educar um filho exige não há dinheiro que resolva – e, quem a ela se presta de coração aberto, vai, sim, terminar o dia descabelada, esgotada e, por vezes, chorando sozinha debaixo do chuveiro.
Posso falar do meu caso específico. Dar os tais nomes mais reais às coisas, sem pudor. Ando cansada porque meu filho está à beira da adolescência, e promove em 24 horas mais variações de humor do que se espera de um espectador daqueles filmes fofos de cachorro que morre no final. Acorda feliz, toma café puto, almoça eufórico, chora à tarde, dorme muito doce e amável.
Não bastasse a idade crítica e inevitável, há ainda alguns complicadores, em especial a ausência física paterna, aplacada apenas duas vezes ao ano, e, com isso, a exigência de ser a única responsável não apenas por manter um ser humano vivo e respirando com todos os pedaços intactos, mas também por tomar todas as decisões que buscam essa integridade agora e pelos próximos 90 anos.
Confessar que ser mãe é às vezes pouco prazeroso, que um filho pode ser azucrinante, que há dias em que a gente sonha em como seria poder passar mais tempo sozinha no mundo, não pode ser considerado crime, nem sinônimo de falta de afeto ou responsabilidade. Pelo contrário: é apenas por meio da nossa coragem e da nossa sinceridade que conseguiremos encontrar, juntos, mulheres e homens, as soluções possíveis e o respeito necessário pela tão louvada figura da matriarca heroína.
Para mim, o amor honesto é o verdadeiro “amor de mãe”.