Ele só tá querendo te comer
Entre os muitos segredos da humanidade trancafiados em cofre inviolável e antiatômico, estão o porquê de o pão sempre cair com o lado da geleia para baixo, a lógica que explica o hábito de abaixar o volume do rádio do carro enquanto se procura por uma vaga, e o motivo pelo qual você, mulher, concretizou todas estas suas brilhantes conquistas na vida. Da vaga de emprego ao assento no metrô, passando pelo seu salário e o desconto no boleto do celular, tudo tem a mesma explicação: é só porque um cara está querendo te comer.
Eu sei que você não sabia disso. Ninguém sabia, na verdade, e isso porque há uma grande conspiração pra que a gente siga achando que alcança as coisas por capacidade. Por inteligência, estudo, por talento. Que bobagem. Foi essa sua xoxota, menina, que te trouxe onde você está agora. Foi de olho apenas nela que homens e mais homens te abriram portas, te assinaram contratos e te estenderam a mão ao longo do caminho, fazendo você ser quem você é hoje.
Veja meu caso, por exemplo, uma jornalista até da bacana, com certa aptidão para a apuração e a escrita, 20 anos na praça, e pela segunda vez na carreira sentada aqui à mesa do maior jornal do país. Esforço? Não, pepeca mesmo, pelo que disseram.
A delação se deu assim, para resumir: semana passada, um homem me elogiou profissionalmente, eu contei sobre o elogio a outro homem amigo, este outro homem amigo me explicou que, na verdade, quando opinou sobre meu talento, o homem original não queria me encorajar, mas, sim, apenas transar comigo (se esse texto ficou confuso chame um homem e peça ajuda que ele te explica).
E a piada toda acaba aqui – a minha, porque a anedota masculina ainda vai demorar muito pra terminar. Até lá, a gente até pode fazer um texto ou outro tirando onda de costumes excêntricos como este, de reduzir mulheres aos seus sexos e o que eles podem oferecer ao mundo, mas, fora as colunas, na vida prática não dá mais para brincar com um assunto assim.
Chega de fingir que a gente não se importa. Com medo de perder o amigo, o emprego, o namorado, ou qualquer oportunidade importante que seja, acabamos engolindo, em silêncio, o que de engraçado não tem nada, e só faz agredir gratuitamente.
Quando alguém nos diz que algo que conquistamos veio apenas porque um homem quer nos levar pra cama, a violência maior contida nessa fala não é a ofensa em si, mas, sim, a consequência que ela traz consigo, de fazer com que a gente se questione, duvidando da nossa própria capacidade. Será mesmo que eu só consegui esse salário porque meu chefe quer me comer?
Não, garota. O que você ganhou e tem é mérito todo seu. Até porque não há mulher no mundo, por mais reluzente que sua buceta seja, que se sustente em um lugar que não lhe pertence, em uma posição da qual não dê conta.
Tive um namorado que, religiosamente, a cada êxito que se apresentava na minha trajetória, menosprezava meu momento usando essa frase clássica. Não importava o que eu tivesse conseguido, obviamente era só porque alguém estava de olho em uma trepada.
No caso dele, era porque se tratava de um homem brutalmente inseguro, e que no fundo se achava incapaz, ele mesmo, de conseguir coisas por mérito próprio, entendendo, assim, que a lógica se aplicaria igual para todo mundo.
Não sei explicar por que outros homens ainda perpetuam esta visão deturpada e este hábito escroto, se é porque, como fazia meu ex (e os ex de outras tantas amigas, que eu sei), precisam que a gente se sinta péssima para não querer nunca ir embora do lado deles, temerosas do futuro sem suas companhias. Mas sei que, conforme amadureço e aprendo mais sobre mim e sobre nós todas juntas, já entendo que, pode até ainda doer na hora do tiro, quando um paspalho abre a boca pra me alvejar com este absurdo, mas que não cabe mais eu duvidar das minhas qualidades por causa da opinião alheia.
Aprendi essa lição. E ela mostra que, quando um homem fala assim de outro, isso diz muito mais sobre ele próprio do que sobre aquele que virou assunto – e que, de mim, sem dúvida, absolutamente nada diz.