Preocupada

O coronavírus ainda não chegou, mas eu estou preocupada. Sem motivo para pânico, alerta o moço do telejornal, mas, quando troco de canal, e então quem fala é o apresentador grisalho, daí, diz ele, a encrenca não é só a enchente nas imagens ao vivo, porque a doença chinesa já é, sim, um baita problemão nosso, e que o ideal é todo mundo comprar correndo máscaras ainda hoje, ou então morreremos todos antes que um novo dia amanheça.

Caguei pro Datena. Não vou cair no frisson do momento. Tenho mais com que me preocupar, e é aquilo que eu já disse: eu estou bastante preocupada. Olha a Regina Duarte. Agora olha a Regina Duarte de novo. Sim, é a Helena de “Por Amor” abraçada no Bolsonaro. Como não ter medo de quem troca bebês, ainda mais para dar para a chata da personagem da Gabriela Duarte?

A Regina vai decidir tudo relacionado à cultura a partir de agora. Porque o Roberto Alvim gravou um vídeo nazista, e aparentemente só pode ser nazista se não aparecer na internet fazendo cosplay nazista. Fico em dúvida se ela vai se manifestar sobre o Pedro Bial se manifestando sobre a Petra Costa.

Li a entrevista logo pela manhã, e terminei preocupada. O mesmo cara que abre espaço no seu programa para mulheres denunciarem o João de Deus por assédio agora abre a boca para ser misógino. Talvez naquela época da denúncia contra o médium o Bial só quisesse audiência. Vai ver ele está passando vergonha agora pelo mesmo motivo.

O bom é lembrar que a opinião do Pedro Bial vai ser para sempre a mesma coisa: apenas a opinião do Pedro Bial. E, por mais preocupante que seja lembrar que homens com tamanha visibilidade ainda aproveitem sua relevância para falar groselha, a gente já aprendeu que valor de mulher nenhuma é definido pelo juízo masculino de quem quer que seja.

Junto com o medo de a Regina me botar naquela fotomontagem, minhas preocupações atuais vão além de vírus mundiais ou vermes nacionais. Quero saber se meu look de Carnaval vai ficar bom o suficiente pra eu me achar tão gostosa que me esqueça dos problemas por quatro dias.

Pulando quase pelada na rua, vai dar pra fingir que a gente não tem nada com que ficar noiado, que está tudo sob controle. A “ficção alucinante” de ser este um país onde a política almeja a cultura livre, sem lugar para censura ou sexismo. Porque, enquanto a realidade for diferente disso, preocupado é o mínimo que a gente precisa ficar.